Cinema digital favorece perspectivas
A última pesquisa da Nielsen sobre o investimento publicitário ao redor do mundo, o Global AdView Pulse, relativo ao primeiro quadrimestre de 2012, indicou uma queda significativa para a mídia cinema na América Latina. O cinema foi a única mídia que apresentou declínio, da ordem de 18,3%. O fato pareceu incoerente com as perspectivas do meio, que tem recebido fortes investimentos por parte de grandes grupos internacionais, mas condiz com o seu histórico no país. Embora tenha pela frente um futuro promissor, o segmento é pulverizado, pouco articulado e ainda opera, em sua grande maioria (mais de 80%) no formato 35 mm, o que atrasa a sua evolução — considerada, por quem é do meio, como favas contadas para 2013.
O cinema já viveu áureos tempos, nas décadas de 1960 e 1970, principalmente, quando vendiam-se 300 milhões de ingressos por ano, número que nos anos 90 caiu para 50 milhões/ano. De três mil cinemas, o país chegou a ter apenas 700. Os cinemas migraram para os shopping centers e, durante muito tempo, permaneceram como um segmento estagnado, com a TV dominando a cena nacionalmente, grandes exibidores deixando o mercado e a publicidade nas grandes telas passando a ser terceirizadas. Perto do início deste século, entraram em cena os grandes circuitos e, embora muitos pequenos exibidores tenham deixado de existir — como Alvorada e Art Filmes —, houve uma reação dos players nacionais como o Grupo Severiano Ribeiro, Araújo e GNS (do sul) para manter sua importância, resistindo bravamente.
O Brasil, por sua extensão territorial e as muitas oportunidades regionais, sempre manteve um número bastante grande de exibidores em relação a outros mercados como México ou Espanha, onde há cerca de cinco exibidores. Deve haver hoje no país algo em torno de 25 grupos menores de exibidores com poucas salas e comercialização própria. Se por um lado esta configuração manteve o cinema vivo, principalmente em mercados menores, por outro atrasou seu desenvolvimento em vários aspectos, em especial pelo contraste entre os players, muitos ainda empresas familiares. Ao mesmo tempo, a publicidade foi terceirizada e hoje pelo menos quatro empresas comercializadoras de cinema — Flix (Cinemark), Mobz, Kinomaxx e Auwe — atendem entre 90 e 95% das salas com o chamado “valor comercial”.
Esta é hoje uma indústria extremamente promissora e, dez anos depois da entrada dos grandes circuitos, voltamos à casa das cerca de 2.400 salas de cinema — um crescimento de 10% que destoa do crescimento da audiência nos últimos anos (mais de 60%). Acredita-se que em 2015 haverá 3.500 salas no país. Hoje são vendidos cerca de 142 milhões de ingressos por ano. O investimento publicitário não acompanhou. O segmento se manteve com uma tímida participação no bolo publicitário ao longo dos anos, e jamais conseguiu chegar a pelo menos 1%.
“É um sinalizador de queda de performance”, avalia Roberto Nascimento, profissional que recentemente deixou a operação da Auwe e trabalhou na indústria do cinema ao longo dos últimos oito anos. Em muitos casos, ele acredita que o modelo de comissionamento dos representantes de cinema tornou-os menos agressivos e inovadores, pois as comissões foram reduzidas e eles não tiveram condições de, ao longo do tempo, tornar suas equipes mais especializadas para atender as demandas de um mercado cada vez mais exigente e focado em resultados, aspectos técnicos na compra de mídia e rentabilidade. “O cinema seguiu como uma mídia pequena e se posicionou assim. No entanto, há números interessantes, características de atenção da platéia muito peculiares. Falta conhecimento do meio e vontade”, acredita Nascimento.
Segundo dados do boletim Filme B, em 2011 o cinema fechou com um faturamento de R$ 1,41 bilhão — alta de 12% em relação a 2010 — e o público total chegou a 141,6 milhões (incremento de 5%). Os números estabeleceram novos recordes para o mercado, que cresce fortemente desde 2009 — embora tanto naquele ano quanto em 2010 o crescimento anual tenha sido maior. Só em 2010, por exemplo, a renda cresceu 30% e o público 20%. O público aumentou e o valor dos ingressos também — em média 10% — devido ao 3D. O formato representou, no ano passado, 12,6 % do market share nacional de público e 19% do share de renda.
Mudanças à vista
A Flix, primeira operação de comercialização de cinema do mercado pertencente a um grupo exibidor — o Cinemark —, em cerca de nove meses de existência já colhe frutos do investimento. Adriana Cacace, diretora da Flix, que trabalhou no marketing da rede Cinemark durante 12 anos, diz que a publicidade em tela já representa o maior faturamento do grupo. “A decisão de montar a empresa foi para desenvolver o meio cinema. Ajudamos no planejamento, criamos oportunidades integradas. Criamos um sistema que organiza as informações do cinema, que embora tenha números abertos, estes não chegavam às agências de maneira estruturada”, diz Adriana. Ela revela que, no primeiro semestre deste ano, houve crescimento de 70% no investimento publicitário. “Demos o primeiro passo e por enquanto estamos sozinhos com a nossa empresa, mas quem sabe não conseguimos agregar outros exibidores no futuro”.
Nos Estados Unidos, três grandes exibidores se uniram e criaram uma rede de comercialização própria chamada National Cine Media. Segundo ela, isso ajudou a indústria a evoluir e ampliou as possibilidades da publicidade em cinema. A mídia em tela tende a tornar-se mais relevante, desde que sejam produzidos para ela conteúdos mais exclusivos, algo comum em outros países e que aqui praticamente inexiste. As telas de cinema replicam, em geral, o que se produziu para a TV. “Nos Estados Unidos há comerciais criados exclusivamente para o cinema. Há um potencial enorme para projetos especiais, que explorem a mídia. Por aqui, temos explorado o que chamamos de pré-show, que são conteúdos vinculados ao filme principal, apresentados por uma marca anunciante”, conta Adriana. Em sua opinião, anunciantes que investem em cinema dificilmente abandonam a mídia.
Formato é entrave
Sem dúvida a maior questão do cinema brasileiro hoje é a digitalização. Os grandes grupos vêm procurando digitalizar seus cinemas. Hoje, apenas 400 salas no país estão digitalizadas. O processo é lento por ser custoso, evidentemente. Nos Estados Unidos, por exemplo, a indústria se organizou para criar um fee para que os exibidores tivessem condições de adquirir mais rapidamente os projetores digitais. A grande locomotiva disso chamou-se 3D. “A propaganda no cinema se viabiliza via digitalização”, acredita André Porto Alegre, que depois de dez anos no Grupo Severiano Ribeiro está há quatro meses na Cinelife, divisão da Casablanca dedicada ao projeto satélite. Por sinal, ele diz que a novidade também pode fazer grande diferença para o mercado publicitário.
A rede Cinemark, por exemplo, priorizou outros mercados, como o dos Estados Unidos, na digitalização e vem investindo na América Latina: já digitalizou quase 200 salas, extinguindo o formado 35mm. A transmissão via satélite amplia as possibilidades da mídia. Dos 630 complexos e cinema existentes no país, a Cinelife já capacitou 105. Na opinião de Porto Alegre, os exibidores no Brasil não se veem como veículo de comunicação. A publicidade é um de seus ganhos, além da venda de ingressos, da exploração da bomboniére e da própria exploração das salas para eventos e afins. “Diferente de um grande jornal, de uma rádio, os exibidores não são ‘veículos’ e não dependem tanto da publicidade”, diz Porto Alegre. O satélite também amplia as possibilidades de uso das salas de cinema para, por exemplo, receber reuniões e eventos de grandes empresas que demandem conexão direta via satélite a outra cidade ou país.
Para Luiz Gonzaga de Luca, diretor de planejamento da rede mexicana Cinépolis, no ano que vem a situação deve melhorar, com a ampliação do processo de digitalização, que terá de ser concluído até 2014, data estabelecida para o fim da película no país. O grupo quer chegar a 2.015 com 500 salas, todas digitais. “Agências e produtoras não mexem mais com película. Ao mesmo tempo, as agências também ainda não dominam o 3D, que cresce no país. Continua-se usando filmes da TV no cinema. Hoje há uma força muito grande no 3D e ninguém produz propaganda neste formato” diz Luca, para quem a publicidade representa, sim, um lucro relevante. “O cinema é um composto de pequenas entradas de dinheiro, de várias fontes. Acredito realmente que temos dados consistentes e o que nos falta, realmente, é melhor organização do meio. Nunca teremos o CPM da televisão, mas temos outros atributos interessantes, como a chance de falar com tribos específicas. As salas vip, por exemplo, são tendência e oportunidade”, diz Luca.
Hoje já se fala em cinema 4D e a possibilidade de movimento, cheiros e outros efeitos nas salas. Será que anunciantes e agências no Brasil vão acompanhar? Carlos Rocha, diretor da Kinomaxx, empresa que representa comercialmente grandes circuitos de exibidores do país — como UCI e Cinépolis —, acredita que 2013 será o grande ano do cinema. Juntos, Flix e Kinomaxx representam comercialmente cerca de 60% do mercado. “Com a digitalização viraremos o cabo do cinema. Alguns anunciantes não entram em salas 35mm, só trabalham com digital. Muitos players nacionais ainda não digitalizaram, mas é uma questão de tempo. Todas as redes possuem hoje um cronograma de crescimento violento”, diz Rocha.
Para Gleidys Salvanha, diretora geral de mídia e atendimento da Publicis Brasil, o cinema é um meio fértil, mas ela acredita que ainda falta cultura nas agências e investimentos para melhorar o aproveitamento do meio. Ela diz esperar que o próprio meio apresente mais propostas, pois “só é lembrado quem está presente”, confirmando um dos entraves importantes ao desenvolvimento do cinema, que é a maior agressividade em vendas. “Há compras por números e compras por adequação e pertinência. No caso do cinema, o meio precisa se organizar melhor, porque há muitas possibilidades de projetos diferenciados nas salas”, destaca Gleidys.
Ela concorda que o formato de exibição em tela pode tornar-se obsoleto caso não haja projetos feitos especialmente para o meio. “Quando o filme é bom e tem adequação, o público não fica bravo ao assisti-lo. Só não podemos abusar da paciência das pessoas. Há espaço para projetos diferenciados com a ampliação do cinema digital” conclui.
Fátima Rendeiro, diretora de mídia da Quê, diz que também sente falta de projetos exclusivos para cinema e sua percepção geral é de que de fato a pulverização do meio tem como consequência o seu enfraquecimento. “Muitos players atrapalham e oneram os custos de produção, a escala é mais complicada. Enquanto o meio cresce em bilheteria, o investimento em publicidade cai. Outro problema é a venda: o formato ‘cinesemana’ permanece, mas o meio gostaria de escolher as sessões, trabalhar por inserção, o que certamente será mais fácil com a digitalização”, ressalta Fátima. Em sua opinião, o cinema é rico em possibilidades integradas a outras mídias como mobile e internet. “É uma mídia sem dispersão e de alto impacto. Peças pensadas para o meio certamente terão resultados melhores. O problema, hoje, é viabilizar a escala. Imagino que se o meio se unir poderá evoluir mais rapidamente”, sugere.