Decepção e consolo

1. O dia seguinte ao do voto do ministro Celso de Mello, do STF, desempatando a favor dos réus a questão dos embargos infringentes do rumoroso caso do mensalão, foi de tristeza em todo o país.

Ao contrário do que muitos esperavam não se repetiram as manifestações de junho, porque o abatimento era geral. E o ministro desempatador, no seu voto, fez questão de ocupar boa parte das duas horas que usou repudiando a opinião pública, como já fizera seu antecessor imediato na ordem de votação, o ministro Luís Roberto Barroso.

E aqui residiu, no nosso entender, o erro de ambos, que tinham todo o direito de votar como votaram no caso estrito em julgamento, mas exorbitaram (e erraram) no seu desprezo ao que chamaram de multidões.

“Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, diz a Carta Magna no seu trecho inicial.

Convém acrescentar ainda que todos os que indicaram e referendaram as suas escolhas para a Alta Corte foram eleitos por maioria de votos da população, desde a atual presidente da República até os parlamentares que os sabatinaram.

Fácil e lógico concluir-se, pois, que estão onde estão por via de consequência da vontade popular, das multidões que eles deploraram em seus votos no STF.

Tão lógico quanto sabemos que devem votar com imparcialidade, segundo as suas consciências e sabedoria, sem se deixar levar por ninguém, absolutamente ninguém e principalmente as correntes políticas que os escolheram para tão dignificante função, sob pena de possibilitarem a lembrança daquela famosa frase da Roma antiga: “A mulher de César não basta ser honesta; tem que parecer honesta”.

Somente eles podem responder se votaram mesmo segundo as suas consciências e sabedoria, mas não lhes cabia, a nosso ver, ao proferirem seus votos, os comentários feitos a propósito da opinião pública, das manchetes dos jornais e outros tipos de manifestações sobre tão importante e polêmico assunto que vem de há muito pautando o noticiário nacional.

Votando com consciência e sabedoria e estando seguros disso poderiam perfeitamente se abster dessas considerações, que para muitos soaram como críticas descabidas e até mesmo para alguns como uma pretensa arrogância autoritária.

Julgando com serenidade, como devem ter procedido os ministros que votaram pela admissão dos embargos infringentes, não há por que censurar a eventual pressão das multidões, até porque o voto a elas contrário falaria por si.

Não se pode negar, todavia, o descontentamento do povo brasileiro em relação à decisão por maioria de 6×5, que admitiu os embargos. As pesquisas de opinião pública revelaram que esse descontentamento superou metade da população brasileira, portanto, maioria absoluta, que tem democraticamente o direito de se manifestar.

A essa parcela considerável da nação, suficiente e ouvida para escolher presidentes da República, governadores de Estados, prefeitos e todos os membros dos parlamentos das três esferas de governo, resta o consolo e a expectativa que o imponderável – sem nenhum discernimento jurídico – lhe proporcionou: o sorteio eletrônico do ministro Luiz Fux para relator dos embargos infringentes, em quem o país passa agora a confiar para que afinal seja feita justiça.

Importante aproveitar esse episódio todo do julgamento do mensalão, de incalculáveis custos para o país, para lembrar uma vez mais aqui neste espaço que a raiz desse imbróglio reside na forma de escolha dos membros da Alta Corte. É um flagrante absurdo, inclusive em dissonância expressa com a independência dos poderes entre si, preconizado pela constituição, que ela se realize por vontade do presidente da República, com a aprovação dos parlamentares em uma sabatina para a qual poucos destes estão preparados.

Compromete a isenção (para dizer o mínimo) o fato de uma autoridade escolher outra que poderá julgá-la lá adiante, inclusive criminalmente.

2. Com uma tiragem de 1.012.081 exemplares, a revista Veja está lançando sua edição comemorativa dos 45 anos, com 290 páginas para serem lidas e guardadas.

Além desse precioso conteúdo editorial, que inclui matéria de Carlos Maranhão sobre o saudoso Roberto Civita, o criador da revista, e vários autores discorrendo sobre temas relevantes dessas quatro décadas e meia, há um número recorde de anúncios na publicação, que representam a garantia da liberdade de expressão de qualquer meio assim prestigiado.

Contra essa força da livre iniciativa se insurgem os que pretendem fazer do nosso país o seu quintal, certos de que a grande barreira para o seu objetivo final é a imprensa livre.

Nessa já longa história de 45 anos, a revista Veja tem continuadamente acentuado sua colaboração – que entende como um dever – em prol do fortalecimento da ainda jovem democracia brasileira.

O Brasil festeja Veja, que tanto incômodo causa aos vendilhões da pátria.

Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2467 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 23 de setembro de 2013