De onde vem?
Esta pergunta deve ter uns 3 mil anos de idade, por aí. O bom e velho Platão investigou bastante o assunto, a ponto de hoje falar-se em “valores platônicos”, que seriam uma espécie de gabarito de um mundo perfeito.
Vou explicar: filósofos e neurocientistas que hoje tentam estudar e entender a consciência desenvolveram o conceito de “valores platônicos”. Pense numa espécie de dimensão perfeita, um Olimpo, com o qual artistas e criativos se conectam temporariamente. São valores perfeitos, como a Verdade, a Pureza, a Beleza, e tudo o que temos aqui no mundo material são apenas esboços, rascunhos destes valores. É um papo cabeça, eu sei, mas o que importa dele pro nosso assunto aqui é bem concreto: cada vez que esta conexão artístico-criativa acontece, uma boa ideia é gerada. E uma boa ideia produz em diferentes observadores uma mesma poderosa sensação, que chamarei aqui de “putaqueopariu-como-é-que-ninguém-pensou-nisso-antes”. Já sentiu isso, né? Então.
Qualquer um que trabalha com criatividade já se fez esta pergunta: “como eu crio?”. Qual o processo mental, consciente ou inconsciente, que nos faz juntar 1 com mais 1 e chegar ao resultado inesperado de… 3? Na Santa Clara, quando paramos para desenvolver nossos produtos de comunicação (este não é um texto corporativo, então, se quiser saber mais sobre o que são estes “produtos”, pergunte ao Google, por favor) pensamos nisto, sobretudo os produtos que estavam mais intrinsecamente ligados ao processo criativo. Fizemos a divertida e um tanto assustadora jornada pelas armadilhas e alavancas que nos fazem parte deste processo. Chegamos, sim, a uma boa lista de atitudes e dinâmicas a evitar e a incentivar, e isso por si só já fez muita diferença na eficácia destes produtos. Mas ainda faltava a resposta ao título deste artigo, de preferência uma resposta simples e inequívoca. Pois aí vai:
Inspiração gera inspiração.
Picasso se inspirou em Goya. Goya se inspirou em Zola. Zola se inspirou em Balzac, que por sua vez inspirou Machado de Assis, que inspirou Charles Dickens, que inspirou Charles Chaplin, que inspirou praticamente todos os seres humanos inspiradores que eu conheço. Sugiro pegar a Wikipedia e brincar com estas conexões. Pode começar por qualquer criativo ou artista, cruze áreas de atuação, ande na direção do inspirado ou do inspirador, pro passado ou para o futuro. A brincadeira não tem fim. E nos diz muito sobre a pergunta do título.
A frase-chave já estava lá em cima no texto. “Putaqueopariu, como é que ninguém pensou nisto antes” é, apesar do português pouco castiço, uma frase quase religiosa, que marca um sentimento que se chama de “numinoso”. É o reconhecimento da matéria divina (ou platônica, se assim preferir). É a expressão máxima do que se convencionou chamar de inveja criativa, apesar de eu achar que “inveja” é um termo limitado. Trata-se de muito mais do que inveja. Experimentar, consumir e admirar uma ideia criativa de outra pessoa é mais do que apenas um desafio ególatra. É receber um presente. É algo que te lembra que um ser humano compôs Fixing a Hole, outro escreveu O Amor Nos Tempos do Cólera, outro dirigiu Blade Runner e outros criaram Dumb Ways To Die. E se você souber se abrir para o sentimento perceberá que pequenas boas ideias também produzem pequenos bons orgasmos intelectuais, que por sua vez se transformam em estímulos diários pra que seus neurônios digam uns pros outros: “bora fazer uma destas a gente mesmo?”.
Inspiração gera inspiração. De poucas certezas que tenho na vida, esta é uma delas. Por isso, na empresa que hoje lidero e tenho o orgulho de ter cocriado, a dialética é um patrimônio que preservamos e cuidamos diariamente. Conviver, trocar, discordar, debater, falar e ouvir, são todas atitudes facilitadoras deste processo mágico que é assistir ao parto de uma boa ideia. E, como consequência, do desejo de povoar o mundo com elas.
Fernando Campos é sócio-fundador e CEO da Santa Clara