Na última semana, uma paródia do premiadíssimo “Dumb ways to die” – trabalho da McCann Melbourne para o metrô da cidade australiana que ganhou nada menos que cinco GPs no Cannes Lions 2013 – ganhou uma paródia brasileira que teve rápida viralização, principalmente dentro do mercado publicitário, com a ajuda das redes sociais. Intitulado “Dumb ways to die in Rio”, o vídeo utilizava a mesma linguagem de animação e trilha do case original, mas com adaptação de imagens e letra – cantada em inglês e legendada em português – indicando os “riscos” vividos no Rio de Janeiro.
A qualidade de produção logo indicou que o trabalho teria bons profissionais por trás – e não demorou a aparecer o nome dos redatores Daniel Thomer e Thiago Morales e dos diretores de arte Marcos Siqueira e Renan Rivero como responsáveis pela criação, além da Silence, em trabalho de Daniel Lopes, Dudu Lopes, Mario Gennari e voz de Luiza Souto, na produção. Em menos de cinco dias de divulgação, a paródia chegou a 500 mil visualizações no YouTube.
“A ideia nasceu quando a gente resolveu fazer uma paródia de um grande sucesso da publicidade mundial (o “Dumb ways to die”) para levantar questões importantes do Rio. Não temos ligação com nenhum grupo político ou coisa parecida. A gente resolveu fazer uma crítica aos problemas que vemos todos os dias na cidade, de uma forma leve e bem humorada. O ponto de partida foi a situação do Elevado do Joá, por onde passamos diariamente. Depois, a gente só juntou tudo o que escutamos dos amigos, lemos no jornal e vivemos diariamente no Rio para escolher as situações”, responderam os quatro criativos, em conjunto, ao serem procurados pelo propmark.
Tanto os redatores quanto os diretores de arte integram o time de criação da também carioca Script e, mesmo com todos os envolvidos reforçando que a peça era independente e não tinha qualquer ligação com a agência em questão, foi inevitável a menção da agência em todos os registros. O fato fez com que o sócio-diretor de criação da operação, Ricardo Real, se pronunciasse para reforçar a total ausência de participação da Script. “Acabamos envolvidos indiretamente, sem ficar sabendo. Foi uma produção independente, entendo e respeito a liberdade de expressão dos funcionários, mas considero que eles ultrapassaram o limite quando envolveram minha empresa de alguma maneira”, analisou.
Conceitualmente, Real se mostrou contrário ao trabalho por classificá-lo “um desserviço à cidade do Rio de Janeiro”, além de considerar que o mesmo empenho criativo poderia ter sido aplicado a um projeto de maior relevância – inclusive comercial. “Nós, que somos cariocas, principalmente os empresários, não queremos que a cidade seja mal falada dessa forma. Acho que todo esse tempo que eles dedicaram ao projeto poderiam ter ‘perdido’ com um cliente nosso”, pontuou. “Eu não gostei desse episódio, especificamente, mas acredito que outras coisas criadas de forma livre podem ser interessantíssimas. Se você pegar o histórico da agência, sempre fomos muito independentes e ousados criativamente – mas sempre preocupados com a ética”, completou. Apesar do desconforto gerado com a situação, Real indicou que não pretende tomar atitudes mais drásticas em relação à continuidade do trabalho dos quatro criativos na Script.
Ao menos outros dois líderes criativos do mercado carioca procurados pelo propmark expressaram opiniões semelhantes às do sócio-diretor de criação, especialmente em relação ao tom de degradação da imagem do Rio presente no viral, mas preferiram não participar abertamente da análise.
Outro lado
Há, porém, quem tenha visto com bons olhos o trabalho e, principalmente, a iniciativa dos quatro profissionais como forma de exercício criativo. Para Silvio Lachtermacher, sócio e diretor de criação da carioca Bloco C, as questões abordadas em “Dumb way to die in Rio” não criam um ambiente negativo em torno da Cidade Maravilhosa, mas sim destacam problemas reais da cidade. “O humor tem, naturalmente, uma dose de transgressão. Se fez mal ou não para o Rio, é outra discussão. Ao meu ver, infelizmente, a peça só retrata verdades – não deixando de ser uma forma de ‘protesto eletrônico’. Não dá para ser hipócrita e dizer que está tudo sempre bem. O que denigre a cidade não é o vídeo, mas sim acontecerem as coisas que o inspirou”, analisa o profissional – também conhecido como Silvio Lach e com diversos projetos de humor, como o coletivo @Na_Kombi e a revista M… “Não achei o trabalho maravilhoso, mas está bem feito. Não é uma superprodução, mas também não é tosco”, opina.
Para ele, o que leva criativos a dedicarem seu tempo livre a projetos sem qualquer ligação com os clientes que atendem normalmente, por muitas vezes, é o engessamento da maioria das agências quanto a novos formatos e projetos além da mídia tradicional. “Na hora de lazer do cara, ele quer fazer algo diferenciado – e é ótimo que hoje exista a internet para você expor boas ideias e projetos interessantes sem custo. E a satisfação dele, se não pode ser em grana, é em ver as coisas andando. O que tem que ser levado em consideração é se aquilo tem qualidade ou não”, observa. “O que acontece, em muitas agências, é que o cara não é instigado lá dentro para se dedicar a um projeto diferenciado, até porque os outros profissionais de lá não sabem viabilizar comercialmente esse tipo de coisa. Cabe às agências se questionarem e deixarem de ser chatas, caquéticas, ganhando dinheiro só com o lado ‘velho’ da propaganda. Já vi trabalhos brilhantes tirados da web antes do prazo por causa de uma ou duas mensagens negativas. Elas não sabem lidar com o medo do incontrolável”, complementa.
Vice-presidente nacional de criação da Agência3, Jader Rossetto tem opinião semelhante. “Eu achei divertido. Acho que deveriam fazer um sobre São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e todas as cidades que têm problemas no Brasil. Isso não e sobre o Rio apenas. Por isso, em todas elas, o povo esta indo às ruas reclamar. Paródias engraçadas sempre fizeram parte do mercado publicitário”, destaca. “E acho que tem mais um ponto aqui: o trabalho dentro da criação de muitas agências anda chato e repetitivo. Essa é uma forma de os criativos se divertirem um pouco”, completa.