Brasil atrai companhias francesas

 

Com um momento político e econômico equilibrado e um grande potencial para negócios dentro e fora do setor da comunicação, o Brasil ainda é alvo de diversos investimentos estrangeiros. E dentro desse montante de companhias planejando ou de fato entrando em novos mercados, as francesas têm mostrado muita vontade de desembarcar em solo brasileiro.

Mas por que existe essa predileção de empresas da França? Além dos indicadores sociopolíticos já citados, há uma série de outros fatores, que vão da cultura ao idioma, passando também por similaridades entre os mercados e tendências de consumo. O próprio momento do país europeu, de estagnação econômica, passa a ser um “incentivo” à internacionalização.

“Três ou quatro anos depois que você funda um negócio na França, o seu empreendimento está maduro e você quer expandir. Então você olha para outros mercados: os EUA não valem a pena por já terem uma força no setor, enquanto outros como Itália e Alemanha são mercados tão pequenos e maduros quanto o da França. Então, você volta os olhos para o desenvolvimento do mercado do Brasil e da América Latina e vê a oportunidade. É um ‘no-brainer’, a decisão é muito fácil”, comenta Jean-Sebastién Cruz, presidente da Netco Sports, empresa que desenvolve aplicativos mobile para o mercado esportivo. Depois de trabalhar no mercado local, a Netco Sports já possui operações em outros países europeus. Agora, também está começando a trabalhar no Brasil, com clubes como Inter, Botafogo, Cruzeiro e Grêmio, além de outros times em prospecção ou finalização de contrato e desenvolvimento.

Entretanto, mesmo com um momento econômico desfavorável, não existe uma “fuga” do país europeu. “Apesar de ser um país menor, a França tem proporcionalmente uma grande despesa em comunicação. O fato de ser  economicamente desenvolvido e com empresas fortes e tradicionais faz com que o mercado seja proporcionalmente maior”, conta Laurent Ohana, CFO da Publicis, que vê outros facilitadores para a presença de companhias de seu país natal. “É muito mais fácil para uma empresa francesa ir para um país latino do que começar a trabalhar na China, na Rússia ou na Índia. Um francês aprende o português em dois ou três meses, enquanto os outros países têm alfabetos, idiomas e culturas bem diferentes”.

A relação bilateral entre Brasil e França não é nova entre as agências, embora haja uma diferença fundamental na operação delas.  Enquanto os europeus trabalham em um sistema onde existem os bureaus de mídia concentrando o inventário, aqui o trabalho de compra de espaço publicitário nos veículos passa pelas agências, e o anunciante paga para os veículos sem mais intermediários. A mais nova brasileira com DNA francês é a BETC, que abriu as portas neste ano tendo Erh Ray e Gal Barradas como sócios locais.

Apesar das semelhanças, também existem muitas divergências entre os dois mercados. “Os consumidores são muito diferentes. Estamos comparando dois países bem distintos, um deles (França) desenvolvido mesmo em crise e com crescimento econômico muito baixo, enquanto o outro (Brasil) crescendo e com aumento de crédito e poder de compra das classes C e D”, raciocina Ohana.

Digital

No segmento digital, o Brasil é um mercado extremamente atrativo. São 105 milhões de usuários conectados (segundo o Ibope Media 2012), em uma crescente agressiva em conectividade, redes sociais e mobile. Além disso, o setor não exige grande investimento local, uma vez que as companhias podem manter a base de suas operações em seu país natal e “exportar” apenas um time de suporte, vendas e marketing, como faz a Netco Sports e também a AT Internet, empresa de web analytics que também chega ao país inicialmente com um efetivo pequeno.

O fato dos players brasileiros serem ávidos por novas tecnologias e tendências também ajuda as empresas estrangeiras. “O mercado ainda está se adaptando, mas hoje existe uma tendência do ‘matemarketing’, aliando o marketing a uma grande análise de dados. Esses dados servem como insight para criação, novas possibilidades e adaptações no negócio”, conta Edouard Hieaux, diretor de projetos da AT Internet no Brasil.

A DynAdmic, startup especializada em mapear vídeos online para alinhar o conteúdo à publicidade, também chegou recentemente ao país por conta desse potencial. “Quisemos entrar cedo no mercado brasileiro para nos tornarmos uma referência”, afirmou Camila Masetti, diretora de marketing da DynAdmic. Como sua proposta é nova, o primeiro trabalho é de educar e conversar com as agências de forma a adaptar o seu modelo de compra de mídia.

Ajuda

Caso uma companhia francesa decida se internacionalizar, o país conta com um órgão especialmente designado para auxiliar as companhias nesta expansão. A Ubifrance, agência francesa para o desenvolvimento internacional das empresas, é vinculada ao Ministério da Economia, Finanças e Emprego e também ao Tesouro da França.

Presente em 44 países e com uma sede em São Paulo e uma no Rio de Janeiro, a Ubifrance trabalha com todos os setores da economia, de agronegócios a comunicação, de transporte a digitais. Ela auxilia as companhias que a procuram com dados e insights sobre o local de internacionalização: condições do mercado, prospecção de clientes e parceiros e toda a estrutura oferecida por uma consultoria.  Benoit Trivulce, diretor da Ubifrance para a América do Sul, afirma que os países emergentes estão “cheios de oportunidades” para as marcas francesas. O executivo aponta especialmente para o Brasil, por conta da Copa do Mundo. No início de fevereiro, a entidade realizou um evento para movimentar as companhias francesas e motivá-las a fazer investimentos no país.

Ainda fora do mercado da comunicação, diplomatas dos dois países assinaram em fevereiro um acordo de parceria de cooperação com duração prevista de três anos e foco no desenvolvimento.

Efeito caipirinha

Para as companhias que seguem ou seguirão o processo migratório para o Brasil, fica um pequeno alerta em relação ao fluxo de negócios. Existem algumas particularidades que só acontecem em território nacional. “Negociar aqui no Brasil é uma delícia no começo, mas para fazer e acontecer dá dor de cabeça. É o ‘efeito caipirinha’”, brinca Edouard Hieaux, da AT Internet. “Na França, o começo da negociação é mais difícil, você precisa de três ou quatro reuniões para chegar ao diretor de marketing. Aqui no Brasil, logo na primeira reunião você é recebido, de uma semana para a outra, com uma reunião programada para durar uma hora e se estender por mais de duas horas e saírem da sala falando que ‘o projeto é fantástico’, mas dias depois já passam outro projeto na frente”, analisa o executivo, que explica que, no final das contas, o ciclo de vendas é praticamente o mesmo, mas é preciso ter precaução para não se animar demais com as prospecções em solo brasileiro.

“O ‘efeito caipirinha’ é uma coisa muito perigosa, pois quando você pesquisa o mercado tudo parece muito fácil, mas depois descobre que não é tanto”, diz. A própria AT Internet planejou a sua expansão para a América Latina com base nos clientes já existentes antes de fincar o pé em São Paulo. Como muitas companhias francesas são multinacionais e possuem filiais brasileiras, a demanda por versões em português e assistência no fuso horário local aceleraram a vinda da empresa.