Do Almanach à Alphabet

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Francisco Madia

Uma espécie de corrida da lebre com a tartaruga. O final todos sabem: vence a tartaruga. É a grande disputa dos últimos cinco anos entre Apple e Google. Apple, a lebre, que precisa a cada semestre de nova “estripulia” para se manter na liderança. Google, a tartaruga, que não tem pressa, come pelas beiradas, e remete à piada do boi novo e do boi velho e experiente que, a seu tempo e ritmo, faturou todas as vacas.

Onde o Google ganha terreno, se robustece, empodera-se, apodera-se e prevalece? Com as velhas e boas listas telefônicas, hoje mais conhecidas como buscador, em sua versão digital. As mesmas listas que segundo o relato de meu querido amigo Nelson Cadena, em seu Almanaque da Comunicação, nasceram muitos anos antes do telefone. No ano de 1812, editada pela Tipografia Silva e Serva, na Bahia. Sua denominação? Almanach da Província da Bahia, em que se relacionavam todos os endereços das repartições públicas, estabelecimentos comerciais e serviços (artesãos, ferreiros, médicos, dentistas, alfaiates e boticários) da cidade de Salvador.

Deixou de ser Almanach e virou Listas Telefônicas em 1881, com o advento da telefonia em nosso país. Uma primeira Lista, em 1882, e uma segunda edição, no ano seguinte, com o nome e o número do telefone do “assinante”, de três dígitos. Telefone era coisa de rico. Até pouco tempo atrás, as tais Listas – em papel – ainda eram um bom negócio e, embora em processo irreversível de desaparecimento, respondiam por uma fatia significativa do bolo publicitário em nosso país; segundo projeção do mercado, de R$ 200 milhões (2007).

Corta e vamos para o primo 200 anos distante do Almanach, a Alphabet, empresa holding de Larry Page e Sergey Brin, que acaba de divulgar seus resultados de 2015, em que pela primeira vez supera a Apple no tocante a Valor de Mercado – US$ 531 bilhões –; eventualmente perderá essa posição mais algumas vezes, mas, gradativamente, pelas características de sua receita, prevalecerá, sem outra empresa capaz de ameaçar essa liderança e domínio. E qual é a base desse resultado espetacular para um negócio que ainda não completou 20 anos? Uma espécie de versão digital, ou simulacro, das velhas e boas Listas. Agora conhecido como Buscador, repito, e rebatizado – na medida em que converteu-se em verbo – Gugar – e designação genérica de categoria de produto – Google. Como durante quase 200 anos foi “Consultar as Listas”…

Neste momento, a Alphabet investe em dezenas de inovações. Como o projeto Lion, visando levar a internet a todos os cantos do planeta; no Nest, para conectar e agregar inteligência e sensibilidade aos produtos das casas; no chamado Carro Autônomo, ou Sem Motorista, no Google Glass, provisoriamente recolhido às oficinas dado ao insucesso inicial; e ainda na Fiber, na Calico, na Verily, GV, Siewalks Lab e em dezenas de outros negócios que já são realidades, mas ainda não lucrativos. Ganhar dinheiro, de verdade, é com o Google. Onde se encontram também e dentro o Youtube, Android, Gmail e Cromebook.

Da receita total da Alphabet, que foi de US$ 75 bilhões em 2015, US$ 75,54 vieram do Google. E desses US$ 75,54, 90% – US$ 68 bilhões – vêm da publicidade. Direto e no popular, o Almanach – as velhas e boas listas telefônicas, 200 anos -, hoje Alphabet – o velho e bom buscador Google mais irmãos menores, menos de 20 anos –, sozinhos, já totalizam, em receitas publicitárias, mais que os 3 grandes grupos de comunicação que ainda dominam a velha e decadente publicidade. Lavoisier dizia que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Já Chacrinha, “na televisão nada se cria, tudo se copia”. Acho que foi, é e continuará sendo por aí; duvida?

Francisco A. Madia de Souza é consultor de marketing, sócio e presidente da MadiaMundoMarketing