Como a crise global do coronavírus expõe a fragilidade da mídia e da publicidade digital

Enfrentamos um momento que certamente ficará escrito nas páginas da história brasileira e do restante do mundo. Conforme a pandemia avança, evidenciando uma crise sanitária e ameaçando milhões de vidas pelo planeta, também deixa seus rastros na economia global. Em meio à queda no consumo de bens e serviços e à interrupção nas cadeias de produção devido ao COVID-19, anunciantes de todas as partes recuam seus investimentos em publicidade.

Quando os anunciantes precisam de fluxo de caixa imediato, a torneira do digital é a primeira a fechar, desnudando a fragilidade do ecossistema de mídia digital e programática. Afinal, é muito mais fácil suspender uma campanha online do que um contrato rígido de publicidade com a TV. E o mercado editorial sente os efeitos no mesmo instante: alguns publishers brasileiros acompanharam seus CPMs (custo por mil impressões) despencarem em até 50% nos últimos dias. 

Projeções revistas para baixo

A China, país onde o surto começou, assistiu nas últimas semanas ao encolhimento drástico dos investimentos de anunciantes devido à pandemia, o que revelaria sinais do que estava por vir no resto do mundo.

No dia 17 de março, o eMarketer reduziu a previsão de gastos com anúncios digitais no mercado chinês de 15% para 13% neste ano, uma queda de US$ 86 bilhões para US$81 bilhões. Dois dias após a revisão das projeções para o segundo maior mercado de publicidade do mundo, a empresa de pesquisa atualizou sua previsão global de gastos com publicidade para 2020 de US$ 712 bilhões para US$ 691,7 bilhões devido ao efeito da pandemia de coronavírus na mídia e no comércio.

A queda de US$ 20 bilhões é considerada otimista por analistas, que preveem pela frente novas perdas e revisões para baixo. E mesmo que o eMarketer não tenha divulgado o recorte por meio de comunicação, a expectativa é que tanto a receita de mídia digital quanto a de aplicativos móveis – que vivenciaram trajetórias de crescimento irrefreáveis nos últimos anos – sofrerão quedas.

Publishers: o desafio de converter o interesse na cobertura da pandemia em receita

Ao mesmo tempo, os meios de comunicação assumem o protagonismo de levar informação de credibilidade sobre o COVID-19 e de combater as fake news. Muitos veículos precisaram rever suas estratégias de conteúdo, priorizando a cobertura de temas relacionados à pandemia, para atender a mudança de comportamento de navegação das pessoas, que passaram a ficar mais em casa e a demandar notícias atualizadas em tempo real.

O número de pageviews saltou 30% na semana passada em comparação com o ano passado, segundo dados da Parse.ly, uma empresa que mede o desempenho do conteúdo de uma rede de mais de 3 mil grandes sites americanos, incluindo o Wall Street Journal e Bloomberg. Os índices indicam que os artigos sobre coronavírus respondiam apenas por 1% dos artigos publicados na semana passada, mas por cerca de 13% de todas as visualizações de artigos.

Para se ter uma ideia, a cobertura relacionada ao coronavírus do site americano BuzzFeed, que correspondeu apenas a 20% das publicações de março, atraiu quase 70% do tráfego no período, apontou a Comscore. Além disso, o número de visitantes únicos do site saltou 13% em relação a janeiro.

À medida que o consumo de conteúdo aumenta tão rapidamente quanto a contaminação por coronavírus, nos perguntamos: até que ponto os publishers se beneficiam dessa tendência?

A realidade é que os veículos enfrentam dificuldades de converter esse interesse na cobertura do coronavírus em novas assinaturas e em receita com publicidade em um momento no qual anunciantes estão adicionando palavras-chave relativas ao vírus em suas listas de bloqueio. Em paralelo, outros publishers discutem se devem liberar o acesso a seus conteúdos restritos, criando seções gratuitas de conteúdo sobre a pandemia – assim como fez o The Wall Street Journal – para aproveitar o potencial de receitas com anúncios, no curto prazo, decorrente ao aumento de leitores.

Por mais que alguns veículos registraram crescimento em suas assinaturas pagas em um cenário em que as pessoas estão ávidas por informações – que, por sinal, tornaram-se uma parte importante de suas vidas – não há muito o que comemorar. Segundo a empresa de pesquisa MoffettNathanson revelou ao site AdExchanger, os ganhos de assinaturas serão substituídos rapidamente pela necessidade de reduzir os gastos mensais, quando as pessoas enfrentarão os impactos financeiros de uma recessão econômica.

Embora o jornalismo seja fundamental no enfrentamento da pandemia, o negócio do jornalismo está diante da uma ameaça de extinção com o COVID, com riscos de vermos jornais fechando portas e demissões em massa nas redações perante à crise econômica anunciada.

Impactos da crise na mídia digital: dois cenários possíveis

Analistas da Newsonomics avaliam que o impacto do coronavírus na mídia pode ser pior do que a crise financeira de 2008. Já uma pesquisa do Digiday Research, publicada na segunda-feira (23), destaca que 88% dos publishers tradicionais e digitais entrevistados preveem que não alcançarão suas metas de negócios este ano devido aos efeitos da pandemia, sendo que 85% esperam o declínio de suas receitas com publicidade.

Ainda não é possível chegar a conclusões precisas sobre o atual momento. Nos próximos dias, descobriremos se o dinheiro está “sumindo” ou se ele está esperando. Isso porque a maior parte da verba programática advém dos grandes anunciantes, que respondem por quase 80% do dinheiro que circula no meio. 

A crise que virá após a pandemia, sem dúvidas, é gravíssima, mas não reduzirá a capacidade de investimento desses grandes atores, os quais estão fortemente sustentados por quantias bilionárias em caixa e por fontes de crédito quase infinitas. Em outras palavras, diferentemente do que pode parecer, a tendência poderá ser a de uma retomada muito forte do investimento e uma normalização (ou quase) do CPM.

Ainda assim, é preciso notar que os desdobramentos econômicos do COVID, mesmo não repercutindo de forma tão intensa sobre os grandes anunciantes, serão sentidos pelos seus consumidores. Nessa nova fase econômica, prevalecerão outras estratégias de marketing, voltadas à disputa por preços – e não propriamente à proposta de valor ou de estilo de vida, como vinha ocorrendo. 

Na busca pela seleção mais rígida dos meios de comunicação, serão priorizados aqueles mais próximos do final do funil de consumo. Campanhas de retarget, por exemplo, tenderão a ganhar cada vez mais força. Cada compra será disputada de forma muito mais intensa.

Publishers precisam fechar a conta

De fato, a mídia programática e o mercado editorial estão sofrendo os impactos da crise que se instaura globalmente. Os publishers brasileiros já percebem uma desvalorização nos valores médios de CPM e nas taxas de preenchimento, o que pode levar uma queda de receita média para um terço, segundo nossas estimativas.

Levando em conta diversas variáveis que não podemos controlar, sendo que algumas estão nas mãos de líderes de nações, os publishers precisam ponderar algumas ações que ajudarão a atenuar a queda de receita prevista. Uma delas é o aumento do número de posições publicitárias e o uso de novos formatos nas páginas como forma de maximizar o inventário e conter perdas neste período de oscilação. Uma decisão que pode acabar indo contra ao que a Coalition for Better Ads vem defendendo a fim de priorizar a entrega de uma experiência amigável ao usuário.

O fato é que os publishers precisam fechar a conta. Ao priorizar a experiência, sites e veículos devem considerar a instalação de alertas com apelos para que, durante a quarentena, os usuários mantenham o adblock desabilitado como forma de apoio a suas estruturas de produção de notícias.

Mais do que nunca, é preciso conscientizar os leitores de que a publicidade online é fundamental para monetizar publishers, remunerar criadores de conteúdo e jornalistas e viabilizar o fornecimento de conteúdo gratuito. Seu bloqueio afeta não apenas os anunciantes, mas a sobrevivência da mídia, a informação jornalística transmitida com qualidade e responsabilidade e o combate à desinformação necessários para o enfrentamento da pandemia. 

Luís Machado é fundador do Denakop, plataforma que auxilia publishers na monetização de conteúdo por meio da mídia programática; Karen Ferraz é jornalista especializada na cobertura do mercado de mídia digital e programática e de tecnologia da informação