Conversa de bar

Os bares estão começando a abrir. Com a necessária cautela, distanciando uma mesa da outra, limitando o número de fregueses. Não sei se terei coragem de ir a qualquer um dos (tantos) que frequentei até fevereiro deste ano.

Pelo que tenho lido e ouvido, estão abrindo estabelecimentos comerciais que servem repasto e alguma bebida, evitando proximidades entre os fregueses. E com horário! Prefiro sinceramente ficar em casa. Bar, para mim, é o oposto do que estão permitindo. O oposto.

Bar, para mim, é aglomeração, é se ir chegando e receber o convite: “senta aí, cara!”. O bar é um lugar de histórias, onde a capacidade de contar causos e de apreciar bebidas são requisitos fundamentais.

Pode-se até apoiar Bolsonaro, desde que o faça com talento e humor. O que, de certa forma, parece impossível.

Mas não há impossíveis em mesa de bar. Esta história, passada no Fiorentina, a pizzaria mais com cara de bar que jamais existiu, envolve Daniel Filho, Edu da Gaita, Aurimar Rocha, Paulo Pontes, Portinari, Pedro II e… Lampião.

É a seguinte, amiga leitora, caro leitor. Estavam à mesa Daniel Filho, Edu da Gaita, Aurimar Rocha e Paulo Pontes, cada um relembrando histórias da infância.

Os trabalhos foram devidamente abertos com o Daniel contando que uma vez sua bisavó foi convidada para montar um dos cavalos de D. Pedro II, na Hípica Imperial, e, enquanto a senhora evoluía pela pista, o imperador gentilmente carregava o filho dela, futuro avô do narrador.

O melhor de tudo é que o garoto a certa altura fez um alegre xixi na roupa de D. Pedro II, que teve de mandar pedir no palácio outra calça de montaria.
Ou seja: o avô de Daniel, com seis meses de idade, já se revelava um republicano convicto, capaz de colocar o imperador numa situação delicada.

O Paulo Pontes, com a cara amarrada de nordestino bravo, vestindo umas sandálias de couro parecendo figurante de filme de cangaceiro, ouvia com expressão de infinita tristeza.

Daí o Edu da Gaita contou que tinha feito uma música sobre um poema de Pablo Neruda e, quando tocou para o Portinari, Candinho ficou tão encantado que fez imediatamente um quadro inspirado na composição.

E o Neruda, mais tarde, conhecendo a música e a história, assinou com Pilot sobre o quadro, agradecendo a lembrança dos dois. Ou seja: Edu tinha em casa um quadro de Portinari com autógrafo do Pablo Neruda. Paulo Pontes ouvia calado.

Daí Aurimar Rocha contou que quando era menino morava na Rua Paissandu, caminho habitual de Getúlio Vargas indo para o Palácio do Catete.

Aurimar garantiu que, toda vez que o presidente passava, ele ficava em posição de sentido, batendo continência. E Getúlio retribuía a saudação, também solene. E, em seguida, o garoto e o ditador trocavam umas ideias. E Paulo Pontes cada vez mais acabrunhado.

Quando chegou a vez dele contar sua história, não pareceu encontrar nada de empolgante. Ficaram todos esperando ele cavoucar na memória alguma coisa à altura de um imperador mijado, um quadro de Portinari autografado pelo Neruda ou do garoto amigo do Pai dos Pobres.

Depois de muito tempo pensando, Paulo pediu mais uma birita, olhou o mar, pigarreou, acendeu um cigarro e começou: “Eu tenho um primo, lá na Paraíba, que comeu o cu do Lampião…”

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)