Divisão de contas aumenta no mercado publicitário após o digital
Como dividir minha verba publicitária? Qual é o melhor modelo? Separo a comunicação digital da offline? Concentro toda a conta em uma agência? Perguntas como essas são comuns entre os gestores de marketing e as respostas dependem de cada caso. Em resumo, cada anunciante tem um modelo diferente. O fato é que, com o digital, a divisão de contas entre as agências aumentou e os desafios não param de surgir no sentido de encontrar o modelo de comunicação mais eficiente para as marcas. Testar é um verbo que, aliás, passou a fazer parte com mais frequência do repertório dos dirigentes de agência. Mas é verdade também que novas oportunidades surgiram com esse cenário de mídia multifacetado e desafiador, que requer uma propaganda cada vez mais dinâmica.
A P&G, maior anunciante do mundo com marcas como Pampers, Always, Oral-B e Gillette, que passa por processo de revisão global de verbas e lidera o movimento de brand safety no digital, decidiu rever o portfólio de agências no Brasil há pouco mais de dois anos e criar um digital hub, diante da necessidade de ter uma agência com mais expertise no online.
“A gente simplificou o nosso portfólio de agências. Trabalhávamos com várias agências de ATL, BTL, era bem complexo. Uma das conclusões a que chegamos é que precisávamos de mais expertise no digital. Vimos que precisávamos trabalhar com uma agência que ajudasse na utilização de mídia de uma maneira transparente e segura para a nossa comunicação digital, com expertise em mídia programática e tudo que engloba esse universo”, conta Poliana Sousa, diretora de marketing, comunicação e mídia da P&G.
Poliana Sousa: digital hub da P&G está sendo exportado
A conta do digital hub foi entregue para a iProspect (que pertence à Dentsu Aegis Network), responsável hoje por todo o planejamento de mídia digital das marcas da P&G. Segundo a executiva, o modelo tem funcionado muito bem, tanto que está sendo exportado para outros mercados da P&G. “Isso não quer dizer que as nossas agências de ATL (Publicis, Grey e Wieden+Kennedy) não olham mais para o digital. Elas criam para as marcas com campanhas 360º, mas a compra de mídia digital é feita pela iProspect, em colaboração com as agências de ATL. O papel da iProspect é fazer o melhor em termos de custo e benefício para a P&G”, ressalta Poliana. O investimento publicitário da P&G no mercado brasileiro foi de R$ 843 milhões de janeiro a junho de 2017, segundo o ranking do Kantar Ibope Media.
Outro grande anunciante, a Johnson & Johnson também dividiu a sua conta on e offline há cerca de três anos. “No offline, a gente tem duas grandes agências, a DM9 e a J. Walter Thompson, sendo que cerca de 70% das marcas estão com a DM9 e 30% com a JWT. E na parte digital, trabalhamos com três agências, a DM9, a Sunset e a AG2. A gente tenta equilibrar as marcas entre as agências. Centralizar as marcas numa agência só seria um risco muito grande do ponto de vista de planejamento e capacidade criativa. A concorrência é boa em todos os momentos, inclusive na parte criativa”, afirma José Cirilo, diretor de marketing da Johnson & Johnson Consumo do Brasil.
José Cirilo: J&J aposta em expertises diferentes
Para o executivo, a forma de comunicar com o consumidor no ambiente online e offline é diferente. Embora a ideia possa ser a mesma, essa divisão ainda faz sentido. Ele ainda acredita na linha de divisão entre agências offline e digital. “Para mim, ainda existe agência que tem expertise em TV e agência com expertise em digital. Eu não conheço uma que tenha expertise nos dois iguais. Até as agências digitais que estão despontando no mercado, como a Sunset, que é uma agência que vai muito bem aqui com a gente, não acho que têm expertise para fazer uma criação para a TV, é diferente”, avalia Cirilo.
Na opinião do executivo, quem tem de controlar a comunicação integrada é o marqueteiro da empresa e não a agência. Ele explica que na companhia há uma reunião mensal de governança com todas as agências juntas para ver o que cada uma está criando e como cada uma ajuda todo mundo. “O trabalho integrado não necessariamente deveria sair de uma agência, precisa sair de uma liderança”.
A Johnson & Johnson também tem hoje um comitê de mídia operacional para planejamento e execução de mídia. “Essa foi uma grande mudança para a empresa e para o mercado. Já começamos a discutir mídia durante o processo criativo. A DM9 operacionaliza esse comitê de mídia. Assim como temos um comitê de BI que a Sunset faz, que avalia toda e qualquer interação do consumidor com a marca, a DM9 faz a governança da parte do above the line com o time de mídia”. Segundo Cirilo, hoje a companhia caminha para chegar a 35% do investimento em digital. “Há três anos, o digital tinha 1% do investimento”.
Não há um modelo padrão
A divisão de contas de grandes anunciantes também acompanha o alinhamento global, como é o caso da P&G com a Grey (do WPP), a Publicis (do Publicis Groupe) e a W+K, porque envolve uma negociação contratual melhor. “Quanto maior for o número de países e uma mesma agência atendendo a mesma marca, tem uma margem de negociação dos dois lados. Além disso, quanto mais uma marca for alinhada na mesma agência, no mesmo grupo, há uma relação mais sólida. A agência tem oportunidade de dar continuidade ao trabalho de comunicação e até ganhar mais espaço dentro da empresa”, ressalta Paulo Cunha, coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM.
Cunha afirma que já viu vários modelos sendo aplicados, mas que pequenas e médias empresas devem concentrar mais as suas verbas. “Quando a gente fala de grandes anunciantes que atuam em cinco, seis áreas diferentes com inúmeros produtos e marcas, ter duas ou três agências ajuda, sem dúvida. Mas acho perigoso quando pequenas e médias empresas dividem suas contas, porque elas perdem poder de barganha com agências diferentes negociando mídia para uma marca que não tem tanto volume de investimento”, analisa ele.
Outra questão é que, muitas vezes, a orientação sobre a concentração ou não de verba vem da própria área de compliance do anunciante. “Já vi essa recomendação de não ter todos os projetos centralizados”, conta ele. O professor lembra que estamos no meio de uma revolução do mercado e não há um modelo único. “Os modelos de agência e os formatos de atendimento são tão diferentes, têm muitas mudanças de paradigmas que envolvem legislação, poder político e estruturas. Cada agência tem um nome, uma designação diferente. Não há apenas um modelo”, reforça o especialista.
Eduardo Tracanella: Itaú valoriza relações de longo prazo
Já o Itaú aposta em relações de longo prazo com suas agências de publicidade. O banco está com a DPZ, agora DPZ&T, há mais de 40 anos; com a DM9, há quase 30 anos; e com a Africa, desde sua fundação, há 15 anos. A flexibilidade pauta a forma como a marca divide a sua comunicação. “A maneira como o Itaú lida com o mercado publicitário e com as agências é puramente reflexo do nosso jeito de fazer as coisas, de apostar em relações duradouras e sustentáveis. A divisão dos projetos que estão com essas agências não é algo tão engessado”, revela Eduardo Tracanella, superintendente de marketing do Itaú Unibanco.
Prioritariamente, a Africa é responsável pelos principais projetos institucionais do banco. “Eu diria que a maior parte da conta institucional está com a Africa. Mas recentemente a gente fez um movimento importante na relação com a agência, que foi dar para ela a oportunidade de trabalhar com produtos também. A campanha de Itaucard é a primeira de produto de varejo que fizemos com a Africa, que tem também os projetos do Itaú BBA”, conta ele.
A DM9 e a DPZ&T dividem as contas de produtos e serviços, sendo que eventualmente essas agências também trabalham com algumas iniciativas mais institucionais. “A DPZ&T atende há mais de cinco anos o projeto Ler para uma criança, muito importante para nós e puramente institucional”, destaca Tracanella. “Com a DM9, a gente vem desenvolvendo já há algum tempo toda a parte da imagem do banco digital, que também esbarra de alguma forma no institucional do banco”.
Sobre mídia digital, o executivo ressalta que não há um modelo de atendimento único diante de tanta complexidade do meio. “Quando a gente fala do digital como mídia, como tem muita coisa ainda a ser aprendida, e como as mudanças ocorrem numa velocidade muito grande, às vezes a gente esquece de entender a complexidade que esse meio tem, de suas diversas possibilidades. Não dá para a gente imaginar um modelo só com esse novo contexto. Em alguns momentos, nossas agências de publicidade desenvolvem projetos digitais para nós, em alguns momentos esses projetos são desenvolvidos inclusive aqui dentro do banco, envolvendo diretamente produtoras e outros parceiros. No Itaú, a gente acredita que o digital precisa responder a modelos diferentes de relacionamento, até para que a curva de aprendizado se mantenha em movimento”, opina ele.
Para Tracanella, mais importante do que a discussão sobre o modelo de negócio é pensar para onde vamos. “Na medida em que as áreas de marketing cada vez se especializam mais é muito importante que as agências de publicidade tentem reencontrar a sua proposta de valor, ou seja, qual valor você pode agregar ao processo de construção de uma marca. O grande desafio que a gente tem é fazer mais e melhor com menos. A busca por eficiência é uma tônica importante para o nosso negócio e, por consequência, acaba sendo absolutamente relevante também no jeito que a gente cuida e planeja a nossa verba de marketing.”