Cursos e mercado buscam unir criatividade, dados e olhar humano
As instituições de ensino superior no Brasil precisam seguir Diretrizes Curriculares estipuladas pelo Ministério da Educação (MEC), mas podem propor alteração e atualização de suas grades curriculares, visando acompanhar as necessidades do mercado.
A delicada combinação nasce de um processo complexo, que pode levar anos para ser maturado. O objetivo é oferecer não somente uma mudança assertiva e eficaz, como garantir que não seja apenas ‘mudar por mudar’ ou ser passageiro.
Fabio Caim, coordenador do curso de publicidade e propaganda da Faculdade Cásper Líbero, conta que em 2021 o curso terá uma nova matriz curricular. A atual existe desde 2015 e foi ajustada pontualmente.
Agora a mudança será completa e está com processo ainda em andamento, com fases como conversas com professores sobre como veem a área e sobre o entendimento das características da instituição, discussão mais aprofundada no Núcleo Docente Estruturante (NDE), com professores que têm uma vivência maior no curso dentro da instituição.
Além disso, há a preocupação de conversar com quem trabalha em empresas, agências, consultorias e demais players. “Tomamos cuidado para não nos atermos apenas às novidades, porque podem ser passageiras. Temos de pensar uma matriz atual, mas não podemos fazer coisas rotativas.”
Para 2021, a proposta em discussão tem duas grandes apostas: a criatividade e a análise de dados. “Publicitários precisam trabalhar com dados, que precisam ser olhados criativamente. São dois eixos: a capacidade de olhar, entender e gerar insights em cima dos dados, e a criatividade no uso, na busca e na produção deles. Não vamos perder a nossa essência, que é uma visão bastante humanista, parte do DNA do nosso curso e da instituição, mas tem uma mudança grande no aspecto técnico da profissão”, diz.
EQUILÍBRIO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
Na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), somada às diretrizes estão pilares institucionais.
Segundo Eliane Cristine Francisco Maffezzolli, Decana da Escola de Comunicação e Artes, nos últimos o olhar é bem claro em três linhas: inovação, empreendedorismo e formação humana. “Está tudo muito mexido e é importante trazer projetos novos para a estrutura curricular. Ao mesmo tempo pensamos em como esse estudante estará no futuro, como ele vai se colocar no mercado de trabalho, então buscamos formar perfil empreendedor. Além disso, existe a preocupação de trazer elementos para trabalhar o ser humana em uma conduta mais ética, moral, diversa, plural e flexível”, comenta.
Além da orientação do MEC e dos pilares, ela conta que o curso de PP tem sido customizado com muita prática em ambientes de simulação, que são as novas salas de aula. “Estamos falando de uma agência integrada, com 120m² com disciplinas acontecendo nela. Essa célula fica dentro de um complexo de mais de 2 mil m² formado por vários laboratórios. Entendendo uma demanda, por exemplo, de um perfil de redação e de direção de arte, trazemos isso sob um olhar de não aprender de forma segmentada. Professores trabalham juntos em projetos mais integrados”, comenta.
A agência já existia no conceito de atividade extraclasse em que alguns alunos participavam. O marco foi em 2018, quando foi redesenhada para atender a nova matriz e ser flexível. “Trabalhamos muito com projetos, que nos permitem pensar em clientes e questões reais de mercado, para que o aluno tenha esse olhar mais amplo, sob orientação dos professores”, explica.
Na Universidade Anhembi Morumbi, o foco é no processo criativo, na criação e no desenvolvimento de campanhas publicitárias, bem como nas estratégias de comunicação, para formar profissionais com visão de negócios e capacitados para o mercado, com pensamento crítico e compreensão de elementos socioculturais.
O professor Luiz Araujo, gerente acadêmico da Escola de Comunicação, e a professora Jane L. Vieira, coordenadora do curso de publicidade e propaganda, comentam como o embasamento teórico passa a ser inserido nas práticas da construção da mensagem publicitária.
Isso ocorre através das habilidades alicerçadas pela gestão de conteúdo estratégico, proporcionando experiências no planejamento e execução de peças publicitárias, ações promocionais, campanhas de relacionamento, atividades relativas ao marketing e criação de soluções digitais. “Toda e qualquer mudança vem da necessidade de atender o mercado, cada vez mais exigente. Modificações podem ocorrer a cada início de semestre, em que as disciplinas sofrem alterações, inserções e reorganizações que proporcionam melhor entendimento da trajetória da temática em consonância com o mercado”, diz Araujo.
O curso de publicidade e propaganda da casa tem cerca de 40 docentes, entre mestres e doutores. Parte tem dedicação exclusiva ao curso e parte é também atua no mercado de trabalho. “Buscamos professores com total aderência à disciplina que vai lecionar, podendo ser tanto um profissional de mercado como estritamente acadêmico, dependendo dos objetivos da disciplina. Os dois aspectos são levados em consideração”, comenta Jane.
ABRINDO PORTAS
Pela perspectiva de mercado, Leonardo Berto, gerente de recrutamento da Robert Half, ressalta que a formação acadêmica segue essencial.
De acordo com ele, que trabalha no recrutamento desde analistas até presidentes, e cuida da divisão de engenharia, operações, vendas e marketing, o mercado busca uma mescla entre o lado técnico e o comportamental. “As demandas coexistem: a valorização da experiência construída até aquele determinado momento, mesmo de quem está começando, e a característica comportamental e de postura naquela fase. Independentemente da grade curricular”, reforça. A maturidade emocional também é considerada, mas não chega a ser um paradigma, porque é “justamente a experiência que leva o jovem a amadurecer”.
Por outro lado, um ponto que cresce forte é a demanda pela formação continuada e a “gana” por ir além da formação superior. Berto indica que o crescimento está na busca pelo profissional que não se acomoda. “Ele pode, por exemplo, se aprofundar em um idioma, buscar uma pós, um MBA, uma certificação, uma especialização numa ferramenta. Tudo isso é característica de quem está comprometido com o mercado, mas principalmente com a carreira e aprimoramento pessoal”, observa o recrutador.
ALÉM DAS AULAS
Para incentivar o aluno a ir além de seguir um curso específico e expandir horizontes, as instituições têm uma série de iniciativas e abordagens. Na Anhembi, o curso forma profissionais para atuação em âmbito nacional, mas privilegia nas discussões e exemplos tratados em classe, situações e necessidades locais e regionais. “Como forma de garantir a inclusão de demandas emergentes do mundo do trabalho, o curso apoia-se na revisão constante de seus Planos de Ensino, bem como em suas características de flexibilidade, garantidas com a oferta de disciplinas optativas”, comenta Jane.
A Cásper Líbero criou o KnockoutPP, workshop que integra estudantes e profissionais do mercado durante um dia na faculdade. O primeiro ocorreu com a W3Haus, o segundo com a eBrainz e o terceiro (será o primeiro fora da Cásper) está em definição. A ação permite imersão nas novidades e expande o olhar dos estudantes. “O domínio técnico é muito importante, mas o aluno com repertório e leitura crítica da realidade, que envolve diversas áreas – sociologia, antropologia, semiótica… –, é um diferencial”, diz.
Na PUC-PR, uma nova onda de mudanças entra em 2020 com a turma de calouros. Ela parte de trilhas de formação divididas em três níveis. “A entrada, um ano e meio de encantamento, para a pessoa entender a área; o meio do curso, que chamamos de inspiração, que pode fazer disciplinas em cursos como economia e design, e ampliar o repertório artístico e cultural; e o terceiro bloco, o de desafio. Tem muito projeto de inovação e empreendedorismo, para experimentar diversas facetas”, detalha. A ideia é entregar um aluno pronto para ser desafiado. “Nossa visão é de constância: não podemos parar.”