Classe média associa consumo ao sucesso
Fernanda Hoefel, que liderou o estudo, diz que o que mais chama atenção é o quanto o consumo representa o papel central na vida da classe média, associado a bem-estar e sucesso.
Acompanha essa tendência o alto endividamento e a pouca intimidade com planejamento financeiro. O baixo nível de educação financeira resulta na falta de traquejo com a organização das finanças e onde melhor aplicar dinheiro. Fernanda aponta para o fato, por exemplo, de que boa parte desse grupo ainda acredita que endividar-se no cartão de crédito é melhor negócio do que eventualmente financiar um bem junto ao banco. Paga, sistematicamente, o valor mínimo das faturas, transformando prazer em pesadelo. Um total de 61% das pessoas da classe média possuem cartões de crédito e pelo menos metade das transações é usada para pagar bens de consumo como produtos eletroeletrônicos, roupas e livros. Pelo menos 27% dos usuários de cartão não têm condições de pagar as dívidas que fazem, e 20% estão com o nome na lista Serasa/SPC. Pelo menos 12% já tiveram de renegociar dívidas de empréstimos em bancos.
O sonho do carro e da casa própria permanece – mas não há, por parte desse grupo, ações concretas de planejamento para realizá-lo. O Brasil está em sexto lugar entre os países mais “poupadores”, lista encabeçada pelo China, Estados Unidos e México.
“Ainda existe a percepção de que o produto mais caro do mercado é o financiamento de imóveis”, destaca Fernanda.
A educação cresce como aspiração para a classe média brasileira. Hoje 42% dos investimentos em educação – leia-se cursos universitários, programas de intercâmbio e cursos de língua estrangeira – vêm da classe média. Na última década o número de estudantes nas universidades brasileiras cresceu 77%, chegando a 6,2 milhões, sendo que dois terços pertencem à classe média. Outra aspiração é um plano de saúde privado, em geral uma despesa alta demais, o que resulta no uso eventual de médicos privados, mas a visita mais frequente ao SUS, especialmente para realizar exames.
É cultural. O brasileiro é, em geral, consumista. Nunca teremos hábitos semelhantes aos da Alemanha, naturalmente. Aqui, para o bem e para o mal, consumir mais é sinal de que a vida melhorou. O consumo é um retorno de todo o esforço. O consumo se sofisticou, o que levou redes de varejo mais populares como a Riachuelo a lançar coleções assinadas por grifes como Versace, por exemplo. Não por acaso shopping centers são um fenômeno no Brasil, atraindo a classe média ávida por lazer – e bens de consumo, naturalmente.
Aparência e beleza é essencial. Há maior preocupação, no entanto, com a aquisição de cosméticos e produtos de beleza em geral do que com alimentação saudável e prática de exercícios.
Mobile é a grande oportunidade
Já são 40% de pessoas da classe média conectadas ao mundo virtual via smartphones. O crescimento médio de aquisição de acessos mobile por ano, entre 2008 e 2013, foi de 110%. Fernanda diz que os smartphones são um item fortemente aspiracional para esse público, substituindo o famoso tênis da Nike de outros temos.
“São pessoas que passam muito tempo fora de casa, em transportes públicos, e para quem a mobilidade é muito importante, além do aspecto social”, diz.
Os hábitos virtuais se assemelham aos dos jovens conectados. Eles usam mais redes sociais como WhatsApp e Facebook do que e-mail e têm grande afinidade com vídeos. Para eles, internet é contato social e o espaço perfeito para obter informações confiáveis sobre produtos e serviços, em geral através de indicações de amigos.
Fernanda diz que as empresas precisam ficar atentas às oportunidades que essa imensa classe média representa, em especial nesse momento de crise. Se por um lado há categorias sofrendo mais fortemente as consequências da recessão, como automóveis, mas na de alimentos há inúmeras oportunidades. Por maior que seja a crise, consumo é sinônimo de bem-estar, indulgência e aceitação social. Além disso, o povo brasileiro permanece entre os 10 mais otimistas do mundo. É essencial ficar atento a bolsões de crescimento em determinadas regiões, cidades, categorias, sub-categorias, canais de varejo, e adaptar suas estratégias.
“A importância da marca cresce em épocas de crise, quando a necessidade de fazer escolhas aumenta. Arrisca-se menos. Há muitas nuances que podem trazer oportunidades para as empresas”, afirma Fernanda.
Outra decisão importante é não mais enxergar a classe média como um grupo homogêneo de pessoas, mas um grupo de pessoas com aspirações semelhantes em alguns aspectos, e diametralmente opostas em muitas atitudes e comportamentos.