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Antes de ser afastada da Presidência da República, Dilma Rousseff assinou o decreto referente ao Marco Civil da Internet, que regulamenta a Lei 12.965/2014. Entre outros assuntos, o texto contempla uma série de medidas relacionadas à privacidade na internet. Além disso, estão em tramitação os projetos de lei (PLs) de proteção de dados, um do Senado e dois do Congresso. As situações afetam diretamente, de diferentes maneiras, o mercado da publicidade e o do marketing, mas, no final, podem resultar em maior transparência, tanto para o consumidor quanto para as empresas anunciantes.

A Abemd (Associação Brasileira de Marketing Direto), na semana passada, promoveu um encontro para debater o tema com representantes do mercado. O advogado e consultor da associação Vitor Morais de Andrade, sócio da LTSA Advogados, apresentou o cenário, e a moderação foi do presidente da instituição, Efraim Kapulski. “O princípio da lei é o empoderamento do consumidor”, fala Andrade.

De acordo com Kapulski, o encontro reforça o posicionamento oficial da Abemd, que foi divulgado em texto que ressalta a missão da instituição “de buscar, desenvolver, incentivar, criar uma sociedade com forte proteção à liberdade de expressão. Buscando a garantia da ordem econômica, da livre iniciativa, do direito à liberdade de expressão comercial e da proteção ao consumidor” e também de “incentivar as boas práticas comerciais na busca do equilíbrio entre a liberdade de expressão comercial com o respeito ao consumidor”.

O impasse que se mostra no cenário, contudo, segundo Kapulski, é que os projetos de lei de proteção de dados têm pontos divergentes. “Eles ainda têm algumas imprecisões que ferem a missão da Abemd. Todas as associações querem proteger o consumidor, mas não queremos o cessamento da liberdade de expressão comercial”, ressalta.

Ainda de acordo com Kapulski, a Abemd vem debatendo o Marco Civil e a proteção de dados porque “a liberdade de expressão comercial é o princípio que norteia tudo que a associação trabalha”. E complementa: “Ela (a liberdade de expressão comercial) é conceitualmente complexa. Existe a liberdade de expressão das pessoas, mas a consequência é a liberdade de expressão comercial, que é a gente poder se comunicar com o consumidor. Nos projetos, havia muitas cláusulas restritivas”.

Essas cláusulas restritivas foram debatidas no encontro promovido pela Abemd, na semana passada, entre elas a questão da privacidade de Dados Sensíveis, que aparece no PL 5276/2016 – que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais para a garantia do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa natural. Nesse PL, são considerados sensíveis, por exemplo, dados que revelem origem racial, convicções religiosas e opiniões políticas, entre outros pontos. “É algo difícil de conceituar. O que coloca os dados sensíveis como um problema”, explica Andrade.

Incertezas
Da mesma forma que a Abemd, o IAB (Interactive Advertising Bureau) também acredita que o tema proteção de dados precisa ser melhor trabalhado. A instituição divulgou um artigo no qual questiona o conceito jurídico brasileiro de dados pessoais e a forma de consentimento de coleta desses dados – se subentendida ou mediante consentimento expresso –, além da forma como as informações dos usuários de internet podem ser utilizadas, inclusive se podem ser repassadas a terceiros.

Segundo o texto, o Marco Civil apresenta algumas respostas a essas dúvidas, entre elas a proibição, em regra geral, do fornecimento de dados pessoais do usuário a terceiros – e nisso, já estão inclusos os registros de conexão e acesso a aplicações de internet do usuário, exceto quando houver consentimento livre, expresso e informado por parte do internauta.

Como pontos negativos, o IAB afirma que o Marco Civil em momento algum definiu os conceitos de “dados pessoais” e “consentimento”, nem como obter esse consentimento. “Esses ‘espaços vazios’ fazem com que o Marco Civil da Internet não apresente a necessária segurança jurídica às plataformas digitais, redes sociais e demais empresas com presença online. Utilizar conceitos emprestados da doutrina e jurisprudência somente agrava esse problema, notadamente quando se recorda o quão vagos e amplos são esses conceitos”, expõe o artigo.

Para o IAB, as lacunas legais do Marco Civil representam um problema para o mercado publicitário, uma vez que a publicidade dirigida, em sua essência, só é possível pelo tratamento de dados dos usuários. A entidade defende, ainda, que a utilização de dados é o que sustenta o ecossistema de serviços e de acesso a informações online gratuitas. “Entre pagar uma pequena quantia por acesso, por dia ou por mês, ou ceder dados, quase todos preferem pagar com seus dados”, diz o texto do IAB, que traz ainda um contraponto em defesa do mercado.

“Pagar com dados é uma escolha válida e precisa ser respeitada. É um modelo que permite a todos os usuários da internet participar do ecossistema online, não apenas a quem dispõe de recursos para pagar por conteúdo e serviços. Dificultar o tratamento de dados para fins comerciais pode inviabilizar práticas lícitas consagradas no mercado brasileiro e emperrar toda a economia digital”, termina o artigo.

Para sanar dúvidas sobre o Marco Civil, o Comitê de Assuntos Jurídicos do IAB elaborou um FAQ, disponível no site da instituição. Já a Abemd continuará a tratar o tema proteção de dados nos quatro pilares que sustentam as ações da entidade: atuação parlamentar e autorregulamentação; educação; informação e promoção da atividade e networking.