Consumidores ditam rumo das marcas
“Marca é como o rosto da mãe, é simplesmente intocável”. Com essa expressão, o executivo Ivan Zurita, ceo da unidade da Nestlé no Brasil, resumiu a importância das marcas na gestão empresarial. Na sua visão, é o principal ativo de um negócio, o único capaz de remunerar os acionistas e atender as demandas da cadeia de stakeholders. Para Zurita, as marcas pertencem aos consumidores porque eles ditam o seu comportamento, evolução, inovação e renovação. E os valores intrínsecos dessas marcas devem ser respeitados, mais até do que decisões gerenciais. Ele citou como exemplo a Garoto, adquirida pela Nestlé em fevereiro de 2002, mas em nenhum momento da transação se falou no valor da marca, mas na valorização dos ativos, estrutura industrial, estoque, armazéns e patrimônio de um modo geral, clientes etc.
“Se o processo de branding estivesse na pauta, o valor do negócio seria outro. Felizmente não se tocou no assunto porque três meses depois a Garoto já era líder em sorvetes no Espírito Santo, estado que abriga sua sede”, destacou Zurita, há 35 anos na Nestlé e sem planos para aposentadoria. “Principalmente agora que a operação brasileira superou a da França, antes a maior do mundo. Ano passado fiz uma aposta com meu colega francês e acabei de ganhar”, acrescentou, enfatizando que o trabalho de construção de marca deve envolver uma guerra permanente entre o tangível e o intangível. Isso significa que marcas embutem um conjunto de percepções, sensações e sinergias entre elas e os consumidores. Nas palavras de Zurita, “marcas precisam traduzir uma visão que possa ser comunicada e entendida”.
Não é por outro motivo que a Nestlé investe anualmente R$ 350 milhões, valor confirmado por Zurita, em comunicação mercadológica e institucional, budget que também envolve patrocínios, promoções, eventos e apoios a atletas como Maurren Maggi, patrocinada pela linha Sollys. As agências que prestam serviços à Nestlé são a WMccann, Publicis Brasil, JWT e Giovanni+Draftfcb. “São recursos para promovermos uma maquiagem permanente, não para disfarçar, mas para incorporar novos valores sob demanda dos consumidores. Eles são como uma voz para as nossas 79 marcas: se alertam é porque deve-se tomar uma atidude”, disse Zurita, lembrando da evolução da marca Leite Moça nos seus 90 anos de mercado. Ela foi lançada no mercado brasileiro com a identidade de MilkMade, mas com a silhueta de uma moça na embalagem. No Brasil, logo passou a ser chamada pelo público de leite da moça devido a dificuldade da pronúncia na época. “Logo a Nestlé percebeu que deveria mudar o rótulo e o nome, Assim surgiu o Leite Moça, que regularmente tem seu design revisado para atender as demandas da evolução. Hoje esse produto vende uma lata no País a cada sete segundos”, ilustrou o ceo da Nestlé.
Nascau2.0
O trabalho de construção de marca é interminável, permanente e mutante. Para ter essa flexibilidade é necessário ficar atento às várias origens da informação, mas a principal delas, enfatiza Zurita, é a participação do cliente. Criado em 1960, o Serviço de Atendimento ao Consumidor da Nestlé é tratado como ferramente de pesquisa para todos os escalões hierárquicos da companhia. São mais de dez mil ligações por dia. Algumas delas mudam a gestão de uma marca. Zurita lembra do lançamento do Nescau 2.0, uma linha turbinada que se distanciava do sabor original. Os consumidores reclamaram e postaram mais de 60 mil mensagens: “Quero meu Nescau de volta.” Para Zurita, para lançar um produto, a Nestlé precisa ter a garantia de pelo menos 60% de aprovação dos consumidores, senão insiste-se em formulação para se adequar às necessidades do usuários.
“Tivemos um erro grave na composição da amostra que extraiu as opiniões que ajudaram a moldar o Nescau 2.0, mas ela estava errada. Assumimos o erro e informamos ao mercado a retomada do sabor original. A resposta dos clientes foi rápida e a linha 2.0 ganhou vida própria. O cliente não queria alteração do sabor, mas admitia que a família do produto tenha nova fórmula para atender uma especificidade”, observou Zurita, enfatizando que Nescau chegou ao Brasil em 1932 e tinha apenas três concorrentes. “Hoje são mais de 150. Naquela época fizemos uma ação promocional que fez o maior sucesso. Dava louças de presente aos compradores, uma ação da JWT, nossa agência desde essa época quando Nescau se escrevia Nescao”, acrescentou.
Para Zurita, não se pode fazer concessões na defesa de uma marca. Nem mesmo ao governo. Fiscais da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sugeriram à empresa que imprimisse na embalagem do produto Alpino Fast que ele não continha o chocolate Alpino na sua composição. A legislação exige que para um produto ser tratado como líquido ele precisa ter 51% da sua fórmula nesse estado. “Eles achavam que deveríamos escrever que Alpino Fast não tinha Alpino sólido, uma mentira. Fomos à justiça e ganhamos. Seria um mau exemplo se concordássemos com essa imposição. Uma marca não merece isso”, justificou o executivo. Ele acrescenta: “Com essa determinação, aumentamos as vendas em 30%. Estamos presentes em 98% dos lares brasileiros. Não poderíamos deixar que um débil mental afrontassem
a inteligência de 170 milhões de brasileiros”.
Guardião
Ser guardião de uma marca não é responsabilidade apenas do marketing, mas um comportamento que deve impregnar uma organização inteira. Na Nestlé, Zurita chama essa responsabilidade para a sala da presidência. “Todas as campanhas são aprovadas democraticamente por mim. Busco a orquestração temática. Nossa comunicação deve frisar que somos uma empresa de alimentos. Outro dia lançamos uma linha premium enriquecida de Ninho apenas com entrevistas à imprensa. Por quê? Porque é uma marca que tem a credibilidade das pessoas. Temos que seguir nosso mantra que é Good food. Good life. Qualidade não é valor agregado, é questão de obrigação”, ele afirmou.
O ceo da Nestlé também destacou na sua explanação na primeira edição do Fórum de Marketing Empresarial o papel do Brasil no cenário pós crise internacional. “Enquanto o resto do mundo optou por socorrer bancos, o Brasil estimulou o consumo. O Brasil sai fortalecido no sentido de ter uma exposição internacional maior. Teve a oportunidade de mostrar uma nova cara de País. A reação foi rápida. Nosso DNA, além de Leite Ninho no sangue, é de crises de todos os tipos. Para estimular o consumo, o governo reduziu impostos e não travou nenhum segmento econômico. Estudos que encomendamos indicam que as classes populares formam uma nova massa de consumo que faz a diferença. Com o pós crise a velocidade do mercado mudou. Quem não entendeu que trabalhar no limite das decisões requer respontas rápidas e inquietação dinamismo. Dentro desse contexto as marcas passam a ter papel de muitíssima importância. Uma marca não é apenas um nome ou uma forma prática de representação. Elas têm vida. Não existe mais aqueça zona de cornforto no qual a indústria determinava tudo. Essa zona de conforto acabou”, disse.
Mídias sociais
Como permitem diálogo automático, pró ou contra, com uma simples mensagem no Twitter, por exemplo, as mídias sociais devem ser estudadas e estar na pauta das empresas, Na Nestlé já está disponível o serviço de SAC por SMS, sistema que Zurita destaca com orgulho. O formato também vai permitir que consumidores peçam informações em tempo real diretamente dos PDVs, no ato da compra, já em teste no Walmart.
Distribuição
Logística organizada é vital. A Nestlé tinha 13 centros de distribuição, agora tem apenas três e melhorou sua eficiência de entrega. Como estoque é caro, passou a armazenar produtos até uma semana diretamente nos 4.500 caminhões da frota própria, tempo para a mercadoria sair da fábrica e chegar ao seu destino final. Em alguns casos, os caminhões vão direto da fábrica para os PDVs. São transportadas 14 milhões de toneladas de produtos Nestlé por ano no Brasil.
por Paulo Macedo
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