Cenário econômico não tira ânimo dos anunciantes na Black Friday
Inflação galopante, preço dos combustíveis nas alturas, salários defasados, desemprego elevado e a falta de perspectiva de melhora do cenário econômico comprometem o bolso dos consumidores, situação agravada com a pestilência da Covid, à qual se credita esse caos nas finanças globais.
Mas, mesmo diante desse clima pouco convidativo, indústria e comércio (físico e online) mantêm o otimismo para a recuperação das vendas. Como indústria motivacional das demais indústrias, o marketing, com sua principal ferramenta estratégica, a publicidade, não vende negativismo. Ocupa seus espaços nos canais de mídia e de ações promocionais para fomentar o consumo nas datas mais convidativas.
O crescimento de 2,3% no Dia das Crianças, em relação a outubro de 2020, é um indicador de que a presença nos checkouts pode ser incrementada na Black Friday nesta sexta-feira (26) e ser prenúncio de um Natal mais gordo para toda a cadeia produtiva do país.
O incremento de negócios na data promocional das Crianças não recuperou as perdas e nem chegou ao patamar de 2019. Segundo a Serasa, também não acompanhou as vendas superiores nas datas de Mães (6%), Namorados (13,7%) e Pais (6,2%). A Black Friday, segundo a Serasa, é a oportunidade para a cena se reconfigurar.
“O planejamento é fundamental para que você tenha uma estratégia de vendas bem definida e também para que o seu negócio e a sua equipe estejam preparados para a campanha. Junto com os produtos que são seu carro-chefe, faça promoções e boas ofertas com aqueles que já estão parados há algum tempo. É preferível reduzir um pouco o lucro, mas ganhar a venda, a manter essas mercadorias paradas. Afinal, estoque sem movimento traz prejuízos”, explica o site da Serasa, lembrando ainda que “o grande chamariz da Black Friday é a variedade de descontos oferecidos pelas lojas”, afirma.
Segundo pesquisa da Score Group e Hibou, com amostragem de 1.450 pessoas, a convicção é que há otimismo e preparo para a data. O estudo mostra que 29% não compraram na Black Friday do ano passado. Mas este ano 34% planejam gastar, 8% não pretendem coçar o bolso e 45% estão indecisos. 81% pretendem gastar com itens para si mesmos, 35% querem destinar o investimento para objetos da casa e 23% com os filhos. Os cinco segmentos em destaque na análise da Score e Hibou são eletrodomésticos (41%); eletrônicos (25%); roupas e acessórios (19%); utilidades domésticas (15%); e calçados (14%).
As grandes cadeias de varejo, como Casas Bahia, Ponto, Americanas, Mercado Livre, Amazon e Magalu, estão com campanhas de publicidade em exibição nos veículos. A 12ª edição da Black Friday no país mereceu análise mercadológica da Kantar Ibope Media com foco no e-commerce: AD to cart: a publicidade na Black Friday. O instituto avaliou que 10% dos investimentos em mídia de 2020 foram concentrados pelos anunciantes no mês de novembro. Incluindo os primeiros 10 meses do ano passado, a soma do segmento em compra de publicidade foi de R$ 358 milhões. O volume na Black Friday foi maior do que no Natal.
“Essa é uma Black Friday diferente porque incorpora no dia a dia dos brasileiros um novo hábito: o uso da tecnologia. Mais da metade das pessoas (56%) afirmam que passaram a adotar melhor a tecnologia. Além de estarem mais familiarizadas com o online elas estão usando mais e mais meios: 48% das pessoas intensificaram o consumo de mídia em, pelo menos, quatro meios neste período de pandemia. Ou seja, consumidores ainda mais conectados que estão, agora, acostumados a comprar online. Acredito que as marcas devem se comunicar em canais que têm alto grau de alcance e podem ser explorados por diversos segmentos. Com o consumidor de mídia cada vez mais multiconectado e as campanhas explorando novos formatos em diferentes meios e plataformas, compreender o cliente onde quer que ele esteja, e quando e onde cada mensagem da marca é vista, realmente se torna ainda mais relevante”, esclarece Adriana Favaro, diretora de desenvolvimento de negócios da Kantar.
“A publicidade deve estar atenta ao novo perfil de compras do consumidor. Com o alto crescimento do e-commerce, vieram a comparação de preços na internet, a comunicação clara e transparente sobre ofertas e promoções, frete grátis e um SAC efetivo. Além, é claro, de existir uma grande interação entre os ambientes digitais e físicos”, reforça Alexandre Carmona, sócio e diretor da Innova AATB.
VÍDEOS
Para o Google, que vem estudando desde o início de 2021 as tendências dos shoppers nesse período marcado pela pandemia, a Black Friday é uma oportunidade para a retomada de negócios. Mas, como explica a executiva Gleidys Salvanha, o otimismo deve vir acompanhado de certa dose de cautela.
“Como não temos bola de cristal, o melhor é se preparar com informações”, resume Gleidys. “Este ano vimos o quanto o vídeo é importante na jornada de compra. Esse índice é de 66% no Brasil. Os anúncios na busca com vídeo inspiram mais”, ela acrescenta. O Google apresentou pesquisa no evento Black Friday Connections, que exibe a preferência dos shoppers: vestuário (62%), celulares (40%), livros e papelaria (38%) e calçados (33%).
O YouTube reforça a tese da eficácia da comunicação com imagens em movimento. A plataforma explica que o Why Video, de outubro de 2021, aponta que 76% dos brasileiros dizem que o conteúdo que assistem no YouTube os ajuda a decidir o que comprar. Em parceria com a Americanas, que veicula campanha da WMcCann com as influencers Jojo Todynho e Juliette Freire, fez live commerce, uma mistura de entretenimento com publicidade. “Nos últimos dois anos, o YouTube vem comandando o Show da Black Friday junto com a Americanas e fazendo do live commerce um sucesso comercial”, enfatiza a executiva Alessandra Gambuzzi, diretora de projetos de conteúdo do Google no YouTube.
“Essa é uma excelente forma de fugir dos anúncios tradicionais e conseguir tangibilizar os resultados da estratégia de marketing digital imediatamente e ter um retorno instantâneo do impacto gerado no público-alvo da campanha. Temos certeza que a edição de 2021 será um sucesso ainda mais estrondoso do que as duas anteriores”, ela acrescenta.
É a terceira vez que YouTube e Americanas se unem na Black Friday: “Unimos os dois maiores eventos do varejo, conhecidos internacionalmente, para uma única comunicação. Nosso objetivo é ser cada vez mais relevante no dia a dia dos clientes e garantir sempre a melhor experiência de compra para os consumidores. Com várias ofertas exclusivas, promoções e muito entretenimento, vamos fazer o Maior Show de Ofertas e também a maior Black Friday da história da Americanas”, afirma Vitor Monte, head de marketing da Americanas.
“Nos últimos dez anos, a data se consolidou como ótima oportunidade para que os consumidores comprem eletrodomésticos, eletrônicos e muito mais. E agora as vendas online ganham ainda mais protagonismo, já que 88% dos brasileiros fazem compras virtualmente. Também é importante perceber que, neste momento em que nos preparamos, enfim, para o cenário pós-Covid, a tendência é que as pessoas busquem itens de desejo e não só de necessidade. Para as agências de publicidade, essas semanas que antecedem à Black Friday são especialmente importantes, já que colocamos na rua algumas de nossas principais campanhas. Temos estratégias importantes desenvolvidas junto aos clientes. Ponto lançou a campanha O Dono da Black Toda e Casas Bahia volta com o hino oficial da data. Nespresso entra com a Gifting Friday durante todo o mês de novembro. E Vivo tem estratégias diferenciadas de mídia no período”, relata Fernando Taralli, CEO da VMLY&R.
Aliás, a VMLY&R teve de se desdobrar para a campanha de Casas Bahia devido ao óbito de Marília Mendonça. Com Ponto, a estrela é o craque Ronaldinho Gaúcho. Mas, Ilca Sierra, chief of experience marketing office da Via, que controla a Bahia e Ponto, vê a Black Friday deste ano como um termômetro para a retomada.
“Vemos os próximos meses com bastante otimismo. A publicidade deve trabalhar para conectar a marca ao consumidor. Isso exige criatividade para engajar o cliente, é preciso falar a linguagem dele, estar onde ele está. É preciso oferecer diferenciais para o consumidor, incluindo bons preços, disponibilidade de produtos, condições de pagamento atraentes, entrega rápida e boa experiência de compra, seja no e-commerce ou na loja física”, pondera Ilca.
ENGANOSA
A jurista Marcela Cavallo, especialista em direito do consumidor da Zilveti Advogados, chama a atenção para a propaganda enganosa.
“As marcas precisam ter em mente que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, as ofertas vinculam o fornecedor de produtos e serviços. Isso quer dizer que aquilo que é ofertado em uma peça publicitária, se não honrado, configura prática abusiva. Em datas como a Black Friday, esse ponto se torna ainda mais sensível, isso porque muitos fornecedores aproveitam da ocasião para oferecer condições mais vantajosas ao seu público. Essas ofertas devem ser obrigatoriamente seguidas pelo mesmo. Outro ponto importante diz respeito aos ‘pormenores’ das ofertas. É bem comum uma condição vantajosa estar condicionada a uma outra condição. Por exemplo: abono do frete desde que a compra atinja determinado valor, ou desconto condicionado a um valor mínimo de compra. Essas condições precisam estar claras, sob pena de induzir o consumidor a erro. Tal prática – a de condicionar -, por si só, não configura prática abusiva, desde que ofertada de forma clara e transparente. Caso não ocorra desta forma, podemos estar diante de uma propaganda enganosa.Isso ocorre, também, quando as condições oferecidas são por tempo limitado, prática comum em contratações de serviços contínuos. Os fornecedores possuem o que chamamos de dever de informação, devendo estas condições estarem claras no momento da veiculação da publicidade”.
“A participação de órgãos reguladores e entidades de comparação de preços no período que precede os dias promocionais também fortalece a confiança do consumidor. Hoje podemos afirmar que tem um modelo nacional próprio, diferente do conceito de origem do mercado norte-americano, e se tornou uma data promocional de extrema relevância”, diz Elson Menezes, diretor da unidade de retail da Cheil Brasil.
“Há alguns anos, com as ‘black fraudes’, tínhamos muito mais problemas, mas acho que hoje isso já está muito melhor e os varejistas e anunciantes realmente trazem e preparam ofertas que realmente valem a pena. Mas, como sempre, é importante pesquisar”, completa Claudio Lima, sócio e CEO da Druid.
“Nos primeiros anos, a Black Friday foi quase uma lenda urbana no Brasil, sendo nomeada pelos consumidores com expressões como ‘black fraude’ e ‘Tudo pela Metade do Dobro’. Com isso, as marcas sentiram a necessidade de serem transparentes com o público e de se programarem para ofertas realmente agressivas. Hoje, esse tipo de preocupação dos usuários é menor, mas é preciso saber que os consumidores estão atentos e pesquisando cada vez mais. Desta forma, as marcas que não trabalharem com descontos que realmente impactem no bolso do consumidor para o gatilho da compra, tendem a ficar para trás”, contemporiza Thais Sampaio, gerente de mídia da Jüssi.
ONLINE
No ano passado, nas palavras de Daniel Freixo, VP para a América Latina da Seedtag: “A Black Friday e a Cyber Sunday movimentaram R$ 7,72 bilhões, com base nos dados da pesquisa Neotrust/Compre&Confie, empresa de inteligência de mercado focada em e-commerce, em parceria com a Elo. “Os números representam um crescimento do e-commerce de 27,66% em relação à mesma data de 2019. Para 2021, o cenário não deve ser diferente”, afirma.
A expectativa de Tiago Cardoso, diretor-geral para América Latina da Criteo, a Black Friday deste ano, devido ao avanço da vacinação, traz um consumidor mais confiante no comércio físico. Sua empresa fez pesquisa global com nove mil entrevistados que aponta que 39% encontraram produtos nos canais online e 33% diretamente nas lojas tradicionais. O segredo? Cardoso responde: “Focar em campanhas de marketing digital integradas que envolvam todos os canais online e offline. Hoje, vemos vários canais que estão ajudando profissionais de marketing a alcançar e converter clientes, como retail media, vídeos e retargeting”.
No entendimento de Luiz Lima, sales manager da CleverTap, os impactos da crise sanitária ainda estão no foco. A empresa, expert em mobile app analytics, uniu especialistas em parceria com a RankMyAPP e a Adjust, para identificar temores. Mas, como a Black Friday é aguardada pelos consumidores, as marcas começaram a se articular com antecedência. Por esta razão, Lima está otimista, mas faz uma ressalva. “Muitas marcas são prejudicadas porque investem mais em promoções e ofertas do que na efetividade da jornada do cliente pelo site, apps mobile etc., isto é, sistemas que não suportam a quantidade de usuários ativos, falhas técnicas que dificultam a conclusão das compras etc. Por isso, uma ação que não deve ficar de lado é o investimento de boas tecnologias para o bom funcionamento do customer experience.”
CONCORRÊNCIA
Para a Ampro (Associação de Marketing Promocional), como explica o presidente Alex Pagliarini, a Black Friday prioriza as vendas individuais, por isso não concorre e nem antecede o Natal, uma data com visão mais familiar e emocional.
“O live marketing, principalmente os setores de promoções e trade marketing, devem estar preparados para atender à demanda de serviços de ativação, criando temas alternativos e merchandising de impacto para potencializar vendas. Como forma de se diferenciar da concorrência, é importante fazer abordagens criativas diferenciadas para fugir da mesmice. Muitos já vêm usando derivações para ampliar o efeito da data. Black Week, Black Month, por exemplo. As reduções devem ser verdadeiras”, sugere Pagliarini.
“Considerando que descontos e promoções são a tônica da Black Friday, criatividade e diferenciação podem ser a chave para que as marcas se destaquem neste período de altíssima competitividade. Inovar nos formatos, na linguagem ou na utilização de celebridades e influenciadores pode ser bom caminho para uma experiência diferenciada, que pode trazer maior encantamento e destaque para uma marca neste período. Mas é importante destacar que não se constrói uma Black Friday de sucesso, o consumidor precisa conhecer a sua marca, estar familiarizado com ela, e dessa forma fazer parte do repertório de consideração no dia D. E tentar alcançar isso no último momento apenas com uma oferta agressiva, onde muitos players estarão com discursos similares, é bastante arriscado. E, além de tudo, é preciso mensurar o sucesso de cada ação, atribuir resultados considerando a contribuição de cada canal dentro do esperado para o período”, propõe Thiago Fernandes, diretor-executivo de canais e audiência da iD\TBWA.
A Black Friday é próxima do recebimento da primeira parcela do 13º salário. Stenio Souza, CEO da Smollan iTrade e presidente do comitê de trade marketing da Ampro, também ressalta a abertura das lojas de shoppings e de rua e a consolidação do comércio online. “O volume de vendas sempre é assustador, mas as integrações entre online e físico devem ser muito maiores. No físico, estamos percebendo uma grande demanda de merchandising pela indústria de eletroeletrônicos e aparelhos domésticos em lojas que não recebem atendimento normalmente. Ou seja, além das lojas que já fazem parte dos roteiros de merchandising normal, estão expandindo em até 100% sua cobertura para garantir que os consumidores encontrem suas lojas tematizadas e com o nível de informações e treinamento adequado para conquistar o shopper. E no online, os projetos de promotores virtuais, que atendem remotamente os consumidores dentro do PDV estão expandindo e ganhando força – principalmente no momento de busca de eficiência e aumento de cobertura”, elenca Souza.
A jornada do consumidor mudou com a implantação da metodologia Costumer Experience. “Esse modelo tornou-se referência dentro do cliente e não existe mais espaço para retornar ao físico em loja. Ou seja, a comunicação e a mídia devem entender que as jornadas dos consumidores são muito diferentes, e a necessidade de mostrar que as campanhas se comunicam em todos os pontos de contato nunca foi tão importante. O merchandising em loja deve conversar com as mídias sociais, e as plataformas de e-commerce devem ter os mesmos apelos, pois a empresa é vista como um todo e não há espaço para ruídos específicos por canal de atendimento”, prossegue Souza, da Smollan e Ampro.
A plataforma de e-commerce Mercado Livre tem a Hora Black, sempre às 13h. A pesquisa Mercado Ads, sua unidade dedicada à publicidade, aponta que “a intenção de compra na plataforma online na Black Friday cresceu 18 pontos percentuais em relação a 2020”. No ano passado, a empresa teve crescimento de 120%, com 50 milhões de visitas e quase 50 mil buscas por minuto em um único dia.
“A estratégia da companhia vem ao encontro dos dados do levantamento do Mercado Ads, que mostrou que em 2020, cerca de 40% dos consumidores relataram que já começaram as buscas dois meses antes do início do período de ofertas. Além disso, o estudo revelou que, para quase metade dos entrevistados (42%), uma boa relação de preço e qualidade é fundamental para finalizar a compra. Já 56% declararam que acabaram mudando de produto ou marca ao longo da busca na Black Friday, em 2020, comportamento que deve se repetir neste ano”, diz Fernando Yunes, vice-presidente sênior da empresa no Brasil. “Envio rápido e maior sortimento fizeram com que o Mercado Livre registrasse aumento acima do esperado. Para este ano, embora o consumidor já tenha acesso a lojas físicas, a expectativa é de ainda mais visitas e transações, levando em consideração que seguimos melhorando nossos mix de produtos, as entregas estão cada vez mais rápidas e o consumidor tomou gosto pela comodidade de comprar pelo computador ou celular e receber na porta de sua casa”, prossegue Yunes.
Não importa o segmento: financeiro, tecnologia, varejo, farmacológico, mídia ou e-commerce. A Black Friday se incorporou ao discurso das marcas, produtos e serviços. O Bradesco, por exemplo, está com a ação Bank Friday, no ar há mais de um mês, para dar suporte a clientes pessoa física e jurídica, cuja campanha tem a assinatura da Publicis Brasil. “Criamos uma campanha com um nome-proprietário alusivo à data, que nos diferencia dentro do segmento financeiro, garantindo maior lembrança e visibilidade da marca”, frisa Márcio Parizotto, diretor de marketing do Bradesco.
A programática está no foco da efetividade de mídia. “Ganha cada vez mais espaço porque ela consegue segmentar targets específicos. Com isso, é possível segmentar pessoas em determinado local que estão pensando em comprar algum produto”, finaliza Bruno Campos de Oliveira, CMO da Adsplay.