Conar abre 6,5 mil processos em 30 anos
por Paulo Macedo
A perspectiva do Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação) dar certo quando foi criado em 1978, durante o III Congresso Brasileiro de Publicidade, era sombria. O País vivia tempos de exceção com a ditadura militar e a censura era um dos principais instrumentos de cerceamento à liberdade de expressão, cultural, comercial e de conteúdo jornalístico. Trinta anos depois, o Conar comemora sua absorção e o respeito da sociedade civil pelo trabalho de fiscalizar abusos e disseminar a ética de conteúdo publicitário.
Porém, se não enfrenta a censura como nos tempos da sua fundação, vê uma série de interferências na área de publicidade como, por exemplo, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que na semana passada propôs restrições que praticamente inviabilizam a publicidade de produtos alimentícios destinadas às crianças. “Também é uma espécie de censura”, resume Gilberto Leifert, presidente dainstituição, reeleito na semana passada para um novo mandato de dois anos.Leifert, que também é diretor de relações com o mercado da Rede Globo de Televisão, não deixa em branco nenhuma agenda que envolva restrições à comunicação comercial no País, seja na Câmara dos Deputados, Senado Federal, audiências públicas da Anvisa e outras instâncias. “Tramitam no Congresso mais de 300 projetos que interferem na atividade publicitária. Acredito que é um volume exagerado. O mercado tem o instrumento da auto-regulamentação para determinar limites éticos. No caso das bebidas alcoólicas, não esperamos que nos dissessem o que deveríamos fazer. Propomos ao mercado novas regras e elas foram absorvidas pelas agências e anunciantes que nos ajudaram a redigir o novo documento. Foram instaurados desde o dia 10 de abril, quando o documento com restrições foi lançado, 77 processos relacionados à publicidade de bebidas. Todas as recomendações do Conar foram aceitas o que demonstra maturidade do mercado”, disse opresidente do Conar.
Nesses 30 anos de atividades, o Conar já abriu aproximadamente 6,5 mil processos. Para celebrar as três décadas, uma nova edição do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária está sendo lançada no IV Congresso Brasileiro de Publicidade. Também foi editada uma brochura sobre o expediente da auto-regulamentação na qual é destacado que essa “é uma forma eficiente e democrática de controle da publicidade”.
Este ano foram instaurados 223 processos (ver tabelas), dos quais 38,57% relacionados a bebidas alcoólicas. A área de telecomunicações vem em seguida com 12,11% das ações julgadas pelo Conselho de Ética. Veículos, peças e acessórios ocupam 9,87% das análises da entidade. Os resultados indicam que 39,77% dos casos julgados sofreram alterações no conteúdo, 33% foram arquivados, 14,4% foram sustados e 12,28% tiveram advertências. Por iniciativa do próprio Conar foram instaurados 102 processos no primeiro semestre deste ano, equivalentes a 45,74%. Os consumidores registram 68 queixas, 30,49% do total do mesmo período. Das entidades corporativas associadas ao Conar foram analisados 50 processos, 22,42% do volume de 2008. As 77 ações, ou 34,53% dos 223 processos, são relacionadas à Responsabilidade Social que inclui bebidas alcoólicas. “Sempre estamos atentos às mensagens publicitárias e tomamos a iniciativa de propor julgamentos. O Conar aceita queixas de outras fontes, mas exercemos a proatividade”, observou Leifert.
O presidente do Conar compara o momento atual do Conar a uma “árvore frondosa” que sobreviveu às intempéries. “Foi uma muda bem plantada”, diz ele. “Tão bem plantada que nosso modelo de auto-regulamentação serve de inspiração a vários países da América Latina como a Costa Rica, Uruguai, Paraguai e Chile que utilizam até a nossa sigla. Na Argentina o mercado também estuda a adoção do modelo”.A Constituição de 1988 ,“que minuciosamente declarou os direitos individuais”, ajudou na consolidação do Conar. “Como a censura foi banida e corrigiu abusos do passado, a Constituinte rejeitou todas as emendas que sugeriam proibições. Sem esse instrumento, não teríamos evoluído tanto”, ponderou. A instituição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), na expressão de Leifert, um dos mais avançados do mundo, também exerceu influência positiva para o trabalho do Conar. “Ele é um sistema misto de controle que combina legislação com auto-regulamentação. Esse modelo oferece a proteção mais ampla ao consumidor. Por que devemos considerar o código um marco? Porque ele passou a impor pena de detenção e multa aos que praticam propaganda enganosa, ofensiva e abusiva. O código e o Conar se harmonizam e se complementam. Por isso podemos acreditar que merecíamos as liberdades públicas afirmadas pela Constituição porque sabemos exercer com responsabilidade o papel de comunicação. Sempre repito a frase de Otto Lara Rezende: “As leis são como vacinas, umas pegam, outras não”. Em um País onde as leis não pegam, é importante celebrar o Conar e a auto-regulamentação, sobretudo por não gerar ônus para o erário público”.
A comissão “Liberdade de expressão comercial”, do IV Congresso, será presidida por Leifert. Para o presidente do Conar, o evento é o fórum ideal para que a discussão seja ampliada e materializada em ações com propósito de preservar a liberdade. “A propaganda já teve mais auto-estima, mas ela não deixou de ser necessária e indispensável. Verificamos que diferentes movimentos, especialmente as novidades de estruturação das agências, dos anunciantes, novas formas de relacionamento e alguns factóides que impressionam o mercado, exercem influência negativa nas gerações recentes. Muitos profissionais não vêem mais o glamour e a condição de ganhar mais dinheiro e terminam se acomodando. “O IV Congresso é uma oportunidade de imersão no valor que a atividade publicitária representa, inclusive com relação aos aspectos econômicos. Porém, a minha comissão também contempla aspectos políticos. Vamos enfatizar que os criadores exerçam liberdade para desenvolver seu trabalho; garantir aos anunciantes a liberdade de expressão; e também garantir aos veículos de comunicação que transmitam informação ao consumidor independentemente de censura. Esses direitos são garantidos pela Constituição. Todas essas garantias são indissociáveis de argumentos como “não haverá imprensa livre sem publicidade”, “não haverá cidadania e consumidores se não houver informação” e “não haverá empreendedorismo e liberdade de iniciativa se quem faz gestão de negócios não puder fazer propaganda”, finalizou.