De ponta-cabeça

 A impressão que volta e meia nosso país nos causa é a de estar de ponta-cabeça, seguindo na contramão da História e aparentando, na sua imensidão de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e com mais de 200 milhões de habitantes, uma gigantesca instituição sem rumo.

Não bastassem todos os problemas que de há muito nos afligem e dos quais não conseguimos nos livrar, por mais que deles tenhamos consciência, ainda restam alguns guardados em alguma misteriosa gaveta do tempo, que de quando em quando resolve se abrir e soltar seus duendes contra toda a nação.

A impressão que temos é da existência de chagas profundas vindas do nosso passado remoto e que volta e meia decidem nos azucrinar, apontando-nos culpas que nem todos temos, mas o passar do tempo se encarregou de igualar-nos nesse quesito.

Saímos recentemente de uma carga de profunda decepção, vendo caminhar para o cárcere um festejado político popular, eleito e reeleito presidente da República, com a vantagem ainda de encaixar sua sucessora no mais alto cargo da administração pública brasileira, sofrendo impeachment no segundo mandato.

Com esse desfecho, encerra-se teoricamente um ciclo de início esperançoso e por fim nefasto para o país, cujas esperanças populares acabam se voltando para o seu vice, político tarimbado e de cultura elevada, com o honroso título de catedrático em Direito Constitucional, eleito por São Paulo e por várias vezes deputado federal, tendo inclusive sido presidente da Câmara Federal.

Esse cidadão tinha tudo para fazer um bom governo e até ser reeleito, diante dos descalabros praticados pelos seus antecessores mais próximos na Presidência da República.

Envolvido, porém, por acusações de ilícitos e perseguido duramente pelos simpatizantes de ambos os que o antecederam no cargo, em que pese sua aparente boa vontade em acertar ou, minimamente, exercer o alto cargo de forma republicana, deixou-se levar por irritante letargia na tomada de decisões, comprometendo seu curto mandato e inviabilizando sua candidatura a um período completo no cargo, nas próximas eleições de outubro.

Vamos nos debruçar sobre o mais recente episódio a complicar o país: a greve dos caminhoneiros, que acabou afetando a todos os brasileiros, revelando à nação que não é difícil pará-la quase que completamente. Esse método nem mesmo os mais atrevidos haviam antes posto em prática. Suas tentativas de bloqueio sempre foram limitadas e dependiam de milhares de colaboradores para se alargarem.

Desta vez, não, e a própria estatal do petróleo colaborou para o país, estarrecido, se ver de repente na iminência de uma guerra civil, com sua população acuada por caminhões transformados em tanques de guerra, impedindo o tráfego em rodovias e vias urbanas em centenas de cidades brasileiras.

Faltou, sim, ao nosso presidente da República vir a público, através de uma cadeia de veículos eletrônicos, dizer à população o plano oficial que impediria o prosseguimento daquela gigantesca paralisação que atravancava as veias e as artérias do país.

O grosso da população demorou a entender o que se passava e, nestes tempos de incerteza política que vivemos, milhares ou milhões de cidadãos imaginavam o pior.

Desvirando uma ou duas páginas desse dia aziago para os brasileiros, vamos encontrar o novo presidente da Petrobras impondo uma tabela flexível de preços dos combustíveis refinados, cuja formulação matemática é excelente para palmas em salas de aulas fechadas e restritas.

Porém, como costumava se dizer antigamente no país e até isso esquecemos, oprimidos por tantas e tamanhas confusões, na prática a teoria é outra. E foi exatamente essa lição de vida, da vida das pessoas simples deste país, que na prática realizam milagres não previstos pela teoria, que inviabilizou a fantástica fórmula que até poderia receber um Nobel da Academia Sueca de Ciências, mas que jamais seu autor receberia sequer um tapinha nas costas de um caminhoneiro, ou mesmo do seu ajudante.

A tabela flexível do Dr. Parente só fez aumentar rapidamente em 10% o preço dos combustíveis, atingindo a proeza tão sonhada por Guilherme Boulos e jamais realizada, nem por ele, nem por nenhum dos seus auxiliares mais fieis e diretos: parar o país tão rapidamente como desligar a chave de luz lá de casa.

Para remediar o caos, evitando que se espalhasse pelo calendário, tentou-se rasgar a fórmula dos preços móveis ao custo de alguns bilhões de reais para os cofres públicos.

Descontado o fato (grave) do colossal desabastecimento que se verificou em quase todo o país, com a falta inclusive dos gêneros de primeira necessidade, procura-se sair do imenso apagão que atingiu boa parte da pátria brasileira, restando-nos a esperança de terem os sábios aprendido outra velha lição: não se trocam os pneus com o carro em movimento.

 

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Há uma voz corrente e recorrente nos grandes centros do país estranhando a ausência das bandeirolas verde-amarelas que nas ruas e praças brasileiras sinalizavam para a chegada de mais uma Copa do Mundo.

Como desta feita isso até agora ainda não ocorreu, ouvimos pelo menos três opiniões sobre essa ausência: o povo está sem dinheiro, o povo está sufocado por uma angústia sem fim e a nossa seleção é a mais estrangeira de todas as que nos tiraram a graça de torcer pelos nossos craques e nossos clubes do coração por eles representados.

Escolha o leitor uma das três justificativas, ou todas. Ou até mesmo crie uma quarta, ou mais que isso.

A verdade é que, realmente, até aqui (redigimos este texto na tarde da última sexta, 25) nossa tão forte brasilidade futebolística não explodiu.

Como o país e o seu povo são surpreendentes e, portanto, frequentemente inesperados, é bem capaz que nos próximos dias tudo se modifique, trazendo-nos de volta ao menos nossas boas lembranças de 58, 62, 70, 94 e 2002.

 

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Com a Copa já iniciada (14/6), tem início no dia 18/6 mais uma versão do Cannes Lions, hoje adaptado para Festival Internacional da Criatividade, na sua 65ª versão. Como tem ocorrido nos últimos anos, o interesse pelo Cannes Lions sempre aumenta, com Cannes e cidades vizinhas recebendo cada vez mais brasileiros nos seus hotéis.

Daí, nosso atendimento ao pedido de Carlos Henrique Abatayguara, da Jet Set Viagens e Turismo, para os leitores que pretendem viajar a Cannes não deixarem para a última hora as principais providências: passagens aéreas e hotel. Ele nos solicita informar que ainda tem lugares disponíveis nos hotéis, com boas tarifas.

Mais informações: silmara@jetsetviagens.com.br e cecile@jetsetviagens.com.br, ou ainda p/ tel.: (11) 3125-6800.

 

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Este Editorial é em homenagem ao jornalista Alberto Dines, recentemente falecido, um exemplo de cidadão e profissional. Dines se notabilizou, entre tantas obras, pela coluna Jornal dos Jornais, que a Folha publicava em São Paulo aos domingos.

Armando Ferrentini é presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda (aferrentini@editorareferencia.com.br).