Começar de novo

Voltamos nos últimos dias ao tradicional stop and go que tem marcado nossa movimentação de mercado de uns anos para cá.

Se os primeiros dias de dezembro animaram pessoas físicas e jurídicas devido à aproximação do Natal, com uma esplendorosa decoração nas grandes cidades brasileiras, o transcorrer do tempo não elevou a temperatura.

Ao contrário, os setores do comércio que mais se movimentam com esta época do ano têm acusado grande prudência nas compras, com o consumidor mais olhando do que adquirindo, embora já de posse – os trabalhadores – da primeira parcela do 13º salário em seus bolsos.

Tradicionalmente, a alegria do Natal é sempre maior quando outros fatores que não o próprio evento em si motivam os cidadãos.

Como o Brasil ainda se ressente de uma enorme decepção política, com escândalos estourando em todos os níveis da administração pública e não poupando partidos ou profissionais da política, o consumidor, que antes de tudo é um cidadão, ressente-se diante da nossa incapacidade de pôr as coisas nos eixos.

Agrava ainda mais esse estado de espírito a volta paulatina da inflação, que os mais velhos sabem o que significa para o orçamento doméstico de cada brasileiro que depende do seu emprego para viver.

Não há imposto maior do que esse velho fantasma que já havíamos exorcizado com o Plano Real, mas que volta a nos rondar com aquele sorriso de escárnio, certo de que fará novamente grandes estragos diante da luta frouxa com que é combatido pelas autoridades.

Estamos nos acostumando a viver em uma gangorra, subindo e descendo sem maiores perspectivas, enquanto os que nos governam baixaram de vez a sua guarda para se dedicarem às eleições que estão chegando, objetivo maior de qualquer político que se preze como tal, em um país que ainda não criou coragem para de fato mudar tudo o que aí está, inclusive o sistema eleitoral vigente.

O esporte preferido das multidões, que oferecerá os pratos mais valiosos do seu cardápio no próximo ano, com a Copa do Mundo em 12 sedes brasileiras, voltou a negar sua essência com as cenas calamitosas de torcidas uniformizadas digladiando em Joinville, a ponto da Globo suspender a transmissão por determinado tempo das mesmas, para não chocar telespectadores infantis ou mais sensíveis à violência explícita.

Ao cabo do campeonato brasileiro da primeira divisão, os tribunais entraram em campo para julgar não lances duvidosos do esporte, mas questões burocráticas que podem mudar o rumo da história do torneio que durou cerca de nove meses para chegar aos resultados finais, ora ameaçados por avisos mal dados ou mal recebidos pelas secretarias dos tribunais e dos clubes, podendo mudar nos bastidores os resultados de campo, em mais uma cansativa repetição de que o Brasil é muito mais para os espertos do que para os esforçados.

E em meio a crises de governança, com a Petrobras encolhendo e o ministro da Fazenda perdido entre o que deve e o que pode ser feito, como um personagem imaginário de Maquiavel, arma-se grande caravana de notáveis rumo à África do Sul, para reverenciar Mandela, um líder que eles jamais imitarão por lhes faltarem o que sobrou no homenageado: compromisso com o povo e com a verdade.

Para piorar ainda mais essa inútil caravana turística, infiltra-se nela como convidado especial o deposto Collor de Mello, que o tempo não apaga das nossas piores lembranças.

Mas, como ele é vassalo do atual governo, tudo pode. Até merecer a honra de frequentar o seleto clube de ex-presidentes, comandado pela atual e que jamais deveria listar o deposto, se por nada mais fosse, ao menos por uma obrigação de coerência que todo comandante deve demonstrar em suas atitudes, com rigor maior ainda para as de mais alto significado.

Pensar que o povo não sente por isso é ignorar a capacidade de apreensão desse mesmo povo que sofre de mãos atadas diante dos erros colossais que diariamente se dá conta.

O leitor há de concordar conosco que todo esse clima indesejável resulta hostil para as comemorações de final de ano, pois sabe como ninguém – e quanto maior o seu sofrimento mais sabe – que tudo, absolutamente tudo se repetirá, embora de outras formas e em outras situações, já a partir de janeiro, que está logo aí.

Começaremos de novo, do mesmo jeito.

Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2479 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 16 de dezembro de 2013