De volta ao passado
1. Os últimos dias têm sido pródigos em noticiário na mídia sobre os 50 anos do 31 de março de 1964. Há os exageros de sempre quando a História não é escrita por quem a viveu, ou narrada mediante paixões.
São raros aqueles que a descrevem de forma precisa, enumerando os fatos com isenção na tentativa de recompor a verdade dos mesmos.
A coisa complica quando envolve ideologias políticas, que fazem a verdade se transformar naquilo que acreditamos e não estritamente no que de fato sucedeu.
Como o país atravessa um período de agruras econômicas, agravado pelo embate político-partidário próprio de um ano eleitoral, as narrativas a respeito do 31 de março de 50 anos atrás no Brasil, registrado já naquela época com 24 horas de antecedência, pois a deposição de Goulart ocorreu em 1º de abril (seus protagonistas quiseram fugir do Dia da Mentira), seguem o ensinamento de Martín Fierro, personagem do argentino José Hernández: “Tudo é segundo a cor do cristal com que se olha”.
Assim, temos a predominância das versões e não estritamente dos fatos, levando-se ainda em conta que o que foi chamado de Revolução e hoje é aceito como golpe militar, desencadeou-se quase que simultaneamente em várias regiões do país, gerando confusão na opinião pública em uma época onde os meios de comunicação, comparados aos que temos hoje, eram precários em termos de instantaneidade.
Deve-se considerar nessa análise que Jango tentou resistir, acreditando na fidelidade de alguns comandantes militares como o então general Amaury Kruel, um dos últimos a deixá-lo.
O presidente da República começou a cair a partir do seu comício na Central do Brasil (RJ), em meados de março de 1964, quando fez vistas grossas à quebra da rígida disciplina da hierarquia militar da época (hoje, digamos, mais flexível), com o seu apoio à revolta dos marinheiros.
Foi o estopim para a organização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que se repetiu em diversas capitais e cidades brasileiras, que arregimentou mais de 500 mil pessoas na sua versão paulistana de 19 de março, número expressivo para aqueles idos.
Há pouco, tivemos um simulacro dessa manifestação comemorativa dos 50 anos, com três zeros a menos de participantes e uma pergunta que ficou no ar: quem organizou? Quase que ao mesmo tempo, ganhou as ruas outra passeata, um pouco mais prestigiada (o dobro de manifestantes), sob o rótulo de movimentação popular antifascista. Também a pergunta: quem organizou?
Todo o noticiário em sua maioria carregado de paixão sobre os acontecimentos de 1964 e essas estranhas passeatas de 22 de março sinalizam uma volta ao passado que não queremos. Nosso caminhar tem que ser para frente rumo ao futuro e não para trás de volta ao passado.
Devemos sem dúvida nos debruçar sobre o que já ocorreu, tentando evitar com isso a repetição se possível do que resultou em saldo negativo para o país e isto vale como análise de todos os fatos transcorridos. Sem arroubos, porém, e mais ainda sem os famosos proveitos próprios que as reminiscências costumam ocasionar.
2. Um filhote feminino da ditadura (de Vargas) pode estar com os dias contados na sua inflexibilidade de horário: “A voz do Brasil”. É terrível essa herança varguista, que retira dos cidadãos o direito de escolha de uma emissora de rádio, entre as 19 e 20 horas, em todo o país, nos dias úteis.
Em uma cidade como São Paulo, onde grande parte da população fica presa no trânsito nesse horário, constitui-se em sofrimento a falta de informação sobre a mobilidade urbana no período do rush.
Se após 50 anos do início do regime militar de 1964 cresceu consideravelmente entre todos os brasileiros o conceito da cidadania, é inexplicável como até hoje suportamos esse monstrengo que pode até prestar bons serviços de informação às populações do Brasil profundo, mas que não pode ser de forma coercitiva.
Aproveitando os horários dos jogos da Copa do Mundo, a Abert está se mobilizando para buscar apoio popular pela flexibilização do horário do programa oficial.
Daniel Pimentel, presidente da entidade, acredita que se isso ocorrer será mais fácil o Congresso Nacional atender ao pleito que não é apenas um desejo da classe empresarial das emissoras, mas também de todos os seus ouvintes.
Abaixo a ditadura! Todo apoio à campanha “A voz que eu quero ouvir”.
3. Com um elogiável e inesquecível vídeo de quatro minutos, a Volkswagen promoveu a despedida da sua Kombi, o utilitário que durante quase seis décadas aumentou a sua participação na paisagem brasileira.
Com o encerramento da sua fabricação, aos poucos a “velha senhora” – como também é conhecido aquele tradicional clube de futebol italiano (a Juve de Turim) – deixará o palco formado pelas ruas, avenidas e estradas do país, até o seu verdadeiro último suspiro que ocorrerá quando, daqui a outras décadas mais, desaparecerá do trânsito a sua última unidade.
O vídeo foi criado e desenvolvido pela AlmapBBDO, com colaboração da Volks alemã, e encerra a campanha de adeus à Kombi, iniciativa que só merece elogios e com maior vigor no Brasil, onde a “perua” – como eram chamados lá atrás esses utilitários – fez e faz parte da nossa História recente.
O vídeo – que pode ser visto no site da Volks e no YouTube – emociona todos os que trabalhavam com uma Kombi nos dias úteis e carregavam a família (geralmente considerável) para a praia nos sábados, domingos e feriados, em todo o Brasil. E emociona quem nunca participou dessa “gincana”, mas reconhece o que esse veículo representou e ainda representa para a população brasileira.
4. A regulação da internet no Brasil passou pela Câmara Federal e sobe agora ao Senado. É importante que os senadores se detenham nas entrelinhas do texto geral, que podem possibilitar o objeto de desejo de todo governo: o controle da mídia. No caso, da mídia digital, que representaria em nosso país o caminho aberto para outros sonhos oficiais, outros (embora dissimulados) controles.
Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2491 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 21 de março de 2014