Consumidor na era dos dados vira protagonista

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Mauricio Vargas é presidente do Reclame Aqui: queixas, pesquisas e consultas comparativas

O consumidor é o personagem essencial para a materialização das estratégias mercadológicas. E a publicidade é o agente do marketing que emula negócios, mas na era do business intelligence parece que o foco é identificar formas de abordagem para fomentar o volume vendas.

Muitas marcas, inclusive, usam o dia do consumidor, celebrado nesta quinta-feira (15), para fazer promoções e ofertas de preço. A relação é unilateral e consumidor não é apenas um algoritmo. Ele está acima de ser alvo para cumprimento de metas.

O respeito que tanto merece não pode ser medido pelo atendimento que recebe na maioria SACs (Serviço Atendimento ao Consumidor) das empresas, demorados, burocráticos e oportunistas. Na era da inteligência artificial, máquinas dialogam de forma robotizada sem inteligência emocional.

Mas, talvez com o chatbots, as empresas possam otimizar o atendimento debilitado e responder de forma tailor made, mesmo que a demanda seja recebida por meio de máquinas. Afinal, mesmo quando ocorre a interação com humanos, o cliente sofre com respostas prontas e soluções quase sempre adiadas e, quase sempre, nunca resolvidas. O segmento de telecomunicações lidera as reclamações no Procon. Mas a instituição exibe no seu site que os índices de soluções ultrapassam os 85%.

O Reclame Aqui contabilizou mais de 12 milhões de reclamações em 2016. Os principais motivos foram atraso na entrega, cobrança indevida, mau atendimento e propaganda enganosa. Maurício Vargas, presidente do Reclame Aqui, diz que o site recebe 700 mil visitas únicas por dia, sendo 30 mil registrando uma reclamação, 136 mil para decisão de compra e o restante com foco em pesquisas e formação de opinião sobre determinado produto ou serviço.

“Além disso, segundo o Alexa, é o 5º site brasileiro mais acessado do Brasil e, só em 2017, recebeu mais de 107 milhões de acessos e 1 bilhão de páginas visitadas. As categorias que lideraram o número de reclamações no site em 2017 são as lojas virtuais, operadoras de telefonia e bancos”, enfatiza Vargas.

O presidente do Reclame Aqui diz ainda que o consumidor não se contenta mais com uma boa propaganda. O novo comportamento do consumidor se reflete na hora em que ele pesquisa no Reclame Aqui, quando procura outras reclamações ou questiona o atendimento da empresa com pessoas de confiança. “Se antes o cliente tinha atitudes mais passivas na relação, consumindo tudo que o marketing que as marcas ofereciam, hoje ele tem o poder de avaliar e compartilhar o atendimento das empresas. O relacionamento entre consumidor e empresa está cada vez menos unilateral”, sustenta Vargas.

Ele diz mais: “O brasileiro acompanha as novas tendências, novas tecnologias e, por isso, está cada vez mais exigente. Este emponderamento do consumidor o deixa mais preparado também para cobrar cada vez mais seus direitos. Há anos, ninguém mais tem tempo para ligar em um 0800 de uma empresa.  O cliente que tiver um problema quer um bom atendimento, seja via redes sociais, telefone ou pelo Reclame Aqui, contanto que seja rápido.”

Dados

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Aurelio Lopes, CEO da FCB, acredita que há evolução, mas relação precisa ser aperfeiçoada

Especialista em CRM (Customer Relationship Management), o executivo Aurelio Lopes, CEO da FCB Brasil, faz uma reflexão sobre o assunto: as empresas não maltratam o consumidor porque querem, mas por falta de um aprendizado mais profundo na relação.

“O CRM é o olhar individual, one to one para gerar serviços e valor agregado. A publicidade fala com todos e com origem nas marcas, que podem até se comunicar parecendo que está falando individualmente. É um processo que está engatinhando. Mesmo tendo pessoas no atendimento, os SACs são ruins, porque não têm liberdade para resolver de fato. É muito chato humanos parecerem robôs. Sim, os consumidores são maltratados porque não existe maturidade para enxergar o indivíduo e eles não podem ser exclusivamente alvo de vendas. Há crise no Brasil, os mercados são orientados pelas bolsas e existe muita pressão de vendas a curto prazo. Quando a qualidade é deixada de lado, o consumidor vira algoritmo”, destaca Lopes.

A tecnologia ajuda na compreensão do consumidor. Nas palavras de Fernando Guntovitch, presidente da The Group, as ferramentas de BI permitem uma comunicação mais simples e rápida.

“O consumidor é o grande protagonista na relação marca x cliente, por isso, torna-se essencial que esse personagem principal seja compreendido e que os serviços/produtos das empresas sejam adequados às suas necessidades. Além disso, a comunicação fácil e integrada possibilita uma aproximação entre as marcas e os seus consumidores. Hoje, por exemplo, marcas utilizam o WhatsApp para fazer contato. O consumidor nunca deve ser enxergado apenas como um alvo de vendas. Sem dúvida, é o grande protagonista dessa cadeia de negócios”.

 

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A The Group, de Fernando Guntovitch, consumidor é o protagonista

O professor Roberto Kanter, da Fundação Getúlio Vargas, enxerga que indústria está no passo inicial na relação direta com o consumidor, função que terceirizou historicamente para o varejo.

“Vejo mudanças interessantes. A indústria de bens de consumo precisa dos canais indiretos para que o varejo venda seu produto. Portanto, ela naturalmente precisa empurrar goela abaixo os seus produtos para o consumidor, o que significa observá-los pelo ponto de vista numérico. É uma cultura viciada porque a indústria vende volume e o varejo o picado. Então, o varejo trabalha mais o CRM e a indústria olha o consumidor como um percentual de mercado. Mas há mudança no ambiente da indústria. Hoje é cada vez maior o número de lojas de fábrica como as da Samsung, Apple, Hering e Havaianas. Essa mudança na cultura implica em romper com tabus buscando mais o CPF e menos número”, raciocina Kanter.

 Chairman da Z+ e presidente da 3ª Câmara do Conar (Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária), Armando Strozemberg observa que a tecnologia está provando que “marcas e consumidores permanecem, na sua essência, figuras estranhas uns aos outros”.

Strozemberg prossegue: “Portanto, a relação entre eles pode – e deve – ser sempre objeto de aprofundamento. As marcas sabem cada vez mais sobre os hábitos do dia a dia e a respeito da geolocalização dos consumidores; estes nunca foram tão convidados a avaliar a imagem das marcas quanto hoje. Mas o que a tecnologia – muito pelo contrário! – ainda nem chegou perto de inventar é meu desejo utópico: a recriação nesta nossa era virtual de um diálogo analógico olhos nos olhos entre produção, distribuição e consumo de antes. Como, por exemplo, uma plataforma digital que permitisse com um simples clique praticar ao vivo o ato comercial fundador: prazer da venda X desejo da compra”.

 Miopia

Na avaliação de Leo Xavier, CEO da Pontomobi, a maior miopia das empresas é não se atentar a evolução de seu core de produtos e serviços ao nicho de mercado que atuam.

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Xavier: “Maior miopia das empresas é não se atentar a evolução de seu core”

“A tecnologia nos permite criar serviços e experiências de altíssimo valor, por endereçarem problemas e dores da vida real e, assim, dialogar diretamente e unicamente com cada consumidor. Portanto, a miopia é não se atentar a evolução de seu core de produtos e serviços ao nicho de mercado que atuam. O discurso corrente e óbvio é o de que dados se tornaram a mais valiosa moeda na relação marca-consumidor. Porém, é preciso compreender que atrás de cada dado, cada pixel, há uma pessoa. Pensando além da perspectiva de mídia, a compreensão dos hábitos e vontades do consumidor permite a criação de produtos, serviços e conteúdos mais pessoalizados, contextualizados e, portanto, mais valiosos. Basta notar o volume de novas start-ups que brotam diariamente com propósito de melhorar a vida das pessoas”.

Especialista em direito do consumidor no escritório Machado Rodante Advocacia, o jurista Leandro Reimberg chama a atenção para o aspecto legal. “É uma questão de prioridade da companhia resolver questões mais emergenciais, mas a propaganda enganosa pode ser objeto de ação judicial, inclusive de crime ao consumidor”. 

Protagonista

O consumidor não pode mesmo ser considerado apenas um alvo de vendas. A recomendação é de Raquel Messias, vice-presidente de estratégia da Grey Brasil.

“Existem diversos equívocos que as marcas cometem, mas acredito que um dos mais recorrentes é ser uma marca autocentrada, ou seja, uma marca que empurra produtos e serviços conforme os seus interesses de produção e venda, e não de acordo com as necessidades e desejos não atendidos das pessoas. Pode parecer clichê e antigo, mas até hoje é necessário repetir que o desenvolvimento de qualquer iniciativa deve ter o consumidor no centro. Caso contrário, as iniciativas se tornam paisagem num mundo cada vez mais sobrecarregado de campanhas, produtos e conteúdos comoditizados e irrelevantes”.

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Raquel Messias, da Grey, enfatiza equívocos que as marcas cometem

Raquel diz ainda que “além disso, outro equívoco recorrente no mercado é o pensamento de curto prazo que prioriza iniciativas que se convertam rapidamente em resultados imediatos ao invés de iniciativas que ajudem a construir uma conexão mais duradoura e relevante com os seus consumidores”.

 Para avançar, como propõe Luiza Baffa, business innovation da AKQA, o consumidor assumiu papel de protagonista na relação com as marcas. Mas elas podem ser mais colaborativas se estiverem dispostas a ouvir. “E aplicar em seu dia a dia o que foi pedido pelo consumidor já seria o principal avanço em direção a uma relação mais colaborativa por parte das marcas”.

Professor do programa de mestrado profissional em comportamento do consumidor, Ricardo Zagallo Camargo recomenda que “é importante lembrar que o relacionamento entre empresas/marcas e pessoas é diferente do relacionamento entre pessoas. No relacionamento de consumo a ênfase deve estar mais na resolução de problemas e na transparência de interesses”. 

“A alta capacidade disponível para armazenamento de dados, conjugada com a aplicação de algoritmos e inteligência artificial traz a possibilidade de insights muito relevantes sobre o comportamento dos consumidores”. A expressão é de Alessandro Cosin, CEO da Cosin Consulting. Ele acrescenta. “O algoritmo deve existir para entender melhor os consumidores e, consequentemente, estreitar o vínculo. Sem dúvida, existe o risco da clusterização, onde os consumidores são agrupados em poucas personas e muitas vezes não se sentem conectados e inspirados com a marca por não se identificarem com campanhas, promoções ou ofertas. O grande diferencial da tecnologia é permitir a relação one-to-one, mas, para isso, é preciso ir a fundo em termos de dados e analytics”.

Filtro

Felipe Luchi, CCO e sócio da Lew’LaraTBWA, considera a tecnologia é uma via de mão dupla, inclusive para espionar hábitos e preferências dos consumidores.

“Mas eles estão fazendo o mesmo conosco. Pesquisam e trocam entre si informações sobre as marcas e os produtos usando a tecnologia. Essa avalanche de dados exige dos profissionais um preparo maior para entender e filtrar tanta informação que chega até nós. E a mesma quantidade de talento para fazer com que o que chega até o consumidor sobre as nossas marcas tenha mais relevância e significado. Eles possuem hoje uma compreensão muito mais profunda sobre os produtos que escolhem”.

 

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Hugo Rodrigues, da WMcCann, recomenda uso criterioso da tecnologia

Na verdade, com tecnologia ou não, o consumidor espera que a gente já entenda mais dele. Ele quer que tenhamos um diálogo de forma mais clara, que façamos mais sentido na vida dele. É preciso ter cuidado, porque a tecnologia, com todos os seus dados, agrupamentos, composição de perfis, clusters etc pode passar essa falsa ideia de que estamos mais próximos do consumidor. Mas, se as pessoas estão se permitindo deixar todos esses estereótipos de lado (e há muito tempo!), não são as marcas que devem aprisioná-las novamente. Temos de ter humildade e entender que precisamos avaliar sempre se realmente estamos entendendo o consumidor, porque a tecnologia dá a sensação de proximidade com ele quando, na verdade, podemos estar ainda mais distantes. Temos de ter um papel antecipador. Podemos e temos de participar do discurso com o consumidor. A massa não é mais a resposta e as pessoas estão exigindo que as marcas entendam isso e as entendam melhor. Então, a tecnologia pode, sim, ajudar as marcas a melhorar a relação com o consumidor, desde que possam fazer sentido na vida das pessoas em um nível mais profundo”, explica Hugo Rodrigues, chairman e CEO da WMcCann.

 “A interatividade das marcas com seus consumidores está gerando uma relação muito mais intensa. As marcas e clientes estão se tornando cúmplices, tendo muito mais sintonia de propósito. Basta ver a quantidade de produtos e serviços que vem sendo criados ou aprimorados, a partir da escuta dos clientes. Toda a cadeia produtiva ganha com isso, sobretudo, os consumidores que, de fato, se tornaram o centro da atenção”, finaliza Sumara Osório, chief stragety officer da VML.