Cliente nua e morta - final

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Lula Vieira

Como se fazia nos folhetins de antigamente, começarei com um resumo dos dois capítulos anteriores. Meus mais fiéis leitores se recordam.

Eu acordei na sala de reunião de meu cliente, importante multinacional, com uma enorme de uma dor de cabeça, e encontrei a diretora de marketing morta sentada em sua mesa, nua, com um rio de sangue escorrendo de sua cabeça.

Na sala em que nos encontrávamos não havia ninguém, a não ser um busto de Napoleão de bronze manchado de sangue.

Eu não me lembrava de nada, a não ser que o início da reunião tinha sido terrível, com a diretora me comunicando que decidira trocar de agência.

Depois havia um lapso e, como numa passagem de tempo através de uma fusão rápida, eu me encontrara sentado no sofá de couro da sala.

E ela morta. E nua, como já repeti diversas vezes, mas acho que é um detalhe (detalhe?) muito importante nesta história.

Como o leitor se lembra também, logo após meu regresso ao mundo consciente, recebi dois telefonemas pelo celular. Um de uma repórter de um jornal especializado em propaganda me perguntando sobre a campanha que eu tinha ido apresentar.

Eu contei a ela que estava na sala com a cliente morta e nua, mas ela precisava “fechar a matéria” e tudo que queria saber era o resultado da apresentação e a verba.

Como eu não tinha respondido o que interessava, também não ouviu o que eu tinha acabado de dizer e desligou. A outra ligação foi do Paulo Castro, o diretor de criação que achou que a cliente estava morta por puro entusiasmo e estava nua simplesmente porque eu tinha resolvido dar uma rapidinha na hora do expediente.

Agora eu continuava do mesmo jeito. Sozinho e sem ninguém para dividir o problema.

Daí me lembrei do Bob Kinsey, lendário formador de profissionais da Young&Rubicam e resolvi organizar minha vida estabelecendo enfoques e prioridades. Bem, antes de mais nada, seria bom eu saber o que tinha acontecido, já que à primeira vista eu estava completamente fodido.

Se alguém entrasse na sala eu não teria uma boa explicação. Ou melhor, não teria explicação. Nem o Cerveró tinha sido pego em situação mais constrangedora.

Dizer o quê? O clássico “não é nada disso que você está pensando?” “Só falarei em juízo”, “Isso é uma armação política!” Mas somente duas pessoas poderiam saber o que aconteceu. E uma delas estava com amnésia. A outra morta.

Bom, daí eu tomei uma decisão. Parar de escrever histórias de mistério, pois faz semanas que eu não consigo pensar em outra coisa.

Como sair dessa situação? Talento para criar a confusão eu tive. Mas não estou conseguindo resolver a embrulhada que inventei.

Foi assim quando eu criei minha agência. Foi assim quando aceitei fazer palestras na Fundação Getúlio Vargas. Foi assim quando aceitei ser colunista da Rádio Estadão.

O que é pior, foi assim quando aceitei fazer crônicas semanais aqui neste jornal.

Fiquei com a obrigação de escrever coisas inteligentes a cada sete dias. Mal sei escrever toda semana, imagine coisas inteligentes. Isso me lembra um pouco o que eu sentia quando conseguia convencer a namorada a ir para o motel.

No caminho eu ia pensando: e agora? Vai funcionar? Ela vai rir da minha cara? Vai rir do meu pinto? Não vai rir? Vai chorar? A grande vantagem é que, escrevendo ficção, você pode desistir de tudo e pedir penico. Na vida não.

E eu estou aqui na sala da cliente. Nua e morta. E – o que é pior – sem a conta. Também não consigo me lembrar do que aconteceu.

Me sinto meio Dilma. Será que existe saída?

Lula Vieira é sócio da Mesa Consultoria