Bonificação de Volume, TV Globo, Editora Abril e a Ética
“Para mim a BV é ética”
Estou no mercado de propaganda desde 1981, fui sócio da Talent e desde 2014 tenho uma empresa de consultoria de gestão para agências. Desde essa época já se questiona a BV, se ético ou não. Com o pronunciamento do presidente, o assunto volta, agora, um pouco mais acalorado.
Nunca tive dúvidas sobre isso. Para mim a BV é ética. É uma forma de remuneração onde todo o mercado publicitário a pratica. Outros setores da economia também têm a sua BV, claro que com formatos diferentes.
Nosso mercado é autorregulamentado. Em 2008 esse modelo de remuneração foi consolidado nas Normas do Cenp (Conselho Executivo das Normas Padrão), através do Anexo C, assinado por todos os signatários do Cenp; agências, veículos, anunciantes e tantos outros. Em 2010, foi incorporado à lei 12.232 de 29.04.2010.
As agências emitem suas faturas contra os veículos, reconhecem os valores na contabilidade, pagam os tributos correspondentes e têm essa fonte de remuneração como parte integrante de suas receitas. Receitas que por sua vez faz com que elas possam investir em equipes, capacitação técnica e com isso oferecer ótimas soluções para seus clientes.
A discussão se a prática é ética ou não vai continuar. É democrático essa discussão. Embora perceba que tem muita gente opinando sem sequer saber do que se trata. Também por manifestação do presidente, está havendo críticas até exageradas sobre a TV Globo. Não tenho procuração para falar por eles, mas posso, por conhecimento de mercado, dar minha opinião sobre o que está sendo dito.
A Globo é líder de audiência desde sua fundação ou pouco tempo depois. Com absoluta certeza ela é líder desde o início da década de 1970. Líder disparada, já teve novela onde no capítulo final quase 90% dos aparelhos de TV ligados estavam sintonizados na Globo.
Mesmo com os novos meios de comunicação, ela ainda é a maior audiência no Brasil. Somados as audiências de todos os outros canais de TV abertos, eles nem se aproximam da média da Globo.
O que se diz agora é que essa audiência foi construída porque, como a Globo paga a BV, todas as agências de propaganda preferem colocar os anúncios dos seus clientes lá, em detrimento dos demais veículos, incluindo as outras emissoras de TV abertas.
É tão simples assim?
Quer dizer então que basta um concorrente oferecer BV para as agências, com percentual maior, todas deixariam a Globo e passariam a oferecer os espaços para seus clientes nessa nova emissora?
O curioso é que todas as outras emissoras de TV aberta têm como prática remunerar as agências através do BV. Se a prática é a mesma e se provavelmente os percentuais sejam semelhantes, por que será que ninguém passa a frente da TV Globo?
Aprendi nesses anos todos uma coisa fundamental no desenvolvimento das empresas: competência na gestão e visão. Competência na gestão financeira, competência na gestão do business, competência na montagem de equipes, competência para criar qualidade e valor no produto veiculado, no caso da TV. E visão de futuro.
A Globo não tem nada disso? Só a BV é suficiente? O que ela produziu nesses últimos 30 anos comparados com o que foi produzido por seus concorrentes não dá uma pista?
Um esclarecimento importante, as agências não têm poder de decisão sobre onde o cliente deve anunciar. Ele, cliente, decide. Sempre com base em ferramentas complexas de medição de audiência, público alvo, adequação do produto a ser anunciado etc.
Foi divulgado também um artigo do Marcelo Carvalho, sócio da Rede TV, argumentando que a razão da quebra da Editora Abril foi por culpa da Globo, que através do BV consegue fazer com que todas as agências ofereçam só a Globo para seus clientes.
Gosto muito do Marcelo, mas discordo totalmente da sua opinião. Ora, a Editora Abril também tinha como prática, há mais de 50 anos, remunerar as agências pelo seu plano de incentivo, o BV.
Também não tenho procuração para falar da Abril, nem conheço ninguém lá. Fui e sou, até hoje, leitor de quase todas as suas revistas. Pelas matérias que ela mesmo publicava, já desde os anos 2000, era visível que uma transformação tinha chegado e iria revolucionar o setor de comunicação. E revolucionou.
Ela publicou vários fatos ocorridos no Brasil e no exterior sobre a sobrevivência e derrocada de empresas até então pioneiras e líderes de mercado no setor, inclusive de jornais e revistas.
Não tenho conhecimento se ela, além de publicar essas matérias, se preocupava também com seu futuro. Se se preocupou não soube fazer as mudanças que supostamente sugeriram a ela.
Ou escolheu consultores errados.
Antônio Lino Pinto é consultor na Viramundo Consultoria (antonio.lino@viramundoconsultoria.com.br).