Alguns – poucos – publicitários foram capazes de dividir a propaganda em dois momentos distintos, promovendo mudanças tão profundas na profissão que suas contribuições deixaram marcas eternas. É o caso do inglês David Ogilvy – que se considerava escocês, embora tenha nascido mesmo na Inglaterra. Na história da propaganda, existe um antes e um depois de David Ogilvy. Nascido em West Horsley, David Mackenzie Ogilvy não chegou a concluir a faculdade e teve como primeiro emprego a cozinha do Hotel Majestic, em Paris. Pouco tempo depois, voltou para a Inglaterra para vender fogões da Aga Cookers. Seu desempenho foi impressionante e acabou redigindo para a Aga, em 1935, um guia de vendas que, segundo a Fortune Magazine, é possivelmente o melhor manual de vendas já escrito.

Em 1938, Ogilvy emigrou para os Estados Unidos e seu primeiro trabalho foi no instituto de pesquisa de audiência de George Gallup, em Nova Jersey. Este teria sido um dos grandes influenciadores de seu modo de pensar, focado em meticulosos métodos de pesquisa e com um pé fortemente fincado na realidade do consumidor. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou no Serviço de Inteligência da embaixada britânica em Washington e escreveu muito durante o período, analisando e fazendo recomendações acerca de assuntos de diplomacia e segurança. Contrariando todas as regras da época, Ogilvy elaborou um tratado que sugeria aplicar as técnicas de Gallup nas áreas de inteligência secreta. Suas sugestões foram acatadas pelo board de Psychological Warfare de Eisenhower e aplicadas na Europa durante o último ano do conflito. Após a guerra, Ogilvy comprou uma fazenda em Lancaster County, na Pensilvânia, e foi viver com sua esposa entre os amish. Alguns anos depois, decepcionado com sua performance como fazendeiro, mudou-se para Nova York. Lá, em 1948, Ogilvy fundou finalmente a Hewitt, Ogilvy, Benson & Mather, embrião da Ogilvy & Mather Worldwide, com o apoio financeiro da londrina Mather & Crowther.

A agência abriu as portas sem que Ogilvy tivesse escrito um único anúncio publicitário em sua vida. O que Ogilvy teve, desde o início, foi uma visão muito diferente daquele negócio de fazer propaganda. As experiências que viveu em vendas e o profundo contato com o universo das pesquisas o fizeram enxergar, desde muito cedo, a conexão direta entre a propaganda e a caixa registradora dos clientes – e a importância da pesquisa e do conhecimento do consumidor para embasar todas as estratégias. David criou o termo “posicionamento” e começou a falar da importância de construir marcas como nunca antes se havia falado. E não é disso que estamos falando nos dias de hoje, em pleno 2011?

Introdutor da pesquisa na criação publicitária, seu creative research workshop foi o grande passaporte para a publicidade eficaz, ao forçar seus redatores a dialogar cientificamente com os consumidores antes de lançar uma campanha. Para Ogilvy, publicidade sempre foi um ato de venda. “We sell, or else!”, ele dizia, e arrematava: “Nenhum fabricante jamais se queixou que a sua publicidade estava vendendo demais”.

Três anos depois de abrir a Ogilvy, ele tornou-se o mais famoso redator do mundo e sua agência a décima maior mundialmente. Nos primeiros 20 anos, teve entre seus clientes Lever Brothers, General Foods, American Express, Shell e Sears. Naqueles tempos, o próprio Ogilvy descreveu em sua biografia: conquistar clientes era como tentar atirar em peixes dentro de um barril.

Em 1965, a Ogilvy uniu-se à Mather & Crowther, transformando-se em multinacional. Foi para a bolsa um ano depois – tornando-se uma das primeiras agências de publicidade a fazer esse movimento. Logo, expandiu-se pelo mundo e posicionava-se entre as primeiras do ranking em todas as regiões em que estava presente. “Ogilvy criou, em 1955, o mais redondo conceito de marca que se pode imaginar. E que foi colocado na agenda dos anunciantes”, destaca Luiz Augusto Cama, atual vp corporativo da Ogilvy Brasil, que veio a traduzir todos os grandes livros de David Ogilvy para o português.

Em 1973, ele se aposentou como chairman da Ogilvy e mudou-se para o Castelo Touffou, que mantinha na França, onde viveu até o fim de seus dias. Em 1980, voltou à ativa como chairman da operação na Índia e também foi, durante um ano, presidente da agência em Frankfurt, na Alemanha. Participava dos grandes momentos do grupo e visitava algumas filiais – especialmente as que estavam em seu continente, pois tinha pavor de andar de avião. Esse é um dos motivos de nunca ter vindo ao Brasil.

Flávio Correa – o Faveco –, que presidiu a Ogilvy na América Latina e conviveu com David durante 25 anos, diz que um dos seus grandes fracassos na O&M foi nunca ter conseguido persuadir David Ogilvy a visitar o Brasil. E conta como tentou, certa vez, trazê-lo em um navio-tanque da Shell. “Um dia armei um golpe, em parceria com a Shell. Como não havia mais linhas de navios cruzando o Atlântico Sul, e esta era a maneira que Ogilvy gostava de viajar, consegui que um grande navio-tanque da Shell se dispusesse a trazê-lo para o Rio. Feliz da vida, fui ao David com o passaporte para a realização do meu sonho. Ele me ouviu em silêncio. Depois da minha fabulosa apresentação, respondeu: ‘My dear Flávio. És mais louco do que eu imaginava’… E não veio ao Brasil”, diverte-se.

Quando, em 1989, a WPP comprou o Grupo Ogilvy, duas coisas aconteceram: o WPP tornou-se o maior grupo de comunicação do mundo e David  foi nomeado presidente não executivo, posição que manteve durante três anos. José Fontoura da Costa, que dirigiu muitos anos a criação da Standard e é mencionado por Ogilvy no livro “On Advertising”, relembra o momento em que Ogilvy soube que sua agência havia sido comprada pelo grupo WPP – através de uma oferta pública e hostil na bolsa. “Lembro da angústia e da tristeza quando soube que Martin Sorrell tinha ‘comprado’ a Ogilvy. Ele virou-se para mim e disse, com lágrima nos olhos: ‘Um cara que nunca fez um anúncio comprou a minha agência’”, relembra. David Ogilvy faleceu em 21 de julho de 1999, aos 88 anos, na sua propriedade de Touffou, na França. Ele sofria de Mal de Alzheimer.

Nesta segunda-feira (13), será promovido um jantar em Nova York, na sede da Ogilvy, em homenagem ao centenário de nascimento de David Ogilvy. “David Ogilvy foi o cara que mais impacto teve em minha carreira. ‘Confissões de um publicitário’ é a bíblia da propaganda até hoje. Seus princípios jamais ficaram datados. Ele tinha uma visão enorme, histórica. Ele transformou o ato de vender em arte”, diz Nizan Guanaes.

por Claudia Penteado