Darwin e os desafios da comunicação na saúde pública
Saúde e dinheiro sempre estiveram ligados. E não só nas festas de início de ano, quando a gente deseja a todos essas duas riquezas igualmente. Saúde e dinheiro estão ligados também para o SUS, Sistema Único de Saúde, que poderia se chamar Sistema Universal de Saúde, já que tem como obrigação atender a todos os 210 milhões de brasileiros. Por isso, a lógica é simples: quanto mais gente saudável, menos dinheiro gasto e mais sobra para atender a quem realmente precisa. E é aí que entra a importância da comunicação. Na prevenção. Darwin descobriu cientificamente que “adaptação” é o motor da evolução.
Para o ser humano adaptar-se e superar as doenças e epidemias é preciso que ele entenda o que está acontecendo e encontre meios de sobreviver a isso. É por isso que a área de saúde e prevenção precisa tanto de talento e criatividade na comunicação. As resistências culturais, pessoais, de grupos social a certas mensagens é muito grande. Por isso é importante enviar as mensagens de diversas formas para as pessoas. Por isso a criatividade é importante.
Um grande exemplo dessa tese é a própria área técnica do SUS e da saúde pública brasileira que lutou e luta ainda contra a epidemia da Aids nos anos 1980, 1990 e 2000. Essa área técnica fez história no mundo. Conseguiram controlar a transmissão, combater o vírus e educar milhões de brasileiros sobre prevenção, transmissão e preconceito do vírus da Aids. Usaram a comunicação para nos ajudar na adaptação de novos hábitos e comportamentos. E olha que era muito mais do que usar máscara e ficar em casa. Essa prevenção envolvia hábitos ancestrais. Mas conseguiram.
Os técnicos de saúde, os médicos e os estrategistas de saúde conseguiram combater essa epidemia da Aids e outras também com competência, em grande parte usando comunicação criativa. Alguns deles estão hoje nas mais altas posições estratégicas da ONU, OMS e outras entidades globais, colaborando com ciência e a experiência adquirida nas mais graves crises do continente africano, Ásia e América Latina. E essa história tem tudo a ver com comunicação. No começo de carreira fui redator de algumas dessas campanhas de combate à Aids, diminuição do tabagismo e campanhas de vacinação e pude acompanhar de perto esse trabalho. E o que se conversava nessa época era uma conta muito simples: cada pessoa que mudasse seus hábitos e passasse a usar camisinha, por exemplo, seria um gasto a menos em medicamentos e atendimentos dentro do SUS, já que o SUS fornece os medicamentos de Aids para todos os brasileiros que precisam. Sem falar na economia do sofrimento humano, social e econômico para o país. Se um jovem deixasse de fumar, atingido pela comunicação eficiente, isso se tornava milhares de reais em economia para que o sistema lá na frente não colapsasse.
Tudo é economia, estratégia e comunicação. É algo difícil de a maioria entender? Sim, mas não é impossível, como mostrou o resultado desse esforço com diminuição significativa de
novos fumantes. Aprendi na época que se a mensagem tivesse impacto suficiente para quebrar a barreira educacional miserável da maioria da população e em vários públicos diferentes, menos pessoas ficariam doentes e sobrariam mais recursos para tratar quem precisava. Comunicação bem feita, bem produzida e bem criada seria capaz de colaborar na diminuição de uma epidemia mortal, reduzir o sofrimento das pessoas, das famílias, dos médicos e da sociedade.
O acúmulo de mensagens de prevenção, no decorrer dos anos, teve efeito gigantesco na evolução da saúde pública brasileira. Quem se adapta sobrevive, e essa lei de Darwin vale inclusive para os criacionistas.
Estamos vivendo hoje um grande desafio que está matando imediatamente milhares de brasileiros (270 mil enquanto escrevo) e deixando sequelas dolorosas e lentas para milhões de outros. Sociedade, redes e marcas, em nome da liberdade de expressão, deram espaço para mentiras em formato de opinião. Falsas curas como paliativos científicos. E pontos de vista que nos levam hoje a mais de 2 mil mortos por dia.
Apenas Drauzio Varella, com essa obrigação de levar informação correta às pessoas, e o jornalismo sério não conseguirão sozinhos. O ser humano possui layers emocionais, sociológicos, psicológicos que servem de filtros contra mensagens apenas jogadas. A criatividade ajuda a superar esses obstáculos e entregar o entendimento correto para as pessoas se salvarem. Ciência, criatividade e comunicação criativa podem ocupar esse espaço junto à vida das pessoas e fazer diferença para elas. E as marcas seriam muito bem-vindas nessa missão.