Comunicação sobre HIV é desafio para governo, empresas e mídia
A comunicação do segmento de healthcare se depara, vez ou outra, com grandes desafios. E, na área de saúde, a falta de mensagens claras sobre um assunto pode ocasionar em desinformação ou disseminação de fake news, como tem sido possível observar durante o atual surto do coronavírus. A mesma lógica vale para enfermidades muito mais antigas e tão ou mais graves quanto, como o vírus do HIV e a Aids.
O assunto do vírus volta à tona em momentos específicos, como o Dia Mundial de Combate à Aids, no começo de dezembro, ou às vésperas do Carnaval, como agora, quando se reforçam campanhas para evitar o contágio. E até mesmo em situações inesperadas, como na semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as pessoas como HIV representam “despesa” para todos no Brasil. Seja como for, a exposição do assunto, em geral, é muito menor que nos anos 1980 e 1990, o que traz a necessidade de se reforçar esse vínculo especialmente com as novas gerações.
“São jovens que não viram um Cazuza um um Henfil morrerem por causa da Aids. Eles precisam ser impactados por essa comunicação, e entender que existe o risco e perigo”, afirma João Consorte, CEO da McCann Health Brasil.
A agência participou recentemente de uma campanha da GSK/ViiV Healthcare que visou o empoderamento de pessoas que convivem com o HIV. A farmacêutica convidou o youtuber Gabriel Comicholi, para reproduzir a ação do Free Hugs (movimento social que envolve pessoas oferecendo abraços para desconhecidos em locais públicos) na Avenida Paulista, em São Paulo. A ideia foi inspirada na atitude adotada pela princesa Diana na década de 1980, que visitava hospitais para abraçar, apertar as mãos e interagir com pessoas vivendo com HIV.
Intitulada “Abrace a Positividade”, a campanha da GSK também foi composta pelo site Vivo no Positivo, que conta com informações, assistência e acompanhamento para estimular que pacientes procurem uma melhor qualidade de vida, e com desmistificação de informações falsas e dados sobre prevenção e testagem para os não infectados. “Se engana quem pensa que ele (Gabriel) recebeu menos abraços depois de deixar claro que tinha o vírus”, revela Consorte.
Nesta ação, a ideia da empresa farmacêutica foi de se aproximar do público fornecendo informações que incluem não apenas o uso correto de medicamentos, mas também a adoção de medidas para uma vida mais saudável. A campanha trouxe cinco depoimentos reais de pessoas com HIV positivo, como Thais Renovatto, que contraiu o vírus do namorado, a quem viu falecer. Depois de procurar por tratamento, casou-se, teve dois filhos e está grávida do terceiro, e nenhum deles foi contaminado.
Outra das histórias contadas é de Diego Krausz, de 27 anos, que mostrou como a informação e o esclarecimento médico e o apoio da mãe foram fundamentais para tirá-lo da “falta de ar” e do sentimento de solidão em que havia caído após saber da doença, mudando por completo seu modo de lidar com isso e tendendo a ter um olhar mais positivo sobre a vida.
Queda
Por trás de histórias como essas, cresce a necessidade de se disseminar informações corretas e frequentes, em tempos de fake news, que possam fazer a diferença na qualidade de vida e contribuir para que as pessoas vivam com maior bem-estar. Essa missão é do governo, mas não apenas dele. Mídia, empresas e agências precisam estar atentas para fazer sua parte para não deixar o assunto cair no esquecimento.
Os dados mostram que são 866 mil pessoas que convivem com o vírus no Brasil, segundo informações atualizadas do Ministério da Saúde. As políticas públicas de combate ao HIV/Aids no Brasil, desde 1996, garantem o tratamento universal e gratuito no Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes. Isso se reflete no aumento do tempo de vida dessa população, segundo o Estudo de Abrangência Nacional de Sobrevida e Mortalidade de Pacientes com Aids no Brasil. A pesquisa aponta que 70% dos adultos e 87% das crianças diagnosticadas entre 2003 e 2007 tiveram sobrevida superior a 12 anos. Em 1996, a sobrevida estimada era de cinco anos.
O Brasil, assim, chegou a três décadas de de luta contra o HIV/Aids com queda no número de óbitos. A garantia do tratamento para todos e a melhoria do diagnóstico contribuíram para a melhora no cenário, além da ampliação do acesso aos testes e redução do tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento.
Mas embora a epidemia no país seja considerada estabilizada, não significa, como lembra Consorte, que o problema não existe mais. Pelo contrário. “Onde há desinformação, fala-se o que quer”, resume.
Dúvidas
Com foco nas dúvidas do público mais jovem, o Ministério da Saúde lançou em dezembro uma campanha criada pela CC&P com o objetivo de mudar, na população brasileira, a atitude e a percepção da importância da prevenção, teste e tratamento do HIV para evitar a Aids. Com o conceito “HIV/Aids. Se a dúvida acaba, a vida continua”, a ação quer combater o problema de que um grande número de brasileiros não sabe que convive com o vírus HIV, cerca de 135 mil pessoas. Embora estabilizado, o vírus tem crescido a contaminação entre homens jovens, faixa etária mais vulnerável.
Com o mote “E Se?”, a ação traz a dúvida aos jovens que não usaram camisinha e estimula a atitude de se fazer o teste de HIV com o objetivo de acabar com essa dúvida. E, se der positivo, a campanha informa que, com o tratamento adequado, o vírus pode ficar indetectável e a pessoa não desenvolver a Aids.
A comunicação ressalta também que, mesmo com o resultado negativo, é importante continuar usando camisinha e se protegendo do HIV e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST. A campanha teve filme para TV, peças de mídia exterior como outdoor social, DOOH, peças para internet e redes sociais, cartazes e spot para rádio.A mídia também tem papel importante no processo. Tanto que, nas últimas semanas, a Globo reforçou a veiculação de sua campanha “Viver Melhor”, em parceria com o UNAIDS, programa conjunto da ONU sobre HIV e Aids. No filme, um praticante de slackline se equilibra em cima da fita. Com passos cuidadosos, olhar firme e muita concentração, ele consegue ir até o final e terminar o percurso. O mesmo não ocorre quando ele coloca uma venda nos olhos.
A ação existe há alguns anos e tem como objetivo gerar mobilização social em cima do assunto, especialmente pelos mais jovens. “A AIDS não tem cara, classe e nem gênero. Qualquer um de nós pode se infectar e isto está crescendo entre os jovens, pessoas como vocês”, afirma a ação, que teve reforço no passado em programas como Altas Horas e Encontro com Fátima Bernardes.