O negócio digital tem características da hiteconomy, na qual alguns vencedores ganham muito, mas a maioria oscila entre a mediocridade de resultados e o fracasso. Outros setores de negócios, como o cinema e o show business, têm esse viés e os poucos sucessos são os emuladores do todo, pois o esforço é, evidentemente, o de mimetizar as fórmulas que dão certo. No caso do digital, há dois elementos que têm estimulado certo descolamento da lógica habitual dos negócios e um excesso de aposta em um futuro não muito garantido, com sucessivas propostas disruptivas da ordem natural das coisas – como a oferta de serviços gratuitos ou a um valor inferior aos padrões do mercado.

Esses dois elementos são os investimentos através de venture capital e dos IPOs, ambos com forte viés especulativo e uma boa dose de fator lotérico, pois se espera que o enorme sucesso de alguns casos compense as perdas em diversos outros. Isso leva a uma maior preocupação com o mercado financeiro do que com o mercado real por parte de muitas iniciativas do digital, estruturadas mais com o objetivo de inovar e revolucionar do que atender de forma consistente e lucrativa uma demanda dos consumidores. Em outros casos, fica evidente que se pretende absorver uma parte importante da cadeia de valor de um setor, mas sem oferecer um “serviço” correspondente, ou seja, há o claro objetivo de fazer o provedor do bem ou serviço trabalhar por um valor menor que vinha fazendo tradicionalmente ou de levar o próprio consumidor a oferecer alguma coisa por preço zero.

Em coluna anterior, comentei que o digital está, em diversos casos, gerando uma cadeia de “des-valor”, prejudicando setores tradicionais sem necessariamente criar novas riquezas. Na próxima coluna abordarei o fenômeno dos start-upshiper valorizados. Nesta primeira parte, vamos lembrar de alguns IPOs que deram e não deram certo. O primeiro grande sucesso do digital foi o AOL, em 1992, com IPO gerando US$ 11,5 por ação, que chegou em 1999 ao pico de US$ 90, fez a histórica fusão em 2000 com a Time Warner, negócio que não deu certo e levou à separação das duas em 2009. Mas a AOL terminou sendo vendida para a Verizon, em 2015, por US$ 50 a ação. Em 1996, a Yahoo! surpreendeu lançando sua IPO a 54 cents por ação, que subiram para impressionantes US$ 1,375 no fim do primeiro dia, superando o valor de mercado da histórica General Motors. Mas o sonho terminou com a venda, em 2016, por US$ 39,38 a ação, para a mesma Verizon.

O Facebook viveu seus primeiros três anos de aplicações de venture capital. Em 2012 seu muito esperado IPO estava previsto para captar US$ 45 por ação, que terminou sendo vendida por US$ 38,20 e uma semana depois estava a US$ 26,80. Hoje está na faixa de US$ 120, principalmente graças aos resultados dos últimos anos. Em 2013, arrecadou um total de US$ 7,9 bilhões em receitas, contra US$ 5,08 bilhões de 2012. O lucro líquido alcançou US$ 1,5 bilhão em 2013, ante os US$ 53 milhões de 2012, quase nada diante dos US$ 16 bilhões levantados no IPO. É a 5ª maior empresa de mídia do mundo (dados de 2015) e junto com o Google forma o duopólio que domina o digital, à custa do massacre de dezenas de milhares de operações digitais que patinam e tantas outras que nunca decolaram.

O IPO do Google foi de US$ 100 por ação em 2005 – valia US$ 600, em 2012; US$ 800, em 2014; e estava na faixa de US$ 780, em outubro de 2016. Foi a maior empresa mundial de mídia em 2015, com US$ 60 bilhões de receita, e talvez faça US$ 80 bi este ano, com previsão de US$ 20 bi de lucro. Mas está sob cerrado ataque de governos ao redor do mundo e até do G20, por evasão de impostos, e começa a enfrentar processos para combater sua enorme concentração de mercado. É o megassucesso do digital, mas tem pés de barro, pela evasão fiscal, desconfiança em relação a seu real impacto e “exploração” das demais mídias.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda  (rafael.sampaio@uol.com.br)