“Brasil ainda é um país adolescente”
“O Brasil é um país adolescente, e tudo o que eu sei é que não devemos falar para um adolescente o que ele deve fazer.” A comparação em tom de brincadeira foi feita por Flávio Ferrari, diretor-geral da Ipsos MediaCT, durante o lançamento da primeira edição da publicação “Ipsos Flair Brasil”, que aconteceu na semana passada. “O povo tem consciência coletiva adolescente. Contesta autoridade, não sabe bem o que quer ser ou o que é. Este país começou ontem e ainda está procurando sua identidade”, disse Ferrari. Na publicação, Ferrari assina o artigo “Chegou a hora de essa gente bronzeada mostrar seu valor”.
Sob o título “Brasil 2015, Crítica e Progresso”, a publicação reúne artigos de 23 experts da companhia e tem como objetivo analisar os diversos aspectos do Brasil, baseada nos estudos realizados pela empresa. A intenção é que o estudo seja repetido a cada dois anos no país. “Procuramos falar de todos os aspectos da cultura brasileira. Sentimos que está soprando um vento de contestação no Brasil. Não só a política, mas qualquer autoridade está sendo questionada”, disse Alexandre de Saint-Léon, CEO da Ipsos Brasil. O executivo fez um paralelo entre o que está acontecendo no Brasil atualmente com o que aconteceu na França, há pouco mais de 200 anos. “O que sentimos é que essa nova classe média está chegando a um nível de maturidade e por isso está questionando”, falou Saint-Léon.
Ferrari começou sua apresentação citando uma maldição. “Estamos vivendo tempos interessantes. Para os chineses dizer ‘que você viva tempos interessantes’ é uma maldição porque é um momento em que tudo é muito confuso”, argumentou Ferrari.
Ele lembrou que a democracia brasileira é recente, com cerca de 30 anos, e que ainda somos um país em construção, já que começamos a moldar nossa identidade em 1989, com a primeira eleição direta para presidente. “Essa adolescência ainda vai levar de dez a 15 anos. Serão anos para sentir e entender as consequências desse processo”, sugeriu. Como somos um povo formado por vários outros, que foram chegando a partir de 1500 para se juntar aos índios que já estavam aqui, somos uma mistura. “Nós não temos uma referência de tradição brasileira. As famílias vão abrindo mão das suas tradições de origem e as coisas vão se construindo”, disse.
Para a comunicação essa situação é um desafio. Segundo o executivo, não devemos esquecer que os adolescentes se inspiram muito com exemplos dados e não acreditam em conversas vazias. “A comunicação tem de se pautar mais em exemplos do que em discursos. O que vem de dentro que é verdade”, contou.
No contexto atual, a contestação da autoridade se estende às empresas. “As marcas líderes serão contestadas e utilizadas fora do propósito inicial delas. O desafio das marcas é antecipar isso e entender como se comunicar com o consumidor”, disse Saint-Léon.
Contradições
Como todo adolescente, o Brasil é cheio de contradições. Um dos aspectos que chama atenção é o embate entre o pensar de maneira conservadora e a necessidade de parecer na moda. “Somos adolescentes caretas”, sugeriu Narayana Andraus, gerente da Ipsos Marketing e responsável pelo artigo “Povo conservador, país9 modismo” da publicação.
Narayana apresentou alguns números que mostram como o Brasil, em comparação a outros países, ainda é apegado a ideias conservadoras. Por exemplo, 38% acreditam que o papel da mulher é ser uma boa esposa e mãe, 28% discordam que gays e lésbicas têm direito de viver como quiserem e 24% dizem que viver junto não é equivalente a ser casado no papel. Segundo os dados analisados, o conservadorismo recebe grande influência de região, mas não tanto de escolaridade ou classe social. “Em todos os níveis de escolaridade e classes sociais existe esse tipo de pensamento”, afirmou Narayana. No entanto, entre os jovens já há uma maior aceitação das diferenças.
A contradição aparece quando se olha para o consumo. Esse é o país do funk ostentação, do grande uso das redes sociais, de consumidores ávidos por smartphones, moda e que preza o culto à beleza. “Se queremos um mercado consumidor desenvolvido, precisamos ousar. Temos que inovar arriscando e educando ao mesmo tempo”, sugeriu Narayana.
Para o diretor-geral da Ipsos Public Affairs, Dorival Mata-Machado, as manifestações do ano passado, foram um indício de que o Brasil está mudando. “Foi um conjunto de acontecimentos que gerou as manifestações do ano passado. Acabou a inocência de criança e, para qualquer adolescente, uma decisão é o que há de mais importante na vida. O Brasil vai se tornar um adulto mais crítico”, argumentou.
O executivo falou do comportamento histórico do brasileiro de ser otimista. No entanto, isso vem diminuindo ao longo dos anos. Em março de 2010, eram 79% os que acreditavam que a economia estaria melhor nos próximos seis meses. Hoje, esse índice está em 57%. Muito mais baixo, mas, mesmo assim, atrás apenas da Índia. “Essa é a grande lição do ano passado. A crítica está aí.”
Classe média
“Não há como negar que os indicadores de dez anos para cá mostram um progresso”, disse o diretor de serviços ao cliente da Ipsos ASI, Lawrence Mills, que tem um artigo sobre “A nova classe média” na publicação. Em 2002, eram 13% nas classes A/B, 44% na C, 12,5% na D e 30,5% na E. Hoje são 15,5% na A/B, 52% na C, 14% na D e 18,5% na E.
O executivo mostrou que, em 2013, a nova classe média injetou na economia R$ 1,2 trilhões. Nessa faixa, 68% dos filhos têm maior escolaridade que os pais. Com isso, além da mudança econômica, também houve implicações culturais, como o surgimento do funk ostentação e dos rolezinhos, por exemplo. “Foi um movimento dos jovens querendo se divertir no templo do consumo. Eles estavam lá onde sempre falamos que eles deveriam estar. Eles não tinham crédito, mas assistem TV também”, opinou Mills.
Para o executivo, as marcas têm agora um novo desafio que é saber como se manterem premium e como ainda serem aspiracionais para a classe média, se estão nas mãos dos que não são o público-alvo delas agora. “Esse público está no mercado. Eles provaram do mel. Se a economia não crescer é possível que haja uma diminuição do consumo, mas eles não vão deixar de consumir”, contou Mills.
Panorama
O “Ipsos Flair” surgiu em 2005, na França, país de origem da empresa de pesquisas. A ideia do projeto é mostrar um panorama dos mercados, levando em conta a cultura, os valores, a visão de futuro e a relação de consumo do povo. “Nosso objetivo é tentar conhecer melhor o mundo, entender os consumidores e ajudar nossos clientes a tomar melhores decisões”, explicou Alexandre de Saint-Léon, CEO da Ipsos Brasil.
A palavra flair significa instinto e intuição. “A expressão French Flair é usada para descrever o modo como os franceses jogavam rugby. É a capacidade para sentir antes que os demais e tornar a decisão mais rápida, nosso orgulho de jogar bem”, disse Saint-Léon.