D&AD 2019: “Animação é uma arte que transcende a questão técnica”
Ralph Karam, um dos representantes do Brasil no júri do D&AD 2019
Com formação em design, o brasileiro Ralph Karam, sócio do estúdio de animação Le Cube, com escritórios em Buenos Aires e São Paulo, integra o júri de Animation do D&AD 2019. O festival será realizado em Londres, entre 21 e 23 de maio. Com negócios em um mercado caracterizado por muita sofisticação tecnológica e refinamento artístico, Ralph tem maior afinidade com a técnica 2D e com a escola francesa de animação. Por e-mail, ele compartilhou impressões e opiniões sobre o trabalho dentro de um segmento marcado por narrativas totalmente estruturadas na habilidade técnica de criar e movimentar imagens. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
HARD WORK
Para acompanhar a sofisticação tecnológica e o refinamento artístico dos trabalhos de animação, o dia a dia é marcado por hard work, por uma busca permanente de referências, uma busca implacável pelo novo e, sem dúvida, pelo bom gosto.
2D X 3D
Nunca gostei de definir os projetos por técnica. A verdade é que usamos bastante 3D como suporte para o 2D e vice versa. Acho que o potencial de ambos é o mesmo e serve mais para contar sentimentos sobre uma história do que uma história em si. Tenho afinidade com o processo 2D, que tende a ser menos burocrático do que em 3D. Eu gosto de testar enquanto faço, não sou dos diretores da escola Kubrick, que planejam cada frame com antecedência. Acho que é durante a execução que encontro os melhores insights. Como o 2D é mais flexível, com maiores possibilidades de alterações durante o processo, acabei indo um pouco mais por esse lado. Também tem o meu gosto pessoal. Nunca fui muito atraído pelo 3D como estética. Geralmente acho um pouco frio, principalmente quando tende ao realismo. Sempre gostei de animações mais elegantes, como as das escolas francesas, ou mais edge, como a animação japonesa. De alguma maneira, acho que o 3D, como linguagem, tem mais fácil assimilação pelo público provavelmente por mérito ou culpa (risos) dos filmes da Pixar. Acho importante entender que animação não é um gênero em si e transcende a técnica.
TRABALHOS INTERNACIONAIS
Isle of Dogs é um bom exemplo do que acho sobre animação não ser um gênero em si e transcender a técnica. É visualmente impecável e extremamente craft. Só deu azar de concorrer no mesmo Oscar que o Spider-verse, um filme realmente sólido do começo ao fim, perfeita combinação de técnica e estética. Gostaria de citar trabalhos de publicidade, mas confesso que não consegui me lembrar de nada que tenha “blow my mind” este ano. Vi varias peças bem executadas, mas nenhuma realmente memorável.
MELHORES MERCADOS
Londres ainda é considerada meca para animação comercial, talvez com um pouco menos de força do que antes, mas ainda assim é o lar da Passion Pictures, Nexus e Golden Wolf, entre tantos outros, mas eu sempre bebi mais de fontes um pouco diferentes. Para mim o epicentro da animação é a França, especialmente por uma escola chamada Gobelins. Todos os anos trago alguns estagiários de lá. Também não posso deixar de falar de Buenos Aires. Sinto que nossos hermanos estão a alguns anos luz de nós na cena de animação e motion graphics, apesar de talento no Brasil não faltar.
CINEMA X PUBLICIDADE
Eu acho que as indústrias de cinema e de publicidade funcionam de forma bem diferente, tanto em perfis de artistas quanto em demandas. Além do que, falando especificamente de potência técnica, eu sinto que demora anos até o que se faz na indústria cinematográfica chegar à animação comercial publicitária. Eu acho que, no final, a fonte de onde todos os segmentos do mercado bebem é a das artes gráficas, para trabalhos animados ou não.
FERRAMENTA DIGITAL
Plataformas digitais como ferramentas para nós são incríveis. Hoje trabalhamos com freelancers do mundo todo graças a isso. Plataformas digitais como mídia para animação eu acho um pouco menos legal. Eu sinto que ainda existe um mindset no mercado de que mídias digitais são mais baratas, e outro de que animação é mais barato que live-action. Muitos clientes e agências associam essas duas coisas. Por um lado é bom termos mais espaço e produção, mas por outro colocar animação como uma opção barata de live-action acaba impedindo o desenvolvimento do mercado.
PROBLEMAS
Acho que o principal problema é quando recebemos briefings que eram feitos para serem filmados, mas por budget decidem fazer em animação. Se a agência nos dá espaço para mudar tudo, fica legal, mas se não, geralmente o resultado fica pobre.