China Express 2: "uma sociedade tão exigente que gera um estresse sem precedentes"

A China é mesmo surpreendente. Outro dia na Canton Fair vi um carro diferente, que chamou minha atenção. Ele tinha no motor um logotipo azul, redondo, com três letrinhas, sendo a última um W. Você acha que adivinhou que carro era, não é? Pois errou. Era apenas um CDW.

Num estande de motos ao lado, o modelo principal estava sob o enorme logotipo de uma águia americana com fundo laranja e branco. Teria tudo para ser o logo da Harley Davidson se no lugar deste nome não estivesse escrito Regal Raptor. Um dos pavilhões de motos elétricas levava a marca Sanya, outro, Soni. Esta é uma das principais perguntas que se faz sobre a China: esse é um país de copiadores ou um país de criadores?

Bem, por aqui, já vi quase tudo: celular com lâmina retrátil para defesa pessoal, celular com barbeador elétrico e até grampeador de papel sem grampo. Isso mesmo, ele tem um engenhoso mecanismo que num único movimento corta e dobra o papel, prendendo as folhas para você nunca mais ir à papelaria comprar grampo nem quebrar as unhas tentando arrancar os que quer tirar.

A China tem feito avanços imensos em energia solar e eólica, na indústria farmacêutica, de baterias e telecomunicações, por exemplo. Estive com um grupo de empresários na Huawei, empresa de telecomunicações que atende 1/3 da população do mundo. Lá, fomos recebidos por Dennis Hou, deputy general manager, que fez conosco uma visita guiada. Circulando pela unidade de Guangzhou você imaginaria que poderia estar em qualquer centro de ponta na Europa ou dos EUA.

Os chineses têm feito um esforço gigantesco na busca da inovação, mas essa não é uma tarefa fácil. Criar o novo é um desafio que não combina com burocracia nem com censura, seja para fazer um produto original, para desenhar um logotipo que não tenha como única função lembrar a marca do concorrente ou para reinventar um país.

Criar é correr riscos, flertar com o fracasso. E isso é difícil de ser aceito na cultura chinesa na qual obediência e cumprimento das regras é ensinado desde cedo na escola. Aqui, a pressão dos pais sobre a educação de mais de 100 milhões de crianças abaixo de seis anos é enorme. Afinal, as famílias na quase totalidade, têm apenas um filho e colocam nele todas suas esperanças. Mao Jing, professora da Nanxi Kindergarten, de Xangai, uma escola modelo, diz que seus alunos de três a quatro anos sabem contar de um a 100 em chinês e em  inglês.

O resultado de uma sociedade tão exigente gera um estresse sem precedentes. Semana passada foi divulgada uma pesquisa que mostra o trabalhador chinês como o mais estressado do mundo: 75% deles sofrem mais pressão hoje do que no ano passado. A média mundial é de 48%.

Quando voltávamos da Canton Fair, o motorista do nosso ônibus conseguiu em apenas meia hora cometer quase todas as infrações previstas no código internacional de trânsito. Com uma mão no volante e a outra na buzina, ele ameaçou de atropelamento uma dúzia de ciclistas e lambretistas, mostrando que a China não é um país que se constrói apenas nos palácios do governo e nas empresas de tecnologia, mas também nas ruas, nos metrôs apinhados, nas redes sociais censuradas e nas Lamborghines que circulam por Shanghai.

Nosso guia chinês, que assistiu à performance do colega com uma vergonha silenciosa, no final do percurso me disse em voz baixa e solene: “Fazer carro não é difícil aprender, demora poucos anos… Fazer bons motoristas pode demorar gerações”. Nem Confúcio resumiria melhor.

PS. A Apple inaugurou sua terceira loja aqui em Pequim e a oitava na China. Passei na frente. Estava mais cheia que o metrô de Hong Kong.

*Sócio e vice-presidente de criação da Leo Burnett Tailor Made, colaborador para esta edição do propmark