BVs fazem parte do mix econômico das agências com respaldo técnico
O questionamento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre a legitimidade das BVs (Bonificações de Volume), pagas pela Rede Globo às agências de publicidade, trouxe à tona um tema que já foi considerado tabu, mas que ganhou transparência nos últimos anos. E conta com a anuência dos anunciantes cujas estruturas passaram a ter áreas de mídia robustas que dialogam com as agências sobre investimentos e custos das suas demandas. O conhecimento dos anunciantes abrange a forma de remuneração das suas fornecedoras de comunicação mercadológica. Sem BVs, os custos são maiores. E o pagamento é calculado pelo volume e não individualmente por cliente da agência.
O foco na Globo causou estranheza. Afinal, o instrumento das BVs é comum nos canais de mídia e indústrias. A emissora mantém posição de que está tomando “medidas legais cabíveis”. Mas agências estão com seus jurídicos atentos, porque desejam solução rápida para o imbróglio.
As BVs são parte da composição das receitas das agências, especialmente as de grande porte. Em alguns casos, o impacto é de 50%. Pequenas e médias têm menor dependência dessa métrica de remuneração, que ganhou corpo quando o percentual de comissionamento de 20% sobre compra de mídia e 15% para produção, como prevê a Lei 4.680, foi alterado em 1997 pelo Decreto 2.262. No final do seu segundo mandato em 2002, porém, o presidente Fernando Henrique Cardoso revogou a medida com o Decreto 4.563 proposto pelo então ministro Bob Vieira da Costa, hoje acionista e CEO da agência nova/sb. As BVs passaram, por assim dizer, a complementar perdas financeiras.
Na semana passada, a Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) tomou partido ao publicar nos principais jornais do país o anúncio O valor da propaganda brasileira, assinado com a Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda). A peça defende a autorregulamentação do setor. A Abap publicou em 2019 o documento Falando às claras, análise sobre incentivo à publicidade.
“O plano de incentivo é uma prática de mercado prevista em lei (12.232/2010), pelas normas do Cenp (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e ferramenta comum do capital e do liberalismo econômico. É uma receita importante para diversas agências de publicidade – especialmente neste ano, onde as empresas estão buscando manter seus funcionários ao mesmo tempo em que convivem com uma grande queda de investimentos em mídia e a crise da pandemia. A Abap segue aberta para consultas e esclarecimentos das autoridades sobre o mecanismo de incentivo”, destaca Mario D’Andrea, presidente da Abap.
“Esta campanha chega no momento em que a liberdade comercial da atividade publicitária e a prática justa, ética, legal e regulamentada de concessão do BV estão sendo questionadas”, acrescenta o presidente da Fenapro, Daniel Queiroz
Os planos de incentivo são expediente do mundo dos negócios. Do vale refeição às premiações em dinheiro. O executivo Ricardo Albregard, diretor do comitê de marketing de incentivo da Ampro (Associação de Marketing Promocional), informa que o incentivo movimenta R$ 9 bilhões por ano no país. Pesquisa da entidade com 407 profissionais apontou que 60% dos clientes das agências de live marketing realizam campanhas de incentivo e 46% promovem de 10 a 50 campanhas por ano.
“As BVs são, ainda, muito importantes na composição de receitas das agências, contudo, têm sofrido grandes variações, em especial pela fragmentação da mídia e o momento de instabilidade econômica dos últimos anos. É importante lembrar que a BV envolve também a capacitação técnica, compra de pesquisa de mídia, eficiência operacional e financeira, dentre tantos outros fatores que auxiliam o mercado, clientes, agências e veículos”, destaca Kevin Zung, COO da WMcCann.
Na avaliação de Claudio Loureiro, CEO da Heads, a iniciativa do Cade é incompreensível. “Primeiro não tem nada de ilegal. BV é uma prática de mercado. De todos os veículos eletrônicos. E essa receita é importantíssima para os números das agências. E vem do digital, OOH, jornais, revistas e TVs. Se até o Google paga BV, por que questionar a Globo? O Cade trata de monopólios. Não consigo enxergar isso na Globo.”
Geraldo Rocha Azevedo, CEO da Execution, é claro: “Qualquer indústria tem o direito de incentivar seus melhores clientes com maiores descontos.” Pedro Reiss, CEO da Wunderman, pondera que “as receitas podem vir de fees, success fees, comissões, revenue share. BV é um desses formatos. No caso da WT, buscamos um alinhamento dentro de cada cliente.”
Com foco em brand performance, a WT.AG prefere fee e sucess fee. “A BV representa menos de 3% do faturamento total”, afirma o CEO Lucas Feltes. Qual é a importância das BVs na BriviaDez? Marcio Coelho, CEO da agência, responde: “A que toda e qualquer fonte de receita possui.”
Marcos “Mala” Lacerda, CEO da Havas Plus, não gosta da expressão BV. Prefere plano de incentivo. “É como uma milhagem. Uso programas de pontos até para comprar comida para os meus pets. Vivemos a novidade do cashback. Nenhuma agência aprova campanhas sem respaldo técnico. O cliente olha o TRP comprometido. Com o BV há um escopo. Sem BV o escopo é outro. O volume de trabalho se multiplicou e as equipes tiveram de crescer. Quem vai pagar o valor estrutural sem BV? Consequentemente, o modelo terá de mudar. E o escopo idem”, ele argumenta.
Luisa Bernardes, VP de mídia da NBS, enfatiza que a discussão não é nova. “É uma prática regulamentada, porém precisa ser encarada como consequência das estratégias definidas, e não um direcionador das recomendações das agências. Eu e minhas equipes, por exemplo, sempre encaramos desta forma, tanto que nenhum profissional de mídia da NBS ou do Dentsu sabe os volumes de BV do grupo. Em 20 anos de profissão, nunca recebi nenhuma pressão por recomendar algo em função do BV.”
O provável viés político do questionamento do Cade é observado por muitas lideranças, que preferem o anonimato. O presidente Jair Bolsonaro é contrário às BVs, criada pela Globo na gestão Boni. “Nenhuma agência impõe plano de mídia. As defesas são científicas e os clientes não são ingênuos. A proposta liberal pressupõe interferência zero. BV não é uma irregularidade”, finaliza Glaucio Binder, CEO da Binder e presidente da Confederação Nacional de Comunicação Social.