Busca por notícias bate recorde, mas veículos perdem receitas
Os veículos de comunicação, principalmente os impressos, sofreram e sofrem com o atual cenário, como qualquer outro segmento. Porém, os meios, como os jornais, vivem um paradoxo. A conclusão é de Marcelo Rech, presidente da ANJ (Associação Nacional do Jornais), para quem o consumo de mídia, sobretudo de informação de qualidade, “bateu recordes em 2020 diante da compreensível necessidade de a população buscar fontes confiáveis para se informar sobre a pandemia”.
“Em contrapartida, as receitas caíram em praticamente todos os veículos do mundo, sobretudo pela retração da publicidade. Então, provavelmente essa é a única indústria que teve um aumento substancial de consumo na pandemia e perdeu receita”, revela o executivo neste Especial Mídia Impressa, que traz um retrato do setor nesta e nas próximas páginas.
Pedro Silva, presidente-executivo e CEO do IVC (Instituto Verificador de Comunicação), faz uma avaliação ainda mais ampla quando afirma que a mídia impressa teve impactos distintos dependendo do perfil do veículo/categoria. “Os impressos de distribuição gratuita foram muito impactados por causa da redução de mobilidade das pessoas e também pelos novos hábitos de higiene da população”.
Segundo ele, os jornais e revistas pagos foram, num primeiro momento, impactados pelos lockdowns e redução de mobilidade das pessoas especialmente nas vendas avulsas, aquelas efetuadas em bancas. “As assinaturas tiveram um impacto menor. Em geral o impacto observado já estava presente em anos anteriores com a redução de circulação impressa”, aponta. Mas, ele acredita que esses veículos já vinham se preparando há um bom tempo, desenvolvendo edições digitais, que agora estão em franca evolução. “Esse crescimento, obviamente, variou de publicação para publicação. Aquelas que estão trabalhando nessa opção há mais tempo tiveram desenvolvimento maior e em vários casos o crescimento de edições digitais mais do que compensou as perdas na circulação impressa”, garante.
Rafael Soriano, presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas), também acredita que a crise econômica provocada pela pandemia e a necessidade de afastamento social aceleraram as transformações que já vinham ocorrendo no mercado na última década, marcada pela disrupção digital. “Há agora uma ressignificação das edições impressas, com edições de menor tiragem em papel, mas muito mais valorizadas por seu jornalismo aprofundado e especializado. A verdade é que, em meio às gigantescas dificuldades impostas pela pandemia, as revistas, tanto impressas quanto digitais, ficaram ainda mais próximas dos leitores”.
Segundo ele, as edições em papel são hoje uma espécie de companheiras de jornada, garantindo conhecimento detalhado e entretenimento em um momento muito diferente na vida das pessoas. “Isso também fortaleceu ainda mais uma característica das revistas impressas, que é de muito interesse para nossos parceiros anunciantes: os melhores índices de atenção do leitor”. Soriano cita dados do Projeto Pay Attention, para ilustrar sua afirmação: 82% dos leitores gostam da publicidade nas revistas, 58% afirmam não fazer mais nada enquanto leem as publicações e 43% concordam que a publicidade em revistas é relevante. “Ou seja, o papel segue sendo fundamental”.
Retração
Quando perguntando sobre a performance dos jornais neste período, seja para mais ou para menos, Rech é taxativo e afirma que a queda depende de cada veículo, mas “no mundo todo se viu retrações entre 15% e 40%, particularmente no primeiro semestre do ano passado”. “No segundo semestre já começou a ocorrer uma estabilização, embora em patamares mais baixos que em 2019”, argumenta.
Já Pedro Silva apresenta números que traduzem a situação da mídia impressa no país. Ele afirma que o Brasil tem hoje 44 jornais ativos e a circulação paga total em 2019 era de 2.418.584. Já em 2020 o volume caiu e foi para 2.125.682 (-12,1%). As 26 revistas totalizavam, em 2019, 2.072.985 e, em 2020, a queda foi de 29,8%, ou seja, chegou a 1.455.914 (veja tabela detalhada abaixo).
Ele explica que as revistas foram mais impactadas por terem uma base de digital menor. Além disso, “a maior editora passa por reestruturação, e corta e vende títulos, teve também um menor investimento, que é necessário para manter as assinaturas, a tecnologia e a comunicação”.
Neste emaranhado de números e paradoxos o digital é o grande destaque, quase uma unanimidade. Segundo o presidente da ANJ, o consumo digital foi o que mais cresceu durante a pandemia. Ele fala que pode-se estimar um crescimento médio geral de audiência de 30%, embora alguns veículos possam registrar picos ainda maiores. “Nem toda essa audiência será mantida, mas é de esperar que o crescimento tenha vindo para ficar”, prevê.
Nesse quesito, o presidente do IVC vai além e informa que o instituto audita métricas de analytics de websites, como o Google Analytics, o que garante que o tráfego desses websites está livre de robôs que fraudam anunciantes em suas campanhas. “São informações importantes para que os compradores, agências e anunciantes montem listas seguras que vão orientar tanto as compras diretas como as programáticas”, relata.
Por isso, segundo ele, o tráfego observado mostrou um crescimento enorme nos primeiros meses da pandemia, já que as pessoas buscavam informações avidamente. “Passados alguns meses houve uma queda e acomodação nos níveis anteriores”. Outro detalhe interessante observado por ele é que perceberam mudanças no uso de dispositivos. “No início cresceu o uso de smartphones com o fechamento de escritórios e depois uma recuperação no uso de laptops com a adaptação de trabalho remoto das pessoas”, comenta.
Para este ano, a ANJ prevê estabilização, tanto na audiência, que ficou maior, quanto na receita, que sofre abalos. “Muitos veículos se reinventaram, a começar pela forma de produção. Em fevereiro do ano passado, seria impensável que jornais fossem produzidos de forma remota e as redações conseguissem sustentar satisfatoriamente esse modelo por mais de um ano. Felizmente, os jornais souberam se adaptar a essa emergência, preservando vidas não só por meio do fornecimento de informação essencial, mas no próprio processo de cuidados, distanciamentos e mudanças de processos internos”, diz Rech.
Mas se for considerado o meio revista em sua plenitude, nas palavras do presidente da Aner, há “sem dúvida um crescimento em audiência”. “Não é mais possível falarmos de circulação olhando apenas para as edições impressas. A rápida transformação que estamos verificando neste momento tem exigido também grande velocidade nas métricas de audiências online, um meio cada vez mais dinâmico e versátil”, afirma.
Para ele, contudo, ainda se busca um indicador que expresse audiência total no digital. “O que nossas editoras associadas têm registrado é uma consolidação do impresso como algo exclusivo e de maior valor, enquanto as audiências digitais experimentam forte crescimento, inclusive a partir do engajamento do público via redes sociais e aplicativos, argumenta Soriano.
Eixo
Para Rech, há muito os jornais deixaram de ser veículos focados no impresso. “Hoje, o eixo central é o digital, e o impresso é uma das tantas plataformas para que os jornais levem informação confiável, apurada, verificada e certificada ao público”. Ele afirma ainda que, nesse sentido, há uma grande renovação de público que vem em busca do bem mais escasso nesta era de fake news: informação de confiança. “A produção de conteúdo com essa certificação não é barata, porque exige equipes qualificadas e independentes, mas há um crescente público mundial disposto a pagar para ter acesso a informações que ajudem a navegar por esses tempos conturbados e inconfiáveis. Produzir informação confiável é o negócio dos jornais e, portanto, tem um grande futuro”, avalia.
Soriano também afirma que o digital é a bola da vez também para as revistas. “Estamos convictos de que a audiência digital seguirá em crescimento, com nossos associados explorando com cada vez mais agilidade os diferentes canais oferecidos pelo meio online, em que o conceito mobile tem ganhado mais espaço”.
Ele declara que as editoras associadas à Aner oferecem um misto de jornalismo e entretenimentos dinâmicos, mas “sem perder a capacidade de aprofundamento dos temas”. “Isso passa, por exemplo, por um número maior de podcasts, newsletters, programas educativos e eventos (virtuais no momento, mas que devem avançar para o híbrido na medida que a pandemia for vencida)”, conta.
Incógnitas
Mais cauteloso quanto ao cenário que está por vir, Pedro Silva fala que a evolução da pandemia, suas variantes, vacinação e outros fatores são incógnitas importantes que ainda não permitem previsões. “Algumas tendências observadas devem permanecer. Estamos atentos a oportunidades especialmente no digital, em podcasts, aplicativos, digital OOH, auditoria de campanhas digitais e de streaming em áudio e vídeo. Temos tecnologia e know-how que podemos usar, por exemplo, em eventos virtuais e webinars. Devemos lançar alguns projetos-piloto ao longo do ano e esperamos crescimento na área digital”, revela.
Ainda conforme análise do presidente do IVC, a mídia impressa não é mais apenas impressa. “Há um impresso e uma versão digital que usam o mesmo conceito de edição. Uma edição que uma vez pronta é mantida ao longo do tempo. Há, porém, grande variedade no ambiente digital. Aí vemos grandes oportunidades”.
Para ele, além das edições há o website, o podcast, o evento virtual, as edições especiais, os relatórios temáticos, os webinares por assunto, as newsletters por temas e com diferentes periodicidades. “Com o fim do 3rd party cookies, os editores têm uma grande oportunidade de explorar seu 1st party data. Isso quer dizer que uma campanha, dentro de um editor, terá oportunidade de usar as diferentes edições, as newsletters, os podcasts, os eventos virtuais, as edições especiais e depois tudo que foi produzido com time shift, para ser assistido ou lido em outro momento”, explica.
Segundo ele, esses editores conseguirão montar planos multimídia, distribuídos ao longo do tempo para os assinantes que eles já conhecem, com suas preferências e hábitos. “Esses planos podem limitar a superexposição e manter a frequência mínima para cada fase de uma campanha publicitária. Alguns veículos no mundo já estão desenvolvendo esse planejamento para o mercado publicitário”, conta. O IVC, segundo ele, possui tecnologia e está se preparando para adequar suas auditorias a fim de apoiar os editores e fornecer segurança aos anunciantes e agências.
Pedro Silva fala que no início da pandemia os investimentos publicitários foram reduzidos drasticamente e, depois, voltaram com características diferentes daquelas inicialmente planejadas. “Isso impactou todo o mercado publicitário. No IVC percebemos uma retomada a partir do mês de setembro em demandas e filiações, especialmente de agências e de veículos out of home. A categoria de distribuição de publicações gratuitas ainda não se recuperou. O setor de auditoria de websites manteve o mesmo vigor ao longo do ano e o de jornais e revistas pagos recuperou-se após a queda inicial”, exemplifica.
Soriano concorda com Silva quando a pauta é o breve futuro. Ele fala que o meio revista seguirá desafiado, “uma vez que a pandemia continua a causar imensa dor na medida em que adoece e mata milhares de pessoas, trazendo junto muitas dificuldades econômicas em todo o mundo”. “Neste cenário, o jornalismo profissional e de qualidade se mostra ainda mais relevante. Por isso, nossas audiências devem seguir fortalecidas”, conclui.