Para Paulo Gala, economista e estudioso da China, 'é de lá que vêm as grandes oportunidades atualmente'

Quando se fala em desenvolvimento, não tem como não se olhar para a Ásia. Embora a China seja o grande destaque no momento, o país está na ponta de um estágio de evolução econômica que começou no Japão após a Segunda Guerra.

E é fundamental que o trade de publicidade e marketing esteja atento a esse novo cenário, porque como nos conta Paulo Gala – economista, especialista em desenvolvimento econômico e um dos grandes estudiosos da China e da Ásia, em geral – é de lá que vêm as grandes oportunidades hoje.

E onde há oportunidade, há necessidade de comunicar, propagar e, claro, vender.

A China virou o foco central como exemplo de desenvolvimento econômico, mas quais outros países asiáticos merecem atenção dos brasileiros que atuam com inovação, consumo, marketing, mídia...?
A China, na verdade, representa o último estágio de sucesso do leste asiático, de uma estratégia que começou a ser feita pelo Japão, no pós-guerra, de exportações industriais voltadas para o mundo – claro, que com a ajuda dos Estados Unidos. Com o que alguns economistas chamam até de “desenvolvimento a convite” (certos Estados eram “convidados” a terem facilitações para reconstruírem suas economias no pós-guerra, como facilidades nas exportações para o mercado norte-americano), o Japão conseguiu fazer um desenvolvimento tecnológico impressionante. Ele foi seguido por Taiwan e Coreia do Sul, que são considerados os tigres asiáticos de segunda geração. Muitos colocam Singapura também. Na sequência vêm Malásia, Tailândia e Indonésia, que também tiveram um avanço impressionante de aumento de renda per capita, de sofisticação produtiva e tecnológica. E, finalmente, a China e o Vietnã. O Vietnã é o caso mais recente de sucesso. Todos esses modelos foram puxados por exportação industrial para a economia mundial, especialmente a economia norte-americana e europeia. Filipinas tentou um pouco, mas não teve muito sucesso, e a Índia é uma história um pouco diferente. Mas essa é a lista de países que chamamos de sucesso do leste asiático, que, aliás, é a maior economia do mundo hoje. O leste asiático já é maior do que a Europa e maior do que Estados Unidos e Canadá juntos, é o grande polo de crescimento, de desenvolvimento tecnológico, a maior população e a maior economia do mundo.

Você compartilha frequentemente inovações chinesas surpreendentes – de carro que salta buracos a avanços da IA. O que mais o impressiona nessa capacidade de inovação e o que podemos aprender com ela?
A inovação chinesa impressiona pelo resultado do que ela conseguiu. Era uma economia muito pobre nos anos de 1980. Naquele período, a China ainda estava entre as economias mais pobres do mundo. Eles conseguiram, em 40, 50 anos, chegar na fronteira tecnológica de muitos mercados, de muitos setores. E o que impressiona é o desenho que o governo conseguiu fazer de articulação público-privada para que as empresas assumissem riscos com subsídios, com fomento, com crédito público. E, claro, com empresários chineses também muito “agressivos” e muito inovadores. Eles conseguiram articular o que chamamos de um sistema nacional de inovação, em que se gera tecnologia própria, genuína, nacional, doméstica. Não é uma questão de usar tecnologias, é uma questão de produzir tecnologias. E o sistema empresarial produtivo chinês, hoje, produz tecnologia de fronteira (inovações com alto potencial de crescimento), de inteligência artificial, de carros, veículos elétricos, de robótica, de drones, de painéis fotovoltaicos. Então, acho que a grande aprendizagem, mensagem, é essa articulação entre o público e o privado: a ideia de que não é uma coisa estatizante, de que o Estado faz tudo, mas também não é uma ideia privatista em que o mercado e as empresas resolvem. Na verdade, o sucesso chinês se deve à divisão de tarefas, em que o Estado ajuda o setor privado a tomar riscos e isso acaba resultando em inovações fantásticas. Acho que essa é a grande lição.

Além de desenvolvimento econômico ou, talvez, até atrelado a isso, você também fala sobre a governança ética, liderança baseada em sabedoria. Há algo que possamos aprender com os asiáticos sobre isso?
Tem uma tradição na Ásia de longa data, especialmente na China, de burocracia pública, de burocracia estatal, que cuida do bem público desde a construção de barragens há 2.000, 3.000 anos. Acho que a burocracia estatal chinesa é uma das mais antigas do mundo, com uma visão de longo prazo. Isso ajuda muito, porque trata-se de um Estado. Imagine que a China é um dos países com a história mais longa do planeta. Então, essa visão de longo prazo, essa ideia de sabedoria no sentido de esperar, acho que é muito importante. E a tradição da história chinesa ajuda muito nisso. O Brasil é um país mais recente, tem apenas 500 anos. A China é uma sociedade milenar.

Nesse movimento de empresas chinesas vindo para o Brasil, o que é, de fato, vantagem e o que pode ser ameaça para o mercado brasileiro?
O desafio para o Brasil é aprender com a tecnologia chinesa, ou seja, não apenas consumir tecnologia chinesa. Claro que isso é muito bom para os consumidores brasileiros – temos acesso aos carros europeus, americanos, japoneses, coreanos, chineses. Mas o desenvolvimento econômico não é uma questão de consumir tecnologias; é uma questão de produzir tecnologias. Então, temos de tentar negociar acordos com o governo chinês, com as empresas chinesas, para transferir tecnologia para as empresas brasileiras, para aprendermos a fazer
as coisas. Esse é o desafio. Não adianta importar produto chinês e destruir a indústria brasileira. Precisamos fortalecer a indústria brasileira com o aprendizado
de tecnologias chinesas. Não é fácil fazer isso. A China vem trabalhando há 20, 30 anos, Estado e mercado, governo e empresas, para conseguir fazer isso com tecnologia americana. Eles aprenderam. E esse é o desafio do Brasil também.

Paulo Gala

O conceito de soft power costuma ser associado aos Estados Unidos por suas produções de entretenimento. No caso da China, como você enxerga esse tipo de influência no Ocidente e, em especial, no Brasil?
A China está começando a tentar desenvolver o soft power dela, com as marcas chinesas, com a cultura, mas ela ainda está no começo desse processo. Claro que ela usou muito no “One belt, one road” (a Nova rota da seda), a influência na Ásia, na Ásia do Sul, na África, especialmente a África com frente para o Índico, para a África Oriental. E ela fez muito investimento em infraestrutura e condicionou nesse movimento do “One belt, one road”, alianças desses países contra investimento em infraestrutura da China. Mas ainda não é um soft power de língua, de moeda, como os Estados Unidos têm. Acho que isso ainda demora um pouco para a China. Acho que ela está começando nessa linha.

O que os profissionais de marketing e comunicação deveriam compreender melhor para construir relações comerciais mais eficazes com as empresas asiáticas?
Cada país ali é um universo. O Japão é um universo, a Coreia é outro, a China é outro, então há mil questões culturais. Há muita coisa para aprender de cada uma dessas culturas, inclusive da cultura empresarial.

Mas ainda há uma visão muito ocidentalizada dos executivos brasileiros, mais especificamente “americanizada”, não?
Os executivos brasileiros têm um viés americanófilo. Somos muito voltados para Estados Unidos e Europa. Esse é um problema, porque o mundo dinâmico hoje, em expansão, é a Ásia. É a Ásia do Leste que cresce, que tem as maiores populações, o desenvolvimento tecnológico de fronteira. Então, os executivos brasileiros precisam entender que o dinheiro está na Ásia, está no leste da Ásia. Esse é o ponto. O desenvolvimento chinês, japonês, coreano, de Taiwan, Singapura, veio para ficar. São economias que hoje já estão muito maiores do que a economia americana e do que a economia europeia. Então, se o Brasil não conseguir fazer negócio com a Ásia, especialmente negócios de tecnologia mais elevada, realmente vai ficar para trás na história.

Há muitas narrativas sobre a chamada “crise comercial global” ou “guerra tarifária”. Como profissionais de publicidade e negócios podem interpretar esse cenário de forma crítica, sem análises reducionistas ou enviesadas?
No fundo essa é uma guerra tecnológica. Ela é, vamos dizer assim, vestida de guerra comercial, mas é uma guerra de tecnologia para quem assume a fronteira tecnológica, dos produtos mais sofisticados, mais inovadores. E o que estamos assistindo é uma disputa em que, pela primeira vez, os Estados Unidos são contestados nessa disputa tecnológica. Os alemães têm uma tradição também grande, os coreanos conseguiram avançar, mas a China está de fato contestando os americanos. Por exemplo, a BYD já superou a Tesla. A Huawei já vinha superando a Apple em venda de smartphones, não fossem as sanções que o governo Trump (Donald Trump) começou a colocar lá atrás, em 2017 e 2018. Então, no fundo, temos de entender isso como uma briga, uma disputa tecnológica pela fronteira da produção dos bens e serviços mais sofisticados. É isso que é a guerra tarifária, na verdade, uma guerra tecnológica.

Em meio à reconfiguração de blocos econômicos e tensões geopolíticas, o que é possível destacar da posição do Brasil em relação aos países asiáticos?
O Brasil está muito bem posicionado, mas ele tem de usar o seu poder de barganha. O Brasil não precisa se alinhar automaticamente nem aos Estados Unidos, nem à China. Ele precisa tentar colher benefícios dos dois lados. O Brasil é um dos poucos países do mundo que “fala todas as línguas”. Tem uma interlocução muito forte, muito importante com o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), com o G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido). E o canal da Ásia para o Brasil é muito importante, porque o agronegócio e os minérios brasileiros vão todos para a Ásia. É só pensar que hoje um terço das exportações brasileiras vão para a China – 100 bilhões de dólares. Era 1 bilhão em 1992, 1993. Multiplicou por 100! E o grosso disso é petróleo, minério e soja. Então, a Ásia virou destino por ascendência das commodities brasileiras. Mas o que precisamos aprender com a Ásia é o desenvolvimento industrial e tecnológico. É isso que falta.

Na sua avaliação, como podemos compreender o desenvolvimento do Brasil nas últimas décadas, apesar das críticas recorrentes à corrupção, à burocracia e a outras questões estruturais? O país avançou, de fato, em alguma direção ou estamos condenados à estagnação?
O Brasil ficou para trás porque não conseguiu avançar na aprendizagem produtiva. É o título do meu último livro: ‘Brasil, uma economia que não aprende’. Ficamos só na exportação de commodities, de minério, de petróleo e agro, e não conseguimos fazer desenvolvimento industrial e tecnológico. Foi exatamente o que a China fez, o que a Ásia do leste fez. Então, o nosso desafio está aí: produzir tecnologia brasileira. Claro que temos gloriosas exceções, como Embraer, WEG e Marcopolo. Mas precisaria de muito mais. Eu estava vendo um dado de empresas que valem 1 bilhão de dólares. Nos Estados Unidos há 1.500 empresas de 1 bilhão de dólares de valor, no Brasil há 50 empresas. Então, o sistema empresarial brasileiro ficou para trás. Ficamos muito especializados em produzir commodities. Para um país que é rico em commodities, há sempre essa tendência, essa vocação, mas o nosso desafio continua sendo de produzir indústria e tecnologia, o único caminho para o desenvolvimento econômico. Na verdade, não só por um desenvolvimento industrial, mas também de serviços sofisticados, serviços empresariais: marketing, design, TI, programação, engenharia, que caminham junto com a indústria. Os serviços tradicionais vão bem: restaurante, loja, shopping, padaria, mas não é isso que desenvolve o país. O que desenvolve é o serviço sofisticado. Então, pense no sucesso da Embraer, que é um exemplo bem prático. A Embraer só foi feita porque o Estado brasileiro quis fazer a Embraer, depois o BNDES ajudou e, depois, os executivos que assumiram a empresa foram extremamente competentes. Então, é pensar nesse desenvolvimento industrial e de serviços. Temos um ecossistema de inteligência artificial, de startups, que é interessante. O Brasil está entre os dez mais importantes do mundo nisso, mas precisa subir essa escada tecnológica. Não adianta ficar falando de agro, agro, agro e soja e minério de ferro e petróleo. Não é isso que vai desenvolver o país. O que vai desenvolver o país é tecnologia brasileira, serviços sofisticados brasileiros e indústria brasileira. É isso.