Cliente nua. E morta

Ela estava caída sobre a mesa onde, numa placa de acrílico, se lia “Diretora de Marketing”. Seus cabelos louros espalhavam-se pelo mármore branco, em cima de alguns layouts, onde se podiam perceber palavras como “Oferta”, “Liquidação” e “Aproveite”.

O mais estranho é que ela estava nua. E morta. Bem, nunca fui especialista nessas coisas, sou apenas um diretor de criação, mas pela quantidade de sangue que escorria para o carpete e pelo fato de que ela não respirava, eu poderia apostar que ela tinha tido sua última reunião. Pelo menos nesta terra.

O problema é que eu não conseguia fazer a menor ideia do que acontecera.

Tinha na memória esparsas imagens da chegada no luxuoso escritório do cliente, imensa multinacional, da espera na portaria pelo crachá de “Fornecedor”, o elevador automático com voz feminina e metálica.

Tão metálica quanto a voz da diretora de marketing, agora morta e nua. Eu me lembrava também de seu discurso falsamente solidário, me comunicando a decisão de mudar, de tentar novas soluções.

E algo como “sinto muito, mas espero que você compreenda”, se repetia no meu cérebro, como um disco com defeito.

Estranhamente não havia registro de mais nada. Sentia apenas uma terrível dor de cabeça. Recuperei a consciência sentado no sofá de couro do canto da sala, onde podia observar todo o ambiente.

Principalmente ela, debruçada no riacho vermelho que contornava o retrato com o filho e o marido em Bariloche e escorria pela perna da mesa.

Parece incrível, mas me ocorreu calcular a quantidade de líquido: cinco, seis litros?

A mente humana tem dessas coisas. Mas, o que tinha acontecido? Onde estavam as pessoas? Ela estava morta, disso eu poderia quase ter certeza. Mas por que estava nua?

Não tive coragem de me aproximar do cadáver.

Eu sei que um diretor de criação, um líder, não poderia hesitar. Mas uma coisa é decidir sobre uma campanha, um ator num filme, um título.

Outra é saber como agir diante de uma cliente morta, nua, esvaindo-se em sangue na própria mesa, ao lado da plaquinha e do porta-lápis.

Lá estavam também os layouts arruinados, manchados de vermelho. “Liquidação!” Parecia ironia.

Levantei-me e tropecei nas garrafas espalhadas pela mesinha de centro e pelo chão. Havia um estranho talco na minha roupa e sobre os móveis. Talco? Garrafas?

Vi também, caído sobre o carpete branco, um busto de Napoleão com sangue e restos de cabelo. Busto de Napoleão? Como era mesmo a piada sobre o português e o busto de Napoleão?

Eu sei que não é o momento mais adequado para lembrar de piadas pornográficas, pois eu estava acordando numa sala com uma cliente morta e nua. Nesse caso se justifica uma eventual falta de memória.

Não me lembrava do que aconteceu nem da piada.

Tentei estabelecer hierarquias para minhas dificuldades. A cliente morta e nua era um belo problema. Mas o pior de tudo é que eu tinha perdido a conta.

Disso eu me lembrava claramente. E isso, sim, era algo que me aterrava. Tive uma ideia que me pareceu genial.

Continua na próxima semana.