Bob Scarpelli destaca agilidade
Aos 56 anos, Bob Scarpelli, presidente e diretor mundial de criação da DDB, acha “excitante” o momento que a publicidade atravessa. Com todos os recursos da chamada nova mídia, transformada por twitters, facebooks, youtubes e googles da vida, o chefe da DDB acredita que junto com os desafios de conquistar o diálogo com o consumidor, existe também a possibilidade de ser “pioneiro” nos formatos de comunicação. “Publicidade muda a cada minuto”, ele sintetiza. Neste mês, Scarpelli é uma das principais atrações da 23ª Semana Internacional da Criação Publicitária, que será realizada em São Paulo entre 26 e 30 de outubro. Um dos criativos mais respeitados da publicidade moderna, Scarpelli é o diretor de “Wassup”, campanha da Budweiser que conquistou para a DDB de Chicago o Grand Prix de Filme do Festival de Cannes de 1999. Na época, os filmes viraram um fenômeno viral, um hit da internet. Questionado sobre a relação entre mídia tradicional e as novas mídias, Scarpelli acredita que a internet – “se você pensar em tudo o que está acontecendo” – já pode ser considerada uma “mídia tradicional”. É da internet também, sob a supervisão de Scarpelli, que saiu o GP de Cannes deste ano, o “espetacular”, segundo a avaliação dele, “Carrossel”, criado pela DDB Tribal de Amsterdã para a Philips. Na publicidade desde 1977, quando começou como redator na Needham Harper, agência que foi absorvida pela DDB nos anos 80, Scarpelli comanda atualmente uma rede de agências que está presente em mais de 100 países reunindo mais de 14 mil profissionais. Marcas como Inbev Anheuser-Busch, Volkswagen, McDonald’s e Philips estão entre os principais clientes da DDB.
Em Nova York, no seu escritório no 11º andar de um prédio da Madison Avenue, Scarpelli disse que sua apresentação na Semana Internacional da Criação vai abordar as transformações que a publicidade está vivendo. “Apesar das mudanças, das dificuldades, das loucuras, de tudo o que está acontecendo, estamos vivendo um dos momentos mais excitantes que eu já vivi no mercado publicitário”, ele disse ao propmark. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Com Google, Twitter, Facebook e toda a parafernália digital misturados com a mídia tradicional, como você avalia a publicidade feita atualmente?
Ela está mudando a cada minuto. Acho que hoje é tudo sobre como as pessoas se conectam. A publicidade não é mais um monólogo. Estamos fazendo com que as pessoas se engajem em diálogos. De uma maneira ou de outra, isso sempre foi assim, principalmente na DDB. O Bill Bernbach (um dos fundadores da DDB) disse há muito tempo atrás que o boca a boca é a melhor mídia que existe. Uma pessoa gosta e conta pra outra e pra outra e assim por diante. Nos anos 90, eu traduzi isso para o “talk value”, que é a importância de termos a publicidade que criamos sendo falada e comentada pelos consumidores. Acho que antes, esse tipo de boca a boca era importante e agora, ele é essencial, é fundamental. As pesquisas apontam que hoje a importância e a influência da mídia de massa, do governo, da igreja, das instituições tradicionais estão em queda. As pessoas acreditam muito mais no que os amigos falam, no que os familiares falam, na experiência que eles têm ou tiveram. As pessoas têm mais opinião, é tudo muito instantâneo. Boa ou ruim, a opinião é muito instantânea. Nós estamos usando esse feedback para encontrar melhores maneiras de fazer comunicação com os consumidores.
O que você acha das mídias sociais?
Acho que Facebook, Twitter, blogs e tudo mais, eles podem ser divertidos e interessantes. Outro dia, participei de um seminário e questionaram sobre a limitação dos 140 caracteres do Twitter e sobre o conteúdo que é postado lá. A pergunta era se alguém de fato se importava em saber se hoje é um dia de sol ou se fulano vai comer sanduíche no almoço. E a resposta foi sim, as pessoas se importam com isso e com essa forma de conteúdo. A geração que cresceu com tanta mídia foi tão bombardeada de mensagens que se acostumou a comunicar desse jeito, com poucas palavras, com os 140 caracteres do Twitter. Está tudo em transformação e ninguém sabe onde tudo isso vai parar, mas é isso que é excitante porque podemos ser pioneiros em novos formatos de comunicação.
Mas o mercado está apenas mais excitante ou você acha que também está mais difícil fazer publicidade?
Para a publicidade especificamente, está mais difícil, mais desafiador e é isso que torna o mercado mais excitante. Espero que o que está acontecendo ajude a elevar o nível de qualidade. Isso nos força a realmente estabelecer novos padrões, mais altos inclusive, porque as pessoas estão muito mais críticas hoje em dia sobre o que a gente coloca na mídia. Acho que não existe uma ideia que todo mundo vai adorar, mas eu acho que por causa do feedback instantâneo que existe hoje, isso faz com que você pense e repense mais rapidamente em ideias melhores. Uma peça que eu coloco para o mercado local de San Francisco, por exemplo, rapidamente pode ganhar uma opinião que se espalha pelo mundo. É a aldeia global, só que agora, mais mensurável.
Quais são os principais desafios que as marcas enfrentam em um mercado tão cheio de transformações?
O desafio é ser realmente relevante. As verdadeiras e melhores marcas têm de ser de fato relevantes. Sempre foi assim, mas acho que hoje é ainda mais importante. Que valor você está acrescentando para a experiência do consumidor ou para a vida dele? Quão relevante você está sendo? Temos de dar uma boa razão pra o consumidor participar da nossa marca.
Como essas mudanças afetaram o seu dia-a-dia de trabalho?
Com certeza estamos investindo mais tempo estudando e tendo maior envolvimento com as mídias sociais. Diferentes clientes veem o assunto de maneiras diferentes. A gente tem procurado estar mais afinado. Há mais ênfase em números, em contagens, em análises sobre o que e como estamos fazendo publicidade. Estamos aprendendo todos os dias sobre como, porque e onde as pessoas estão se conectando. Bill Bernbach disse há muito tempo que não é importante apenas o que você diz, mas também como você diz. Hoje eu adicionaria que também é importante incluir onde você diz. É muito importante saber onde a gente coloca a mensagem e como a gente começa o diálogo com o consumidor. Colocamos mais ênfase nas parcerias com os clientes. Nosso objetivo não é só oferecer grandes ideias, as ideias malucas, mas sim ajudar o cliente a entender seus problemas de negócios. Temos de criar soluções de negócios. Não somos consultoria, mas esse tipo de ajuda ao cliente tem sido mais frequente no dia-a-dia com nossos clientes.
Você tem exemplo de alguma marca que continua forte nos dias de hoje utilizando apenas a mídia tradicional?
É uma boa questão porque acho que temos de considerar se a internet já é ou ainda não é uma mídia tradicional. Acho que a internet já é tradicional se você pensar em tudo o que está acontecendo. No nosso caso, temos o McDonald’s, por exemplo, que está bem presente na web, que faz muitas e muitas coisas interessantes na internet, mas a maior parte do que eles fazem é televisão, é mídia impressa, é mídia tradicional porque isso realmente funciona para eles como uma grande marca. A Anheuser-Busch também. Fizemos a BudTV na internet, mas a maior parte dos investimentos deles está na mídia tradicional.
Na sua opinião, uma marca pode sobreviver hoje vivendo exclusivamente do digital?
Ainda não tinha pensado sobre isso. Deve estar para acontecer, mas ainda não. Acho que uma marca pode de fato começar apenas na internet, mas acho que para estender o alcance ela precisa da mídia tradicional. Se você vir o ranking da Interbrands, das marcas mais valiosas, acho que entre as 10 mais valiosas, todas fazem um bom mix de internet e mídia tradicional. Eu diria que ainda não, não é possível sobreviver sendo só digital.
Na sua opinião, como o consumidor está mudando diante de tanta transformação na mídia?
A maior mudança é que o consumidor agora tem o poder de decisão para escolher quando ele quer interagir ou não com as marcas. O que tínhamos antes era um consumidor que ficava à frente da TV, esperava o break, assistia ou saía da sala. Agora, é tudo diferente. Ele grava digitalmetne e vê o que quer na hora que quer. O consumidor escolhe se visita um website ou não. O consumidor está com o controle, com muito mais controle do que nunca.
O que a indústria publicitária aprendeu com o credit crunch e toda a crise financeira deste último ano?
Aprendemos que nunca mais queremos viver um período como esse novamente (risos)… Acho que a crise fez com que todas as empresas fizessem uma autoavaliação e esta é a principal lição. As agências fizeram uma autoanálise para saber do que realmente elas precisam, o que estão oferecendo ao mercado, aos clientes… Se têm os talentos que precisam, os recursos que precisam, se eles estão acima ou abaixo das necessidades. Uma das lições mais difíceis dessa crise foi avaliar como estamos sendo pagos pelos serviços prestados, o quanto a gente pode esticar em relação aos nossos talentos e aos nossos recursos diante do que os clientes podem e querem pagar.
Ou seja, a questão de remuneração…
Sim, a lição da crise passa por onde e como estamos sendo remunerados. Temos os modelos adequados de remuneração e de serviços?
Alguma coisa mudou?
Tivemos de nos adaptar. Muitos clientes disseram que estavam pagando x por isso e que agora seria apenas y se quiser continuar. Mas eu não sou um cara da área financeira… Mas afirmo que estamos em um novo momento.
De “Wassup”, GP de Filme em Cannes em 1999, ao “Carrosell”, GP de 2009, quais as principais mudanças no foco criativo para atingir o consumidor?
“Wassup” foi um grande exemplo de engajamento e envolvimento com o consumidor. Foi um grande exemplo da força da internet há exatos dez anos e naquela época não tinha YouTube, Facebook ou Twitter. Não havia essas mídias sociais e foi um grande sucesso na internet. Foi uma ideia que teve poder para atravessar o mundo. Foi um grande viral. Agora, em 2009, com “Carrossel”, conheço pessoas que ficam me perguntando quando elas vão poder comprar aquele televisor, que só está à venda na Europa, ou seja, todo mundo também vê o filme na internet. Na verdade, os dois filmes têm uma semelhança de foco criativo. Eles começam uma conversa com o consumidor.
Qual o trabalho publicitário mais interessante que você viu neste último ano?
Estou tentando pensar… Acho que ano passado, tudo do HBO Voyeur foi fantástico. Aqui nos Estados Unidos gosto muito da comapanha da HP, do trabalho da TBWA para Pedigree, que é maravilhoso. “Carrossel” é espetacular. Fizemos também uma campanha para o McAffee da DDB de San Francisco, que é fantástico, sobre os hackers. Quando você vê esses filmes, você nem quer ligar seu computador de novo. É assustador como eles conseguem pegar suas informações tão facilmente. Também gostei muito da campanha do Obama.
O que você tem a dizer sobre trabalhos fantasmas e sobre a polêmica repercussão da campanha “Tsunami” feita no Brasil sobre o ataque terrorista às torres gêmeas?
Nós pedimos desculpas para todos que se sentiram ofendidos pelo conteúdo do trabalho. Obviamente, a comunicação está aberta a diferentes interpretações, mas na minha opinião, esta campanha foi inapropriada. Foi ofensiva para muitas pessoas. Eu realmente peço desculpas. Nós não acreditamos em trabalhos fantasmas. Acreditamos em prêmios conquistados dentro das regras.
por Marcello Queiroz