Conteúdo é mais do que tendência

 

Aos 45 minutos do segundo tempo, Maurício Mota, COO e cofundador da The Alchemists, foi anunciado como jurado da categoria Branded Content & Entertainment, no Cannes Lions 2014. Mota faz parte da quarta geração de uma família de contadores de histórias. Neto de Nelson Rodrigues, se aprofundou no mundo das marcas na Thymus, de onde seguiu para o planejamento da F/Nazca S&S. Há seis anos, nova virada: montou em Los Angeles a The Alchemists, uma produtora focada em conteúdo multiplataforma, em parceria com Mark Warshaw, produtor de séries como “Heroes” e “Smallville”. Antes de sua estreia no júri de Cannes, Mota conversou com o propmark, e disse que usará os ensinamentos de Ulysses Guimarães: uma boca e duas orelhas, para ouvir em dobro e falar pela metade. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Grande ideia
“A categoria é uma grande ideia que nasceu lá atrás, quando a série de filmes ‘The Hire’, criada pela Fallon dos Estados Unidos para a BMW, inspirou a criação da competição de Titanium. Ali acredito que começou um movimento cultural forte de entender que as marcas deveriam voltar a investir em conteúdo mais intensamente. Digo voltar porque branded content não é novidade: já existia no rádio, nas tais das soap operas. Acredito que a categoria deva premiar os projetos que contam uma boa história, têm a ver com a visão da marca, causaram algum tipo de mudança, seja cultural ou mercadológica, e tiveram audiência razoável. Boa ideia vista por 15 pessoas não é boa ideia.”

O festival
“Cannes é um dos grandes termômetros da metamorfose ambulante do mercado e tem se reinventado bastante: categorias novas, melhores palestras, um lado forte de educação. Mudaram de um festival para uma plataforma de conteúdo.”

Experiência
“Eu vou há quase 10 anos para o festival. Virou aquele lugar mágico em que, por uma semana, você cruza com pessoas criativas do mundo inteiro. Uma Torre de Babel bastante sofisticada em que me divirto com as semelhanças e com as diferenças. Fizemos uma grande apresentação de nossa produtora em Cannes, foi bem importante.”

Ser jurado
“É um sonho realizado, mesmo. Porque não tem a ver com ego, tem a ver, para mim, com estar no radar da indústria e por ter feito algo relevante, concreto e tangível para apitar na tela deles e eles dizerem: ‘Pô, é uma boa trazer esse cara para ser jurado, ele pode contribuir’. A minha expectativa é aprender com pessoas bem melhores do que eu e entender como outros países contam e produzem suas histórias.”

Critérios
“Já participei de muitos laboratórios de desenvolvimento de séries – que têm modelo parecido com o dos júris – e fui o jurado brasileiro no Festival of Media, em Valência (Espanha). Meu pai foi político comunista no interior da Bahia, onde eu cresci. Por 14 anos. Sem ‘tomar um tiro’, só fazendo coisas boas e ouvindo muito. Então eu vou seguir os ensinamentos dele aprendidos com Ulysses Guimarães: uma boca e duas orelhas, para ouvir em dobro e falar pela metade. Pretendo respeitar as decisões coletivas e escolher minhas lutas nos projetos que achar que merecem algo.”

Papel do presidente
“Imagino que seja intenso e trabalhoso. E deve rolar uma coisa meio ‘House of Cards’ misturado com ‘Game of Thrones’. Mas o cara que é presidente do nosso júri (Doug Scott, fundador e presidente da Ogilvy Entertainment) é escolado, com larga experiência e faz parte de um grande grupo de agências, que é o Ogilvy. E ele já realizou muita coisa, criou case. Então isso ajuda.”

GP
“Beauty Inside (criado pela Pereira & O’Dell, agência americana do brasileiro Grupo ABC para Intel + Toshiba) colocou o sarrafo lá em cima e mostrou para todos nós o seguinte: pessoal, dá para fazer conteúdo original, incrível, com cara de história, cheiro de história e com bons personagens. E a marca aparecendo bem e contextualizada.”

As agências
“As agências estão chegando, tanto no Brasil quanto nos EUA. Ninguém mais é bobo e as agências, guardiãs das marcas, estão se aliando às produtoras e realizadores certos para colocar as ideias em pé. E os clientes, consequentemente, estão ficando mais seguros de tomar esse caminho.”

Produção brasileira
“A nossa produção já é de nível internacional. Vejo isso trabalhando com canais de TV, agências e marcas. E acho que os shortlists provaram que estamos aprendendo a contar histórias para marcas de forma cada vez melhor. Desde que fui chamado para o júri tenho estudado diariamente o que tem acontecido, vendo cases. Mas depois de um ano como 2013, quando o Brasil conquistou seis Leões na área (sendo dois de ouro), a tendência é melhorar.”

Ser criativo
“É ser um bom contador de histórias, tanto para a narrativa quanto para a marca. Esse equilíbrio é dificílimo.”

O futuro
“O futuro dessa área é que as marcas entenderão finalmente que são canais de distribuição e produção de conteúdo. E as agências serão as responsáveis – junto com as produtoras – por fazer a curadoria e produção desse conteúdo. O que vai para TV, o que vira livro, o que vira conteúdo de marketing, o que vira filme. As marcas precisam passar a pensar mais como estúdios de produção de conteúdo e propriedades intelectuais. Por isso acho a discussão entre ABA e Apro tão importante para o futuro da área.”

Oportunidades e desafios
“Somos um dos países mais viciados do mundo em histórias. Da telenovela ao YouTube, às séries pirateadas. Isso quer dizer que existe demanda por mais conteúdo. E as pessoas não querem saber se é de um canal de TV, ou da Coca-Cola, ou do Itaú. Elas querem conteúdo bom e, principalmente, em vídeo. Acho que a nova lei da TV por assinatura é uma oportunidade única para marcas e agências. Falarei sobre isso na minha palestra no Brazilian Day, no próprio festival de Cannes. Acho que o problema principal enfrentado é a falta de diálogo aberto: canais, marcas, produtoras, roteiristas precisam estar mais abertos para novos modelos e novos formatos. Eu não teria feito a nossa série ‘East Los High’ nos Estados Unidos, toda bancada por marcas, se não tivesse esse diálogo com todos. E até hoje ela está no top 10 americano. Uma série bancada por marcas. Podemos fazer o mesmo no Brasil.”

Mais do que tendência
“Os papéis estão mudando muito e vejo o conteúdo sendo mais do que tendência. Acho que todos nós temos que pensar mais narrativa dentro do conceito da campanha, pois as duas se enriquecem assim.”

Prêmios
“São importantes porque servem como um dos indicadores de excelência e inovação de uma indústria.”

A boa narrativa
“Faço parte da quarta geração de uma família de contar histórias. Bisavô jornalista, avô Nelson Rodrigues, mãe jornalista, escritora e roteirista. Então fazer medicina ou engenharia era meio difícil de passar pela minha cabeça numa casa em que se comia, bebia e sonhava livros, peças e outras histórias. Aos 15 anos, comecei uma empresa com a minha mãe, chamada Autoria C, baseada num jogo de contar histórias que criei a partir de sua tese de doutorado. Comecei vendendo o jogo de porta em porta em favelas e escolas públicas em todo o Estado do Rio de Janeiro. Hoje o jogo está em quatro mil escolas e virou uma rede social para adolescentes aprenderem a escrever melhor. Comecei na área fazendo a ponte entre produtores de cinema e marcas para integração nos filmes e nas plataformas ao redor deles (marketing, promoções, eventos, digital). Depois fui para a Thymus, onde aprendi tudo sobre essência de marca; logo após fui ser planner na F/Nazca S&S, onde aprendi o tamanho que uma marca pode ter num modelo de escala; e na área de Novos Negócios da New Content, aprendi bastante sobre merchandising e sobre como as marcas estavam começando a lidar ao serem inseridas em conteúdos dos canais. E e em função do jogo que criei, fui chamado para ir ao MIT, nos Estados Unidos, para participar de um evento sobre o futuro do entretenimento. E minha vida mudou completamente: resolvi montar uma produtora focada em conteúdo multiplataforma com o outro fundador, Mark Warshaw, produtor de ‘Heroes’ e ‘Smallville’. Sou um melhor produtor, pois vi toda a cadeia por trás de uma campanha, mas também crio melhor para marcas, pois tenho um forte pé na boa narrativa.”