Causos de escritório

Já falei nesse espaço sobre a falta que acho que os escritórios fazem para o ambiente das empresas, para os encontros de pessoas diferentes, para a criatividade dos negócios, quaisquer que sejam. Na nossa profissão, então, nem se fala.

E esse home office sem fim, que transforma nossos expedientes em dias da marmota, me faz lembrar de como a publicidade já foi mais divertida. Aliás, acho que não só a publicidade, mas os ambientes corporativos, fora algumas exceções que confirmam a regra, costumavam ser mais leves e irreverentes. Tenho amigos em várias profissões e eles sempre tinham um causo divertido, uma situação inusitada que ficava marcada e virava folclore. Isso é cada vez mais raro.

O que tenho agora são amigos exaustos, sempre à beira de um ataque de nervos, mesmo quando as coisas estão ok.

Meio paradoxal. Até houve uma época em que ser estressado pegava bem, era sinal de comprometimento, sei lá. Mas ainda bem que isso está ficando démodé.

Eu cheguei a trabalhar numa agência em São Paulo onde, diante da minha alegria no dia a dia, uma colega de diretoria me chamou num canto e aconselhou: “Rodolfo, você tá muito feliz… Ser feliz aqui não pega bem, briga com alguém!!!!” Não é folclore, não, aconteceu.

Voltando ao fato de que algumas coisas só acontecem num escritório, e os de publicidade eram fartos na produção de causos, vou voltar para o prédio da Lagoa, onde funcionava a Artplan. Eu era um jovem redator, uns 24, 25 anos, recém-contratado. Nem sala eu tinha. Dividia o estúdio de ilustração com o Benício, uma lenda da ilustração brasileira (olha os privilégios que os escritórios colocam diante de nós!). Ou seja, eu, redator, trabalhava numa prancheta daquelas inclinadas. Era o caçula da equipe. O último a falar e o primeiro a apanhar.

Mas, na minha família, todo mundo pensava que eu estava muito bem de vida, trabalhava com o Roberto Medina do Rock in Rio, num superprédio na Lagoa, coisa e tal. Mal sabiam que eu almoçava todo dia um Cheese Diesel no boteco espelunca do posto de gasolina ao lado, economizando pra almoçar sexta-feira na Plataforma, churrascaria frequentada pelos publicitários mais abastados e pelo Tom Jobim.

Eu me dava muito bem com todo mundo da criação e, como caçula, tinha um carinho especial dos caras. Numa sexta-feira, meu tio combinou de me visitar. Estava vendendo um empreendimento e queria me mostrar.

No tradicional almoço na Plataforma, comentei com a galera que ele ia lá. Aí alguém deu a ideia.

O Fábio Fernandes era o diretor de criação e tinha uma sala gigante com uma vista deslumbrante da Lagoa. Sala de gente importante, saca? Com o Fabinho fazendo parte do plano, me colocaram pra receber meu tio naquela sala, como se fosse minha, tudo combinado com a secretária dele, o garçom do prédio, todo mundo. Eu, lógico, entrei no personagem.

Meu tio chegou e já comentou da sala: “Belo escritório, meu sobrinho.” Eu: “Legalzinho, né tio?” Aí vinha garçom perguntar o que ele queria, vinha a secretária trazendo um documento qualquer pra eu assinar. Meu tio: “Meu sobrinho, vou acelerar porque já vi que você é ocupado”. Eu: “Tio, relaxa, hoje a tarde é sua.”

Veio uma dupla de criação sênior, bem mais velhos que eu, tentar me mostrar um trabalho e eu dei a bronca: “Não estão vendo que eu estou ocupado?”.

Depois virei pro meu tio: “Se deixar, esses caras abusam”. Ficamos ali mais um tempo, até que nos despedimos. Pedi para a secretária acompanhá-lo até o elevador. Depois que ele foi embora, me deu uma dor na consciência danada de ter feito aquela traquinagem com meu tio e eu liguei correndo pra dizer que era mentira, que aquela sala não era minha, tudo era brincadeira. Ele, gente fina que só, morreu de rir.

Certas coisas só acontecem num escritório.

Rodolfo Sampaio é sócio e CCO da Moma (rodolfo@momapro.com.br)