"Deveríamos abraçar a mudança"

Chloe Gottlieb, vice-presidente-sênior e diretora de criação executiva da R/GA em Nova York, esteve no Cannes Lions três vezes: todas como jurada. Difícil acreditar que alguém como ela não tenha “precisado” do festival para “se inspirar” e trabalhar em uma das agências mais disruptivas e inovadoras do mercado da publicidade mundial. Mas Chloe pertence ao seleto grupo de agências que inspira Cannes e ajuda a mover a indústria para frente. Ela não é uma workaholic, mas uma pessoa de hábitos bem comuns. Isso, sim, é novo e disruptivo. 

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Chloe Gottlieb, vice-presidente-sênior e diretora de criação executiva da R/GA em Nova York

O que é a experiência de espaços conectados para a R/GA?

Interessante como a tecnologia é capaz de nos conectar e nos humanizar. O que estamos vendo em todos os setores – financeiro, transportes, viagens – é que estão sendo “desconstruídos” pela tecnologia. E um deles, no qual estamos muito interessados, é a arquitetura. Há muitos arquitetos focados mais na forma, no exterior de uma construção, e dando menos atenção a como usar o potencial das ferramentas digitais para conectar as pessoas entre escritórios, dentro dos escritórios. Por que não desenhar uma camada invisível de inteligência digital em um espaço onde, por exemplo, uma pessoa pode entrar e, com a ajuda da tecnologia, entender quem são as pessoas que ali trabalham, seus potenciais e assim escolher com quem conversar ou, ainda, conhecer o trabalho realizado, escolher ideias para levar consigo, para a própria empresa? Estamos interessados nessa experiência no espaço físico que pode ser invisível. Pode-se criar um tour mais rico na empresa, mais interessante para os clientes. Criamos no nosso escritório em Nova York uma sinalização inteligente que aprofunda informações sobre as pessoas e os trabalhos realizados. Essa sinalização é disponibilizada globalmente para toda a rede. Se você está em Londres, poderá ver novos trabalhos de Nova York. No aplicativo que criamos para clientes, eles podem gravar informações passadas numa visita ao nosso escritório e aprofundá-las em nosso website – está tudo conectado. Criamos isso para a agência e agora nossos clientes se entusiasmaram tanto ao conhecer o sistema que querem que a gente os ajude a criar espaços interconectados para eles. 

Então isso virou um produto da R/GA?

Sim, a criação de espaços conectados se transformou em uma habilidade, um produto da agência. O Connected Spaces Capability será algo que os clientes poderão comprar, dentro do nosso serviço de consultoria.

Existe muita discussão em torno do que as agências têm para oferecer aos seus clientes. Qual a sua visão?

Bom, na verdade, não somos uma agência. Parte do nosso negócio é ser uma agência. Parte é atuar em transformação de negócios, parte agora é desenvolver áreas e ambientes de trabalho conectados e parte é, ainda, uma área de venture, de investimentos. Temos uma divisão aceleradora de negócios, trazemos startups. Não acho que em algum momento tenhamos sido apenas uma agência de publicidade e isso nos ajuda hoje porque as agências estão sendo desconstruídas. Queremos nos manter à frente disso. Ser apenas uma agência de publicidade, hoje, não funcionaria mais. Podemos ser, por exemplo, uma empresa contratada somente para desenvolver um projeto de ambientes interconectados e isso é muito interessante. E agora temos clientes que estão começando a se tornar parceiros na aceleradora. Começamos com techstars e trazendo para cá startups, agora há clientes interessados em levar a inovação para dentro de suas empresas, se associando com essas startups, entrando em contato em primeira mão com projetos e produtos que estão sendo desenvolvidos, podendo adquiri-los ou se associar. Um dos nossos clientes, Westfield, associou-se à R/GA para criar a própria aceleradora, voltada para a área de comércio eletrônico, e tem hoje o Westfield Labs, uma divisão focada em inovação no varejo digital.

E qual é o seu papel em meio a tantas possibilidades e jobs diferentes?

Meu trabalho como líder criativa, junto com meu parceiro Taras Wayner, é criar um sistema que nos permita identificar o trabalho mais disruptivo e garantir que estejamos desenvolvendo o trabalho mais inovador possível para os nossos clientes. Há muito trabalho sendo feito na rede, nossa posição é ajudar a criar um ambiente no qual as pessoas sintam que têm condições de produzir o melhor trabalho. Também construímos relacionamentos com os clientes que nos permitem levar a eles boas ideias. Algumas ideias nascem de briefings, mas também somos proativos e levamos ideias para fazer seus negócios crescerem. É interessante observar que, na medida em que clientes vêm montando times criativos in house, o papel das agências se torna mais estratégico, mais interessante, mais inovador. Tentamos compreender profundamente os negócios dos nossos clientes e nos manter à frente do que está ocorrendo na tecnologia para dar ideias para as marcas se manterem à frente das mudanças, o que é realmente importante hoje em dia.

Há de fato um movimento de clientes contratarem times criativos internos. Por que você acha que isso vem ocorrendo?
O que ocorre é que o digital no início – websites, algum conteúdo – não eram tanto o core do negócio dos clientes. Mas se você pensar em um grande varejista hoje, o site é o seu negócio. Eles desejam ter essa plataforma tão importante mais próxima e integrada às demais partes do seu negócio. No nosso caso, estamos mais ocupados do que nunca, trabalhando inclusive para clientes que possuem times criativos internos. O ritmo das mudanças é tão rápido, que há um valor real em parceiros estratégicos capazes de se manter à frente das mudanças e de dar a clientes uma perspectiva diferente. Trabalhamos com tantas marcas diferentes e estamos vendo, diariamente, tantas tendências macro, insights, mudanças no cenário dos consumidores. Estamos expostos a tantos tipos de problemas de negócios diferentes que não nos sentimos ameaçados por times criativos internos, trabalhamos em parceria com eles. Temos modelos em que parte do nosso time se desloca para dentro do cliente ou, em alguns casos, ajudamos clientes a criar estúdios de conteúdo internos e prestamos consultoria sobre como desenvolver este conteúdo. Acreditamos que ideias e criatividade deveriam ser open-source. Não se trata de se sentir ameaçado, mas permitir que todos cresçam juntos. Quanto mais fazemos, mais trabalho, mais inovação e criatividade haverá. Não é algo ameaçador. Eu particularmente acho muito bom que todos tenham times criativos internos, empresas como Facebook, Google… Isso aumenta o sarrafo. São bons desafios! Como indústria criativa, deveríamos abraçar a mudança. Por que as pessoas ficam tão nervosas diante de mudanças? Criatividade não é um ativo limitado. Quanto mais se cria, mais criatividade há!

Você foi jurada de Cyber este ano. Como foi a experiência?

Uma coisa que falamos muito no júri foi sobre trabalhos que duram. Que suportam o teste do tempo. Trabalho que nos entusiasma hoje, mas que nos deixará orgulhosos daqui a dois anos. Trabalhos icônicos como o Fuel Band, que nós criamos e foi o melhor Grand Prix que vi em muitos anos. Não consigo pensar em nenhum trabalho tão icônico, que teve impacto tão profundo na indústria. Quando vejo hoje em Cannes os Venture Capitals, a Startup Academy, os Innovation Lions, penso em quando os júris decidiram premiar Nike Plus e o Fuel Band, momentos divisores de águas, de grande mudança na indústria. Ainda que tenha vivido seu ciclo, Fuel Band ainda é um trabalho icônico. Não é uma ideia que simplesmente evaporou. Seu impacto é sentido até hoje. Acredito que este ano entramos na era de ouro de Cyber. O trabalho foi tão poderoso, de tantos lugares diferentes, usando tantos tipos de tecnologia diferentes: voz, corpo, telas, VR, data, todos os aspectos da mídia foram aproveitados como ferramenta para a criatividade. Dormi em média quatro horas por noite e liderei um júri com mais de 20 pessoas seniores que eu não conhecia, mas me senti energizada! Ser um criativo estratégico e passar uma semana inteira fazendo nada além de ver trabalhos maravilhosos é como uma droga. Foi a melhor experiência profissional da minha vida.

E esse trabalho maravilhoso vai para as ruas? Faz diferença?

Existe uma diferença entre valor percebido e valor real. Acredito que trabalhos de valor são aqueles que começam e terminam em pessoas. Mas o fato é que o prêmio é apenas o começo para a maioria dos trabalhos. Não se pode pegar o Leão, colocar numa prateleira e seguir para o próximo briefing. Se você criou um algoritmo que cria arte, vá salvar a arte no mundo! O prêmio deveria ser o começo de um processo: o que você vai fazer com isso? Por que não patentear e levar adiante? Algumas pessoas não pensam nisso porque estão nesse jogo de prêmios. Uma investidora comentou comigo que Cannes está cheio de empresas – muitas de bilhões de dólares – nas quais ninguém está investindo. Criam ideias inovadoras de marketing, o que é ótimo para as marcas, mas como as marcas podem aproveitá-las para criar novos negócios, transformar seus negócios?

Marcello Serpa brincou que há tantas empresas tentando salvar o mundo que não se sabe mais quem o está destruindo. Você concorda com esse pensamento?

Não acho que seja um problema empresas tentando salvar o mundo. O que eu questiono é por que nossa indústria tenta resolver tantas questões e não resolve as próprias, que são muitas: onde estão os negros em Cannes? Onde estão as mulheres CCOs? Onde está a diversidade econômica? Somos uma indústria muito homogênea e não refletimos a cultura de consumidores que retratamos e marketeamos. Vamos tentar resolver os nossos problemas também?