Causas pintam o calendário, mas faltam meses para tantos alertas no ano
Quando as causas competem por um espaço em nossa psique, elas perdem força
O movimento Outubro Rosa foi pioneiro ao associar cor a um determinado mês do ano para conscientizar sobre a importância da mamografia como método de detecção precoce do câncer de mama. A ideia surgiu nos anos de 1990, quando a Fundação Susan G. Komen for the Cure distribuiu laços cor-de-rosa para os participantes da primeira ‘Corrida pela cura’.
Ao longo de décadas, o enfeite se transformou em símbolo do enfrentamento contra uma das doenças que mais matam mulheres em todo o mundo. Em 2008, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) trouxe a iniciativa para o Brasil em parceria com a Ogilvy.
Inspiradas pelo colorido rosa, inúmeras campanhas surgiram. Hoje, faltam cores e meses para tantos alertas, especialmente ligados à saúde. Em janeiro, tem o branco (saúde mental), roxo (hanseníase) e verde água (câncer do colo do útero). Roxo (Alzheimer, lúpus e fibromialgia) e laranja (leucemia) revestem o mês de fevereiro, enquanto março realça o lilás (câncer do colo do útero) e o azul escuro (câncer colorretal). Em abril, as campanhas chamam a atenção para o azul (autismo) e o verde (segurança no trabalho).
Maio é coberto pela cor amarela (acidentes de trânsito) e, novamente, o roxo (doenças inflamatórias intestinais). Já o vermelho (doação de sangue) e laranja (anemia e leucemia) tingem o mês de junho. O amarelo retorna em julho (hepatites virais e câncer ósseo) e o lilás (violência contra a mulher) em agosto, ao lado do tom dourado (amamentação).
Amarelo (prevenção ao suicídio), vermelho (saúde do coração), verde (doação de órgãos e câncer do intestino) e roxo (fibrose cística) voltam em setembro. O emblemático rosa pinta o mês de outubro (câncer de mama) ao lado do cinza (artrite reumatoide). Em novembro, o famoso azul (câncer de próstata e diabetes) reaparece com o laranja (câncer infantojuvenil). Reincidentes em dezembro, o laranja (câncer de pele) e o vermelho (aids) encerram o calendário, que se repete em 2024, com a chance de serem lançadas novas causas.
Só a cor roxa é utilizada para alertar sobre seis doenças diferentes. A repetição salta aos olhos, e pode desbotar os resultados. A estratégia ainda é eficaz
ou atrapalha na absorção das mensagens? “Cria confusão. Além disso, o excesso gera incômodo, fadiga e desinteresse em quem consome. O foco é um princípio básico da comunicação. Quando as causas competem, simultaneamente, entre si, por um espaço em nossa psique, elas perdem força”, responde o sociólogo Gabriel Rossi, pesquisador e professor de comunicação e consumo da ESPM.
Reputação
A percepção positiva aflora como o principal benefício para as companhias que participam com sinceridade dos movimentos. “O público percebe valor sendo compartilhado. A marca constrói um ativo intangível baseado na estima que as pessoas têm por ela e pela organização. Claro que o preceito básico é a coerência e ações que extrapolam somente um ato de divulgação”, esclarece Rossi.
Quem souber planejar com responsabilidade poderá encontrar o pote de ouro no fim do arco-íris. “Somos seres simbólicos por natureza, estimulados por ações com poder de representação. Atrelar uma cor a um mês funciona como um atalho na mente das pessoas para problemas sérios que precisam ser comunicados”, pondera Rossi.
Consistência é fundamental. “Campanhas para meses de conscientização, em tese, devem ser apenas a ponta de um trabalho contínuo que cada marca faz, por meio de ações institucionais. Quando feitas com responsabilidade e autenticidade, acabam ajudando a aumentar a associação da marca à causa apoiada, trazendo ganhos relevantes à reputação corporativa”, concorda Eduardo Cabral, diretor-geral do núcleo da General Motors (GM) na Commonwealth, divisão da WMcCann para atendimento exclusivo à marca.
No Maio Amarelo de 2023, a Chevrolet, marca da GM, fechou uma parceria com a CNN Brasil que permitiu colorir a logomarca da montadora de amarelo e veicular chamadas exibidas na programação. O vermelho característico da tarja de notícias da emissora também foi substituído pela cor do mês. A intervenção informava sobre os números de acidentes de trânsito no país, além de convidar os motoristas a terem mais prudência ao dirigir. Uma ação com potencial ainda maior de mobilizar a população já está em planejamento para este ano a fim de frear tragédias.
Movimento em bloco
De acordo com Paulo Salles, diretor de criação da Ogilvy Brasil, a comunicação que utiliza cores gera reconhecimento e engajamento para alcançar a população. “E isso comprovamos com pesquisas de mercado e listenings. Hoje, temos a possibilidade de ver a ideia de prevenção bem difundida em determinadas datas, o que é positivo para criar uma mensagem coerente e clara”, defende Salles.
Além de iniciativas já consagradas para sensibilizar a opinião pública, como o Outubro Rosa e o Novembro Azul, há “outras aparecendo com bastante propriedade e gerando reconhecimento”, acredita Salles. A receptividade levou a agência a ampliar o alcance de campanhas sobre câncer, afinal, tratamento, prevenção e cuidado não se restringem apenas a um mês, e
sim ao ano inteiro. Em parceria com a farmacêutica Pfizer, a Ogilvy batizou em 2023 a comunicação da plataforma de awareness ‘Bora falar de câncer’ como ‘Calendário pela vida’.
“Durante o ano inteiro, lembramos das cores de cada mês, mas também reforçamos sobre outras doenças, por meio de suas respectivas cores”, conta Salles. O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, foi iluminado de rosa em maio do ano passado, e não em outubro, para mostrar que a prevenção e conscientização ao câncer de mama, e outros tumores, deve ser frequente. A Ogilvy prepara ações para 2024, que devem espalhar mais conhecimento a partir de mensagens genuínas, e com propósito verdadeiro.
Awareness e conscientização foram os resultados obtidos pela iD\TBWA com a campanha ‘Amamentar sem barreiras’, criada para a Philips Avent no Agosto Dourado de 2023. “Observamos um aumento expressivo no engajamento e no debate sobre a importância da amamentação nas redes sociais e na mídia”, confirma Camila Costa, CEO e sócia da agência.
Uma estratégia multicanal foi montada. Influenciadores, especialmente aqueles que falam sobre maternidade e saúde infantil, amplificaram a ação, divulgada também nas plataformas de mídia social, publicidade digital, e em eventos educativos e informativos, realizados em parceria com hospitais e clínicas.
“Acredito na eficácia dessa estratégia pelo movimento em bloco que cria, potencializando awareness.
Testemunho
Quem vive a rotina do problema testemunha a validade das iniciativas. “Apesar de todo o dia ser um dia de cuidar de si mesmo, a campanha do Outubro Rosa aumenta a consciência sobre a importância do câncer de mama, e incentiva na arrecadação de fundos para pesquisas sobre a causa, prevenção, diagnóstico e tratamento da doença”, comprova a médica Annamaria Massahud Rodrigues dos Santos, secretária-adjunta da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), que durante todo o ano divulga informações sobre câncer de mama nos meios de comunicação. Em 2023, foram veiculadas mais de 1,9 mil publicações na mídia.
Atitude
A adesão de marcas e celebridades à cor rosa é notável, e ocorre independentemente da proximidade de empresas e personalidades ao tema. “Se por um lado, isso desperta mais pessoas para o tema, por outro, como ação pontual, de marketing, de engajamento, não demonstra responsabilidade social, de fato, na atuação da empresa com a comunidade”, reclama Annamaria.
Mesmo assim, ela acredita na eficiência das cores e seus meses. Ao evidenciar as chances de cura quando o diagnóstico é realizado precocemente, a campanha estimula a busca por informações, consultas e exames, principalmente nos meses de outubro e novembro. Mas até o rosa tem um vasto espaço a preencher. Nem sempre os dados propagados nas ações de comunicação se transformam em atitudes.
“Apesar dos esforços, dados da Pesquisa Nacional de Saúde, em 2019, revelaram que 25% das mulheres brasileiras, na faixa de 50 a 69 anos, nunca realizaram exame de mamografia”, lamenta a médica.
Mês da ação deve fortalecer agenda já praticada
A ideia de ligar uma cor ao mês para conscientizar sobre causas de saúde ou provocar mudanças de comportamento pode vir das mais diversas áreas da comunicação. Mas o resultado sempre incidirá na imagem da marca e sua reputação, trabalho comandado pelos profissionais de relações públicas.
“Esta iniciativa das cores perdeu muita força. O entrave é que vários ecossistemas de saúde decidiram apostar de forma aleatória no calendário colorido como estratégia de marketing, e especialidades médicas de extrema relevância se perderam nessa profusão de cores, sem comunicar com efetividade mensagens que promovam saúde e bem-estar”, repara Ronald Nicolau, CEO da Target Estratégia em Comunicação, agência especializada em PR de saúde.
Paisagem
Apesar da importância das datas, o mercado ainda encara o desafio de divulgar campanhas que, segundo Fabio Santos, CEO da CDN, podem se tornar inócuas. “Considero a existência dessas efemérides necessárias para chamar a atenção das pessoas para problemas de saúde relevantes, que podem ser prevenidos. O risco é que elas acabem virando paisagem”, analisa.
O mês da campanha deve ser utilizado para fortalecer e celebrar uma agenda já praticada. Constância, ações concretas, geração de conteúdo, pesquisas e divulgação de resultados na imprensa são as recomendações de Santos a fim de que a data se transforme em um momento “de maior volume de comunicação, não o único”, sugere Santos.
A reputação se fortalece na medida em que recursos são destinados não só para comunicar, mas também para melhorar iniciativas públicas capazes de contribuir com diagnósticos e tratamentos. “No varejo, a boa comunicação impulsiona vendas. Na saúde, pode salvar vidas”, conclui Nicolau.
Adriano Zanni, Diretor de Comunicação Interna e Transformação Organizacional da InPress Porter Novelli, seguiu a mesma linha de raciocínio de Fabio, afirmando que essas campanhas são efetivas desde que as empresas saibam planejá-las e definir seus indicadores de resultado.
"Para demonstrar efetividade, a comunicação interna precisa ser capaz de endereçar os objetivos estratégicos para cada campanha temática. Se queremos apenas alertar e sensibilizar, despertar consciência, teremos um esforço específico e futuramente uma mensuração para atestar a efetividade de tudo. Se quero demonstrar que sou uma organização com práticas internas já alinhadas sobre aquilo que estou trazendo como tema e, assim, levar minhas lideranças a inspirarem seus públicos de interesse (stakeholders), eu preciso olhar a campanha sob um outro enfoque e minhas métricas de sucesso e efetividade certamente serão outras, mais aprofundadas", explicou Zanni.
Colaborou Carolina Vilela
Leia a íntegra da reportagem na edição impressa de 29 de janeiro