Criativos olham para o rádio como experiência auditiva
A campanha Sounds of future ocean, da National Geographic, fazia o ouvinte escutar o som do oceano e, no final, a peça informava que o áudio escutado havia sido realizado com objetos de plástico que foram retirados do oceano. A produção da Bandeira 8 acabou ganhando um Leão de Bronze na categoria Radio e Audio no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions 2019.
No mesmo ano, a agência AKQA também trouxe para o Brasil um Grand Prix em Entertainment Lions for Music, com o clipe Bluesman, produzido pela Stink, para o Baco Exu do Blues. Com exemplos diferentes, os dois trabalhos mostram como a criatividade pode ser aplicada em campanhas de rádio e produções de som.
“O criativo enxerga o meio como um formato único, não mais como uma adaptação do que está sendo feito nos outros meios. Isso implica numa criação específica, num insight que converse com a plataforma, com o momento que a ideia vai impactar os ouvintes. Aliás, rádio deixou de ser apenas um meio offline, e se tornou digital. A própria AKQA tem uma rádio digital com conteúdos criados pelos próprios funcionários, com uma programação única, lançada durante a quarentena, chamada Working From Home FM”, ressalta Renato Zandoná, ECD da AKQA.
Ainda segundo o executivo, é preciso olhar para o rádio não só como um meio, mas como uma experiência auditiva para o ouvinte. “O que um áudio é capaz de fazer, que não seja só uma locução ou música. Qual emoção ele pode entregar, ou qual reação ele pode tirar das pessoas. Uso de binaural beats? Ou uma frequência que muda seu paladar? As possibilidades são imensas quando conectado com uma mensagem que faça sentido estar ali”, comenta.
Para Aaron Sutton, diretor de criação da Africa, o rádio é uma mídia desafiadora e um dos meios mais populares do Brasil. “Num país continental onde muitos lugares não têm acesso à internet, o rádio chega aos lugares mais remotos e tem a característica de falar o sotaque local. Marcas que procuram o rádio buscam uma proximidade que muitos meios não conseguem. O meio pode permitir que a gente estimule a criatividade do ouvinte. Boas ideias no rádio são aquelas que foram pensadas especificamente para o meio. O legal do rádio é que ele pede por campanhas e spots que usem o melhor do recurso, que é a instantaneidade e o fato de falar localmente. Música e jingle são ótimas ferramentas também”, diz.
O executivo menciona que o case da Rádio SulAmérica Trânsito é um bom exemplo de criação no meio. “É um projeto de conteúdo vencedor por mais de uma década. A Rádio surgiu em 2007, em São Paulo, cidade com um dos trânsitos mais caóticos do mundo, muito antes da invenção do Waze e ajudou milhões de pessoas a se locomoverem pela cidade”, completa Sutton.
Diversas linguagens
O áudio ganha cada vez mais importância dentro da publicidade e da produção de conteúdo em diversas plataformas. Com isso, surgem novas tendências e desafios para que os profissionais criem para diferentes linguagens.
“Criar algo pertinente para mídias diferentes como redes sociais, televisão, YouTube, cinema e streaming exige informação e criatividade. O que antes eram cópias diferentes agora são peças diferentes, temos abordagens distintas da mesma campanha em muitos casos e ao mesmo tempo temos de buscar unidade e criatividade dentro de cada linguagem. Fora isso, temos cada vez mais gadgets e speakers diferentes para reproduzir conteúdo como celulares, iPads, smartwatches e hubs, o que torna a finalização de áudio um processo mais cuidadoso, afinal, as peças têm de soar bem em qualquer speaker”, revela Gustavo Garbato, maestro e sócio da Loud.
Com ampla experiência no meio e responsável por assinar a trilha de diversas campanhas publicitárias, Serginho Rezende, diretor musical da Comando S, acredita que o principal desafio do áudio nesse novo cenário multiplataforma é de integrar a comunicação em todos os ambientes. “O alinhamento entre a produção de áudio e a estratégia da campanha está cada vez mais importante porque hoje é difícil pensar em uma peça de rádio, por exemplo, de forma isolada. As pessoas estão consumindo frequentemente em diferentes meios de comunicação, que variam de um Tik Tok de cinco segundos a um podcast de uma hora, passando até por anúncios dentro da rádio de um game. As marcas já entenderam que precisam estar em todos estes lugares”, salienta.
Mas como identificar uma boa ideia que está conectada ao som? Rezende considera que a questão está relacionada à capacidade de entreter. “Cada vez mais a propaganda se estabelece como forma de entretenimento. Uma boa ideia é justamente aquela que captura a atenção da audiência e consegue prender o espectador no meio dessa grande carga de informação nos meios de comunicação. Fazer isso atrelado a uma marca e um cliente é o cenário ideal”, diz.
Para Garbato, o filme Open, criado pela Wieden+Kennedy London, para a Coca-Cola, é uma boa referência para mostrar como a linguagem cinematográfica tem invadido a publicidade. “Não temos loc, temos uma trilha superinusitada e um trabalho de SFX primoroso
digno de qualquer superprodução de cinema. A riqueza de detalhes e o ótimo trabalho dos planos na mixagem são impressionantes. Apesar de ser um filme extremamente ruidoso, conseguimos ouvir detalhes como a TV no apartamento, ruído do ratinho puxando o brinquedo, desmoronamentos em segundo plano durante os diálogos. Enfim, vale ver e rever”, reforça.
Certo de que a boa ideia de som precisa usar o meio para agregar na mensagem, Zandoná relembra o trabalho recente que a AKQA criou para o lançamento da healthtech Alice. Para a campanha, a agência convidou a cantora Bruna Caram para cantar uma música correndo.
“Criamos a primeira música da história gravada em movimento. Essa iniciativa demonstra na prática o modelo de negócios da startup, um plano de saúde pensado para ser usado todos os dias para quem busca uma vida mais saudável em vez de esperar a chegada de uma doença. Alice oferece o acompanhamento de um time de especialistas dedicados a ajudar seus clientes a realizarem sonhos e desafios ligados à saúde, desde fazer uma maratona até gravar uma música enquanto corre na esteira, por exemplo. A música foi produzida usando técnica de som binaural que proporciona sensação de bem-estar e confiança de quem escuta”, finaliza.