Destravar
A tão esperada retomada dos negócios, que tradicionalmente ocorre entre nós após o Carnaval, parece estar parcialmente comprometida este ano, em virtude do imenso nó górdio que foi imposto ao país pelo setor podre da classe política brasileira.
Não que não tenha melhorado. Um pouco, mas melhorou. Assistimos, em meio ao segundo semestre do ano passado, à primeira etapa desse processo, que foi a paralisação da queda contínua e em cadeia da economia, que abrangeu praticamente todos os setores de atividades.
A partir daí, inauguramos um período de ascensão, lenta e gradual, o que animou sobremodo os players do mercado em geral.
Paralelamente, porém, o lado escuro da vida nacional, representado pelo que há de pior na classe política, aqui se incluindo profissionais de todos os partidos, esse grupo, que é maioria, decidiu resistir aos sintomas de melhora do paciente Brasil, pois, como urubus humanos, não se sente bem em ambientes higienizados.
De lá para cá, tem se criado um choque gigantesco de interesse, com o povo, no seu melhor contingente, querendo acabar com a crise e retomar o caminho no mínimo da esperança. De outros vários lados, frações ainda poderosas de sugadores do sangue alheio movimentaram-se no sentido de evitar o seu ameaçado fim.
Por terem mais poder do que todos nós juntos, pois decidem as leis que devem sair e as que não devem, e como interpretá-las a seu favor quando dúvidas ou mesmo certezas os ameaçam, conseguem no mínimo atrapalhar a retomada, muitos até disfarçando suas intenções, com vistas a não comprometerem seu futuro político, que, apesar de tudo, depende de nós que um dia teremos todos de aprender a votar. Cabe, a propósito, neste momento do texto, uma sugestão: não devemos reeleger ninguém em outubro, absolutamente ninguém. Se dois ou três deles merecerem, paciência. Pagarão pelo fato de não terem conseguido brecar o ímpeto dos maus, embora sendo minoria.
Por tudo isso, rapidamente aqui demonstrado, começamos a perder o controle do jogo, que era nosso até o fim do ano passado.
Já dá para sentir que muitos sonhos tão bem sonhados pela maioria do povo brasileiro não passarão disso. Aí está a reforma da Previdência, que qualquer cidadão, minimamente aculturado, sabe que a manutenção do atual status vai nos arrebentar a curto prazo. Os leitores lembram do que sucedeu – e não faz muito – à Grécia e a Portugal.
O que queremos? Queremos – não apenas queremos, como necessitamos com urgência – que o Brasil possa resistir aos descalabros que prosseguem a olhos vistos, que em outubro tomemos consciência de que o ato de votar não começa e termina na ida até a urna eletrônica, mas muito antes dela, ao escolhermos cuidadosamente nossos candidatos, e depois da urna, revelados os resultados, em movimentação constante de cobrança dos eleitos, mesmo que não tenham sido os nossos candidatos.
Se nos representam, têm de nos ouvir. O voto nada mais é do que uma procuração pública que se passa a um grupo de cidadãos, para agirem em nosso nome, sem perdermos o direito de cobrá-los constantemente sobre os seus deveres para conosco.
Embora controvertido e muito criticado durante a sua gestão, Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos, cunhou uma inesquecível frase na sua campanha: “Somos nós, o povo, que dizemos ao governo o que fazer, não o contrário”.
Faz sentido? Faz todo sentido. É assim que é ou, no mínimo, deveria ser. Eles aprenderam rapidamente a agir em nosso nome, porém como querem.
Da nossa parte, temos de aprender mais rapidamente ainda a lhes dar as ordens sobre o que realmente queremos. Utopia? Não, apenas o estrito cumprimento do dever, de parte a parte.
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O ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab deveria assistir ao elogiável longa Três Anúncios para um crime, candidato ao Oscar como Melhor Filme, Atriz (Frances McDormand), Ator Coadjuvante (Sam Rockwell e Woody Harrelson), Roteiro Original, Montagem e Trilha Sonora.
Kassab perceberia que o seu projeto Cidade Limpa, que baniu as placas de outdoor da cidade de São Paulo, foi generalista e profundamente arbitrário com o segmento econômico do outdoor. Sua lei fechou empresas que funcionavam há anos, gerou desempregos e prejudicou a informação pública em um momento de São Paulo em que a população não estava ainda devidamente digitalizada. E hoje está em maior número, mas não totalmente. Explico: perceba o leitor a dificuldade de se localizar uma artéria na capital paulistana, sem os recursos da web. As placas indicativas estão destroçadas e os números dos edifícios, armazéns, lojas e residenciais nem sempre estão afixados e/ou visíveis.
Voltando ao longa: ao assisti-lo, Kassab perceberia o valor incalculável desse meio de comunicação, que o filme explora muito bem, sendo até mesmo o ponto de partida e recorrência de toda a trama.
Publicitário ou não, o leitor não deve deixar de assistir a Três Anúncios para um Crime, título fraco, embora com tradução fiel do original em inglês, para um longa forte e extremamente atual, não apenas em cidadezinhas do meio-oeste americano onde a história se desenrola, mas principalmente nas grandes cidades dos países emergentes como o Brasil, onde a atuação do Estado sempre deixa a desejar.
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Assumindo a presidência do Bradesco no próximo dia 12, o executivo Octavio de Lazari Júnior deu uma entrevista à Folha (11/2) que é uma antevisão de como pretende exercer a sua nova função no tradicional banco, onde está desde 1978. Destaco para o leitor a frase-título da matéria: Não adianta ser uma empresa rica num país pobre.
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A matéria de capa desta edição do PROPMARK aborda o discutido tema das fake news, que aumentam de volume nas redes sociais abertas, com boatos causando confusão e anunciantes ameaçando cortar investimentos. Nossa reportagem ouviu categorizados profissionais do mercado e presidentes de diversas entidades do segmento da comunicação, sobre essa onda que preocupa, inclusive e talvez ainda mais, os usuários dessas plataformas.
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Este Editorial é em homenagem à bebê Melina Ferrentini de Oliveira, nascida na última quinta (15) em São Paulo, filha de Júnia Milani Ferrentini e Cassiano de Oliveira, símbolo da novíssima geração de brasileiros, à qual devemos lutar para entregar um país melhor, se possível o quanto antes.
Armando Ferrentini é presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda (aferrentini@editorareferencia.com.br).