China Express 3: os sino-netizens e sua interconexão

 

A China é um país com dezenas de etnias, entre as quais estão os tibetanos, os hans, os mongóis, os muçulmanos. Mas o grupo que mais tem chamado a minha atenção por aqui são os sino-netizens. Esses são cidadãos de qualquer uma das 56 etnias e têm em comum um traço muito poderoso: eles estão interconectados numa moderna rede de comunicação.

A China foi o primeiro país da história da humanidade a sair da pobreza e se tornar potência mundial no curtíssimo espaço de 30 anos, em parte pela acelerada globalizacão. E é esse admirável mundo novo que deu voz e ouvidos aos sino-netizens.

Graças à internet e às redes sociais, hoje eles são milhões espalhados pelas 22 províncias e cinco regiões autônomas, presentes em todas as faixas etárias da população e distribuídos pelas diferentes classes sociais.

Os sino-netizens são cidadãos que podem se informar, podem participar, podem se conectar, podem driblar a censura, podem aceitar ou discordar das políticas oficiais. Ou seja, é tudo o que um regime fechado como o chinês não gostaria de ter em casa. E o arsenal dos sino-netizens não é pouco.

O Baidu é o terceiro maior site de busca do mundo, o Tencent QQ é quase do tamanho do Twitter e o Weibo é a maior plataforma de microblog da China. O Renren.com, o Facebook chinês usado principalmente pelos universitários, é um dos mais ativos nas causas sociais. E, em vez do YouTube, eles têm o Youku.com.

Esse é o universo por onde circulam os sino-netizens para conhecer as novidades, descobrir pessoas, trocar opiniões, se posicionar sobre assuntos. E assunto é o que não falta aqui para discutir.

Há poucos meses, houve uma colisão de dois trens-balas matando 40 pessoas. Os microblogs permitiram que o público se manifestasse sobre a tragédia, criticando o governo, a pressa com que foi feita a obra, a tecnologia empregada, expressando seus sentimentos e opiniões, ao mesmo tempo em que ajudaram a mobilizar médicos, advogados e engenheiros numa situação de emergência.

Na semana passada, quando houve o debate entre os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos, um número enorme de sites chineses, inclusive o Youku.com, fizeram a transmissão ao vivo. Só no Renren o evento teve mais de meio milhão de viewers.

No Weibo, as eleições foram o sétimo assunto mais comentado, ops, weibotado. Ou seja, o mesmo progresso que ajudou a transformar um país pobre na segunda economia do mundo também está democratizando a notícia, abrindo canais de reivindicações, possibilitando uma maior troca de informações, de luta por reformas, de resistência ao estatismo.

Além do acidente com o trem-bala e as eleições americanas, estão na pauta do dia a corrupção oficial, as desigualdades econômicas que aumentam a cada ano, o conflito étnico da minoria Uighurs na província de Xinjiang e muito, muito mais.

Da mesma forma que em 1989 houve o protesto em Tiananmen, hoje outros protestos acontecem na China, não mais na Praça da Paz Celestial, mas no Baidu, no Weibo, no Renren, no Youku e em milhões de outras praças virtuais. Este talvez seja o maior desafio que novo governo chinês, que tomará posse na semana que vem, terá que enfrentar.

O escritor Robert Lawrence Kuhn, profundo conhecedor da China, disse certa vez: “Se eu tivesse que escolher entre um sistema multipartidário mas com pouca transparência e outro de um partido só mas com total transparência, eu escolheria o segundo”. Fica aí um bom conselho para os novos dirigentes. O dragão acordou e com ele parecem ter despertado milhões de sino-netizens.

*Sócio e vice-presidente de criação da Leo Burnett Tailor Made, colaborador para esta edição do propmark