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Um dos sites mais divertidos da internet é o Web Archive. Nele, você pode procurar, por exemplo, a home do UOL de 1996 (veja abaixo). É possível observar que desde aquela época, há mais de 20 anos, as marcas apostavam no online para atingir seus consumidores. Era o começo do marketing digital, área que avançou nos últimos anos e que no Brasil está cada vez mais madura.

PROPMARK decidiu ouvir especialistas para avaliar o momento do setor no Brasil. Afinal, será que o marketing digital está próximo de perder a nomenclatura adicional e se tornar, naturalmente, apenas marketing?

Passado dificulta avanços?

Se hoje o setor caminha a passos largos, há alguns anos a área causava certo receio em anunciantes e clientes. “Na verdade, as empresas no Brasil demoraram muito para entender o que é o marketing digital”, explica Ricardo Inforzato, diretor de planejamento e estratégia da Pílula Criativa.

“Se o marketing digital foi visto com maus olhos, isso com certeza já ficou para trás. As plataformas digitais mostraram o seu valor quando conseguiram retornar os investimentos”, explica Diego Carmona, CEO da Leadlovers.

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Para Sandra Turchi, especialista em marketing digital que atua há mais de 20 anos na área, o próprio termo “marketing digital”, em certa medida, ainda é muito recente. “Foi usado pela primeira vez na década de 1990, há menos de 30 de anos. E, por conta dessa incompreensão, há uma certa desconfiança de alguns empresários em relação aos resultados. No meu entendimento é algo bastante natural. Desconhecimento leva a desconfiança”, explica a profissional. “Hoje, felizmente, a maioria dos tomadores de decisão compreende que boas oportunidades de vendas e relacionamentos são gerados quando há investimentos adequados numa presença online consistente”, afirma Sandra.

Como cobrar?

Talvez, um dos temas mais complexos do universo do marketing digital seja: como cobrar pelo trabalho do jeito correto e justo? “Geralmente os gestores das agências não tem muito claro como enxergam suas empresas e para qual mercado elas estão apontando seus esforços. Cobrar certo está intimamente ligado à sua estratégia de formação de preço, de modo que essa mesma estratégia está ligada ao quanto você gera de valor para o seu potencial cliente. Se você não sabe com exatidão quem é o seu cliente, como conseguirá gerar valor para ele? Se não gera valor como cobrará certo?”, questiona Eduardo Fonseca, CMO da agência Diwe. “A minha conclusão é que as agências sofrem de uma crise de gestão e propósito”, complementa.

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“Enquanto o mercado publicitário tradicional tem mais de 100 anos, o mercado digital tem 20 e poucos. Um dos grandes erros no Brasil foi trazer o modelo de cobrança de 20% para o digital, o que não funciona bem. Outro erro foi copiar o modelo jurídico de cobrança por hora, o que torna as relações entre cliente e fornecedor muito ruins e desgasta rapidamente a relação de confiança”, explica Rafael Rez, fundador da Web Estratégica, consultoria de marketing digital.

Como dica prática, Sandra sugere que para determinar valores com embasamento e manter a segurança no momento da apresentação da proposta ao cliente potencial, é preciso “desmembrar o projeto em duas fases (onboarding e ongoing); relacionar atividades, despesas, pessoal e tempo médio investido; calcular os custos das horas trabalhadas da equipe, o percentual de gastos fixos, os serviços terceirizados, impostos e as margens de lucro; por fim: prestar serviços de qualidade, transparentes e que gerem sólidos resultados para o cliente”.

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Para Carmona, é mais inteligente pensar em um período de testes, porque a partir dos dados coletados, as estratégias podem mudar completamente e os retornos aumentarem também. “Seguindo essa linha de raciocínio, fica mais fácil colocar em números o valor que o serviço merece”, explica.

Segundo Inforzato, para iniciar a precificação de um serviço, a agência deve conhecer todos os seus custos fixos, variáveis e os de implementação e manutenção de uma estratégia de marketing digital, seja uma simples criação de layout para rede social, seja um plano estratégico anual. “O principal trabalho nesse sentido é fazer um mapeamento dos custos. E, principalmente, de tempo. Quanto custa a hora de trabalho de cada profissional envolvido na ação? E as horas que foram demandadas em reuniões e deslocamentos até o cliente? Usou veículo próprio? Quanto gastou em combustível? Outro ponto importante: qual é o custo de aquisição de cada cliente? Qual é o percentual de contatos iniciais que eu consigo transformar em clientes por mês para minha agência? E qual o tempo estimado desde o primeiro contato com o cliente até o fechamento da proposta e pagamento da 1ª parcela do contrato? Ter esses dados permite fazer uma média de quanto custa para a agência adquirir seu cliente e qual é o percentual de conversão e tempo médio de aquisição. Isso é fundamental para definição de estratégia comercial”, pontua.

O diretor de planejamento da Pílula Criativa continua: “se sei que preciso abordar 10 prospects para que dois virem clientes, consigo estimar uma meta de quantos clientes potenciais devo atacar mensalmente. Se o tempo do processo de venda é de dois meses, sei a média de quanto custa cada contrato. Se sei isso e mais os custos fixos e variáveis de minha empresa e quanto preciso de lucro para manter sustentável e saudável meus negócios, tenho o mínimo necessário para precificar meus serviços”.

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“É imprescindível educar o mercado acerca das muitas nomenclaturas, ferramentas e estratégias pertinentes ao marketing digital. Se o anunciante não compreender a estrutura pela qual está investindo, ficará inseguro e tenderá a buscar métodos mais conservadores”, explica Daniel Palis, sócio fundador da agência Calina.

É bom lembrar: há agências que reduzem drasticamente suas margens de lucro e de preços porque estão perdendo clientes para freelancers. Ou porque o cliente diz que tem preço menor no mercado, fazendo a agência ter medo de perder esse contrato.

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“Se a agência sabe o que oferece e o grau de expertise que tem, se ela consegue oferecer e mensurar resultados, ela também precisa saber qual é o valor real de seus serviços. E valor é muito diferente de preços. Quem sabe o valor que tem e que gera para os clientes, quem se diferencia, não pode cair na cilada de reduzir preços por medo de perder contratos, salvo se a agência ou profissional estiver em alto grau de risco de falência do negócio”, analisa Ricardo. Para ele, outra dica fundamental é a agência saber quem é o seu perfil de cliente e o que ele procura. “Se tenho preços um pouco acima do que cobra muitas das agências e sei meu valor de entrega, devo então procurar clientes que estão mais aderentes à minha oferta de negócio”, elucida.

Rafael Rez também possui práticas para cobrar melhor. Ele enumera os ensinamentos em cinco dicas:

1) Cobre o trabalho pelo esforço total de entrega, não pelo custo de fazê-lo;

2) Escolha clientes com os quais queira trabalhar, ou será escolhido pelos clientes com os quais não quer trabalhar;

3) Demita seus piores clientes, um por vez. Clientes que custam caro atender, que não valorizam o trabalho ou que sempre querem pagar menos são nocivos para o negócio. Encerre o trabalho com eles e concentre-se nos bons clientes;

4) Posicione-se como um especialista que vale a pena contratar. Desconto é o último recurso;

5) Cobre bem para poder contratar os melhores profissionais. Agências e consultorias são como times de futebol: quanto melhor o elenco, melhores os resultados.

Como aumentar os investimentos?

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Os investimentos em marketing digital no Brasil devem crescer 12% ao ano até 2021, segundo a PWC. A previsão, aparentemente, parece tímida. O que fazer para que esse prognóstico se cumpra e até ultrapasse o esperado? “É necessário que as agências e especialistas em marketing digital se preocupem cada vez mais em escolher as métricas corretas para que provem o valor de seus serviços. Feito isso, as empresas – enquanto clientes – passarão a naturalmente migrar a verba de ações mais tradicionais para o digital”, explica Fonseca.

“Se o cliente não vê os resultados, certamente não verá valor no serviço. Muitas agências conseguem fazer serviços com resultados incríveis, mas falham em mostrar esses resultados aos clientes. Achar que os relatórios de resultado são tarefa sem necessidade e que podem ser deixadas para depois, é um erro crasso em marketing digital. Outro erro é não prestar um atendimento adequado e próximo ao cliente. Vejo atualmente muita falha nisso”, opina Inforzato.

Sandra aponta para um fator relevante: o cumprimento desta previsão passa, invariavelmente, pela expansão e pela melhoria da infraestrutura de internet no Brasil. Um relatório da empresa britânica OpenSignal, divulgado há um ano, avaliava a qualidade da internet em 88 países e situou o Brasil na 52º posição no ranking de velocidade, e em 78º em disponibilidade das redes. Para se ter uma ideia, a velocidade para downloads em Cingapura, primeiro colocado, é de nada menos que 44,31 Mbps, enquanto no Brasil é de 19,67 Mpbs. “A melhoria da nossa infraestrutura é um dos elementos que vai pavimentar o caminho para que o marketing digital cresça ainda mais”, analisa.

“O que falta no mercado são profissionais qualificados. Tem muito aventureiro e tem muita gente sem experiência. Faltam analistas de mídia, profissionais de SEO, de métricas, de conversão. Entregando resultados efetivos e ROI, o mercado cresce. Ainda vamos passar por muitas bolhas. Vivemos a bolha pontocom lá no ano 2000. Recentemente, a bolha do inbound marketing, a bolha dos influenciadores digitais, a bolha do growth hacking e agora a bolha da transformação digital. As pessoas adotam os modismos como se fossem soluções definitivas universais. Não existe solução universal nem tendência que dure para sempre”, afirma Rafael. “Também faltam pensamento sistêmico, gente que entenda de negócios e entenda a cultura digital. A evolução das empresas é mais lenta que a das pessoas. Os consumidores estão pressionando as empresas a adotarem mais o meio digital. Quem não entender isso e colocar em prática, vai acabar perdendo mercado ou quebrando”, complementa.

Futuro

Segundo Palis, é possível afirmar que nos próximos anos o conceito de marketing digital se transformará apenas em marketing. “Já que não haverá distinção entre o que é online e offline”, elucida. Eduardo, da Diwe, concorda: “o marketing digital é tão somente uma maneira didática de se referenciar às práticas de marketing que acontecem e se valem dos meios digitais, reflexo do comportamento de compra e consumo das pessoas atualmente. Marketing é marketing, tão somente. Ele continua seguindo os mesmos fundamentos apontados por Philip Kotler, considerado o papa do marketing, lá em 1967”, diz.

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O maior desafio para 2019 e próximos anos, na opinião de Gustavo Hana, CEO da agência Ghfly, é o processo de integração da comunicação digital e offline. “Atualmente na grande maioria das empresas ainda existe a separação dos departamentos de comunicação online e offline. Varejistas têm áreas dedicadas para o e-commerce e que ainda não conversam com o marketing institucional/offline da empresa e portanto ainda não temos uma comunicação eficiente para o consumidor digital, impactando nos resultados de venda. Os objetivos e estratégias ainda são voltados ao canal e não ao negócio e ao cliente”, explica.

Para o especialista, é preciso ter em mente que não foi a comunicação que se transformou em digital, mas o consumidor é digital. As empresas precisam integrar suas ações de comunicação mas para isso precisam mudar sua estrutura interna. Essa sem dúvida é uma das principais barreiras para 2019 e próximos anos, já que a mudança é estrutural.