Editorial: Divisões

As pesquisas eleitorais divulgadas pelo Ibope e Datafolha na última quinta-feira (9), respeitadas as suas margens de erro, mostram um país dividido no 2º turno, quando será escolhido quem vai ocupar a principal poltrona do Planalto nos próximos quatro anos.

Muito já se disse e escreveu sobre a baixaria das campanhas até aqui e não podemos esperar coisa melhor nestas duas próximas semanas, quando ao cabo das mesmas os eleitores novamente se dirigirão às urnas para cumprir o que alegam as autoridades ser um direito, mas que não passa de um dever, porque direito ninguém é obrigado a exercê-lo.

Em alguns Estados, além da Presidência da República, serão escolhidos também os responsáveis pelas governanças dos mesmos igualmente nos próximos quatro anos.

Mas, o país não está dividido entre os que sabem votar e os que não sabem, ilação (forçada) de uma afirmação feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e da qual deve estar arrependido, porque sem querer deu munição a João Santana para servir como um dos principais pontos de ataque da base governista às hostes do neto do saudoso Tancredo Neves, protagonista (o avô) de um dos muitos dramas que envolvem a história dos nossos presidentes da República.

A divisão do Brasil, vista pela ótica primeiramente das urnas do 1º turno e agora pelas recentes pesquisas eleitorais, revela-se sob muitos aspectos, porque o Brasil não é fácil de ser entendido e não permite a simplicidade de um exame do tipo elite versus pobreza, bem a gosto de outro ex-presidente, que sempre se empolga nestes períodos eleitorais, repetindo uma das frases que mais gosta de ouvir da própria boca: “Vou fazer política até o último dia da minha vida”.

O “fazer política” de Lula da Silva explica um dos fatores que divide o país: grande parte da nossa classe política, ao “fazer política”, faz de forma condenável e imprópria para menores e maiores de 18 anos.

Faz sem brilho e com um mínimo de preocupação com a população brasileira, formada por pobres, remediados, médios, ricos e milionários. Porque todos juntos formamos a nação, cuja população, excluída a sua classe política, não é responsável pelos desmandos continuados dos nossos governantes.

Dividir o povo do país em pobres e ricos para impressionar os primeiros e injuriar os segundos, é técnica surrada de fazer política, que até mesmo em países menos adiantados do que o nosso – e não estamos utilizando o sentido da observação de Fernando Henrique Cardoso, aliás, interpretada a bel-prazer pelos adversários, mas tão somente exprimindo uma constatação de vida – já não cola mais.

Os tempos de Robin Hood estão distantes e mesmo em seu tempo, a biografia do herói romântico mistura lenda e realidade, segundo a narrativa de William Langand (em torno de 1377), o primeiro autor a escrever sobre o personagem da floresta de Sherwood.

Não há Robin Hoods no mundo – nem mesmo ele o foi, como a “mitologia” o descreve. Por que haveria de estar entre os políticos brasileiros?

Tudo não passa de grossa empulhação e estamos vendo agora – como vimos no passado – como os escândalos desmascaram nossos “heróis” que cafetinam os pobres para ficarem ricos e alcançarem (e manterem) o poder.

O verdadeiro líder, aquele que sabe que todos são necessários ao país, sejam pobres ou ricos, preocupa-se com o conjunto e não apenas com parte dele.

O Brasil não pode prescindir de nenhum dos seus cidadãos, nem mesmo daqueles que compõem o volume interesseiro da classe política, pois mesmo esses podem se regenerar.

Quem ocupa o governo tem a obrigação de governar para todos e não apenas para determinados segmentos da população. Aliás, voltando à divisão que abominamos de pobres x ricos, qual político pode ser enquadrado na primeira categoria?

Se você, leitor, respondeu nenhum, acertou, criando uma contradição para eles resolverem: como pode – segundo o que apregoam – essa imensa legião de pessoas não ter um deles representando-os na classe política?

O Brasil se divide, sim, em boa parte entre os bem e os mal-intencionados. Divide-se também entre os verdadeiros patriotas – que podem ser encontrados em todas as camadas sociais – e os embusteiros, que fingem se emocionar ouvindo o Hino Nacional ou desfraldando a Bandeira, imaginando na realidade que proveito tirar desses símbolos da Pátria.

O Brasil começa a ser dividido, também, por um sentimento que antes não havia e que aos poucos foi fabricado pelos oportunistas: o do ódio entre as classes.

Sempre soubemos conviver com as nossas diferenças, sejam elas quais fossem. Hoje, cria-se um país diverso, com muitos pequenos e grandes “países” em seu seio, mas não por divisões geográficas.

Apenas e tão somente porque nos incutiram uma luta de classes que a todos amedronta e nada resolve, a não ser aumentar o ódio entre concidadãos e enfraquecer a pátria, tornando-a presa fácil dos variados tipos de não cidadãos acima relacionados.

O florentino Nicolau Maquiavel jamais imaginou que uma terra distante, descoberta historicamente pelos portugueses um pouco antes dele completar 31 anos de idade, seria cinco séculos depois um dos principais berços da sua teoria sobre o Estado e o governo, consagrada na inigualável obra “O Príncipe”.

*Este editorial foi publicado na edição impressa do propmark nº 2519, de 13 de outubro de 2014