Centros urbanos se adaptam à chegada de novos modais

Os patinetes elétricos e bicicletas compartilhadas chegaram ao Brasil e conquistaram a população de maneira meteórica. Presentes nos grandes centros urbanos desde 2018, os novos modais utilizados para curtas distâncias também chamaram a atenção do Estado.

Em fevereiro, a Prefeitura de São Paulo lançou um chamamento público no intuito de, em parceria com as empresas, estabelecer normas para a utilização dos veículos. “O objetivo é que esse novo serviço de patinetes compartilhados seja implantado de forma respeitosa aos outros usos, com atenção especial aos usuários mais vulneráveis das vias”, afirma a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes.

Trunfo, Tembici, Serttel, Yellow, Grin, Bird, FlipOn, Lime, Scoo, Uber e Mobileasy participam da primeira fase de elaboração do documento que pretende, entre outras coisas, estipular regras sobre estacionamento e circulação dos patinetes elétricos, determinar os compromissos dos operadores quanto à localização das estações de compartilhamento e criar regras sobre a qualidade dos veículos e suas condições de locação. Ainda este mês, a Prefeitura deve apresentar os primeiros resultados dessa força-tarefa.

Uma das principais questões levantadas pelo órgão público diz respeito à segurança dos usuários. Ainda que não haja números oficiais sobre acidentes com patinetes ou bicicletas compartilhadas no Brasil, são diversos os relatos em redes sociais de pessoas que se machucaram ao utilizar os aparelhos.

Uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que trata de veículos ciclo-elétricos e ciclomotores, determina velocidade máxima de 20 km/h em ciclovias e ciclofaixas e até 6 km/h em locais com pedestres. No início do ano, a Prefeitura de São Paulo estudou restringir a circulação dos veículos nas calçadas e algumas empresas, inclusive, passaram a oferecer seguro para danos físicos.

No início de maio, o Procon paulista notificou quatro empresas que alugam patinetes elétricos e bicicletas. A fundação pretende avaliar se o serviço prestado garante segurança aos consumidores.

A entidade afirmou que as companhias “deverão esclarecer desde quando o serviço de locomoção é prestado; se existe alguma restrição para uso (como idade, peso, altura ou outras condições físicas); qual a velocidade máxima atingida pelos equipamentos; quais informações são fornecidas sobre os riscos do serviço; e se são oferecidos equipamentos de segurança e orientação sobre a necessidade do uso desses itens.”

O Procon quer ainda que as empresas orientem os consumidores sobre as regras de trânsito e divulguem dados de quantos acidentes ocorreram desde a implantação
dos serviços e quais foram as respectivas providências adotadas.

Desde abril, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) da capital paulista conta com uma frota de 12 patinetes elétricos para patrulha na Zona Oeste da cidade. A Prefeitura aguarda, ainda, a chegada de mais 30 aparelhos. Os equipamentos foram doados por empresas e são identificados com as cores da GCM. A parceria é válida por 36 meses.

Outras capitais também já contam com os serviços e estão se adaptando à chegada dos modais. No Recife, a operação dockless, sem estação fixa, causou polêmica. Em fevereiro, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano chegou a afirmar para veículos de imprensa locais, que os equipamentos não poderiam ser retirados e devolvidos em qualquer lugar, descaracterizando assim o modelo de negócio das companhias.

No Rio de Janeiro, desde que um ciclista foi multado pela Lei Seca e teve sua bike elétrica apreendida por se recusar a fazer o teste do bafômetro, não apresentar carteira de habilitação compatível com o veículo e capacete, a prefeitura reforçou as regras para o veículo.

Florianópolis e Curitiba são algumas das cidades que já mostraram interesse em trabalhar em parceria com as empresas. A capital paranaense, que já viveu seus anos de glória pelas soluções urbanísticas, recebeu em março o Smart City Expo, evento que teve como foco discutir temas ligados às cidades inteligentes. 

 

Vieram para ficar

Apesar das polêmicas, o serviço já está estabelecido e tende a crescer. A brasileira Yellow anunciou, no início do ano, a fusão com a mexicana Grin, dando origem à holding Grow Mobility Inc. Juntas, as companhias contam com mais de 135 mil patinetes e bikes em sete países. “Esperamos um forte crescimento de usuários, já que há uma enorme demanda não atendida em toda a América Latina. A região compartilha muitas das mesmas características-chave de mercado que a China, o Sudeste Asiático, a Índia e outras regiões onde o transporte sob demanda e outros serviços ‘online-offline’ decolaram”, diz Paula Nader, head de marketing e cofounder da Grow.

“Começaremos com mercados mais parecidos com aqueles em que já trabalhamos, nos quais vemos mais oportunidades. Em geral, serão cidades com condições de mercado semelhantes, incluindo densidade urbana, congestionamento na dinâmica de tráfego, alta penetração de smartphones e órgãos reguladores locais que desejam fazer parcerias com empresas privadas para alavancar tecnologia e soluções de cidades inteligentes para melhorar a vida de seus cidadãos”, aponta.

Nos planos de expansão da empresa, também estão previstos investimentos em uma plataforma própria de pagamentos digitais, além de incorporar e expandir sua parceria com a Rappi, plataforma de entrega de alimentos e produtos. “Ao acompanhar companhias que estão desenvolvendo plataformas desse tipo em outras regiões – como a Grab, no sudeste da Ásia – é possível perceber que existe um potencial de aplicação muito grande”, garante Paula.

Neste momento, nós estamos totalmente focados em nossa expansão orgânica. Estamos confiantes de que o nosso time possui um profundo conhecimento do mercado na América Latina. Acreditamos que essa é a nossa maior vantagem, já que o objetivo é mirar em uma expansão na região e além”, diz.

No início do ano, as redes de farmácias Droga Raia e Drogasil se uniram à Yellow e passaram a disponibilizar espaço para estacionamento de até cinco patinetes ou 10 bikes em 150 lojas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Brasília, Recife e Vitória.

Grandes negócios

Com três anos e meio de operação, a E-Moving, startup
de mobilidade que aluga e vende bikes elétricas, recebeu um aporte de mais de R$ 3 milhões em 2018 para ampliar a sua frota, melhorar a assistência aos clientes, oferecer planos corporativos e expandir o negócio para outras regiões do país.

O subsidio vem de empresas como a Movida, de aluguel de carros, e a holding Componente, que já possui investimentos em outras companhias, como a rede Body Tech e a Soul Cycle, de bicicletas tradicionais.

“Temos um bom relacionamento com órgão público e o terceiro setor, mas ainda não há nada desenhado para execução [de parcerias]. Temos foco em empresas privadas, já que nossas e-bikes ocupam espaço corporativo. Conseguimos chamar a atenção do setor para a questão da mobilidade, oferecendo essa opção para seus funcionários”, defende Gabriel Arcon, CEO da E-moving.

“Ainda há muitas mudanças culturais, é necessário educar o mercado para que todos possam entender que utilizar a e-bike pode ser a melhor opção para se locomover até o trabalho e que o aluguel é mais vantajoso que a compra. Uma grande estratégia são os eventos, dessa forma conseguimos oferecer a possibilidade de test ride, pois quando a pessoa anda em uma bike elétrica, ela se apaixona e isso tem sido uma ótima forma de comunicar nossos serviços e nos relacionar com nosso público”, reflete.

Já a startup Tembici, que recebe patrocínio do Itaú, anunciou recentemente um investimento de US$120 milhões para a expansão das suas atividades de bike-sharing na América do Sul. Atualmente, eles realizam um milhão de viagens ao mês no Brasil e contam com 670 pontos de bikes no país, sendo 260 no Rio de Janeiro, 239 em São Paulo, 50 em Salvador, 80 na Grande Recife e 41 em Porto Alegre. Até o fim do primeiro semestre, as empresas pretendem inaugurar mais 350 estações em Santiago e outras 400 em Buenos Aires.

“Estamos investindo para que tenhamos no Chile e na Argentina o mesmo padrão de tecnologia e operação que nos fez ser reconhecidos como o melhor sistema de bicicletas compartilhadas do Brasil”, afirma Tomás Martins, CEO da Tembici.

Eles não estão participando do chamamento realizado pela Prefeitura de São Paulo, no entanto, assim como a E-moving, não descartam pensar em soluções em mobilidade junto aos governos. “Nós acreditamos na intermodalidade e estamos sempre abertos para parcerias neste sentido e, neste momento, estamos estudando alternativas junto ao poder público”, comenta Luciana Nicola, superintendente de relações institucionais, sustentabilidade e negócios inclusivos do Itaú. 

“De nossa parte, seguimos firmes nessa missão de fomentarmos o amadurecimento da cultura da integração das bicicletas ao modelo de transporte urbano, em conjunto com o poder público e a sociedade, e incentivando políticas públicas para esse objetivo”, complementa.

Arcon, CEO da E-moving, segue a mesma linha de Luciana. “Acreditamos que a micromobilidade vai continuar ganhando espaço, por isso bicicletas elétricas, patinetes, monociclos e outros modais ainda estão no início de um universo para ser explorado”, aponta.

“Vivemos em um país gigante que é desafiado todos os dias para uma mobilidade melhor e se locomover pela cidade é fundamental para a economia e o crescimento do país. Sabemos, também, que um dos bens mais preciosos do ser humano é o tempo, que tem valor inestimável. Por isso, nossa missão é oferecer um modal mais eficiente, econômico e sustentável para que todos possam sair ganhando. Um carro a menos na rua é menos trânsito, poluição e perda de tempo”, defende.

“Atualmente, oferecemos bikes elétricas, no futuro podemos apostar em outros modais desde que cumpram com nossa missão, por isso estamos atentos às novidades e ligados nas movimentações do mercado. Queremos oferecer uma mobilidade mais inteligente para todos hoje e amanhã”, avalia Arcon.

De olho no crescimento do mercado de mobilidade, as empresas visam novidades para seu mix de produtos e serviços. “Neste momento, estamos fazendo os testes com os usuários de bikes elétricas para entender as necessidades dos nossos usuários e cicloativistas”, comenta Luciana. 

“Acredito que a chamada micromobilidade, representada pelos trajetos curtos realizados pelas pessoas no dia a dia, é a tendência detectada nos últimos anos e deve manter-se ainda para os próximos. É algo que quebra o paradigma das soluções de transporte, que tradicionalmente sempre foram pensadas no trajeto casa-trabalho e trabalho-casa”, diz.

Segundo a executiva, este cenário tem levado ao surgimento de diversas soluções tecnológicas para a mobilidade urbana. “A criação dos aplicativos de transporte, por exemplo, é algo já inserido nessa realidade, sendo algo que dá mais autonomia para que as pessoas possam escolher entre diferentes possibilidades para seus deslocamentos. Mas novas realidades demandam adequações na estrutura das cidades, para que possam acolher e integrar da melhor maneira essas alternativas”, conta.

“Atualmente, o Brasil tem cerca de três mil quilômetros de rotas apropriadas às bicicletas nas capitais brasileiras. Amplificar essa estrutura é essencial, com o comprometimento de municípios, estados e da esfera federal para garantir, de forma equilibrada, justa e sustentável, as condições adequadas para que as pessoas tenham reais condições para um transporte seguro, seja qual for”, complementa Luciana.

Nesse sentido de ampliação de serviços, a Uber deve trazer ao Brasil ainda este ano a Jump, uma divisão da empresa voltada somente ao segmento de patinetes e bikes elétricas. A empresa, no entanto, não detalha qual será a estratégia de comunicação para a implantação no país.

Sem revelar detalhes, a Uber diz ainda que há uma “grande possibilidade” de o serviço iniciar por São Paulo e, na sequência, expandir para outras praças. A Jump deve estar disponível na região da Zona Oeste da cidade e o cliente poderá alugar os aparelhos pelo mesmo aplicativo em que solicita carros.     

Na próxima reportagem da Série Mobilidade, a revista Propaganda joga luz sobre o mix de produtos e serviços do mercado de aplicativos de compartilhamento. Você vai saber o que as empresas estão preparando para o futuro e o que já está em operação.