"Doutor Bumbum" reabre discussão sobre publicidade na área médica
Já ouviu falar do Doutor Google? Ele não existe, mas 45,3 milhões de brasileiros costumam buscar informações relacionadas à saúde na internet, de acordo com os dados mais recentes do Centro Regional de estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic). Com tanta demanda, é natural que profissionais e empresas da área médica estabeleçam canais de comunicação com o público por meio da web. O problema é que em vez de prestação de serviços e informações confiáveis, as pessoas muitas vezes se deparam com notícias falsas e propagandas enganosas ou, no mínimo, comunicações que ferem as regras de publicidade para o segmento.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), nos últimos cinco anos mais de 1500 mil casos de desrespeito às normas de publicidade foram analisados. O assunto voltou à tona nos últimos dias após a prisão do médico Denis Cesar Barros Furtado, indiciado pela polícia pela morte da bancária Lilian Calixto, que veio a óbito após se submeter a um procedimento estético na casa de Furtado, no Rio de Janeiro. Autodenominado como “Doutor Bumbum”, ele utilizou a força da internet, onde tem quase um milhão de seguidores somando todas as plataformas, para ampliar o seu alcance e promover seus produtos e serviços por meio de vídeos, textos e fotos de seus procedimentos estéticos.
Independentemente do desfecho jurídico ou criminal do caso, do ponto de vista de comunicação vale um olhar sobre a postura do médico na divulgação de seu trabalho, que viola diversas regras de publicidade. Entre as principais, sugerir a garantia de resultados para determinados tratamentos estéticos e publicar as tradicionais fotos “antes e depois”, expondo pré e pós-operatórios dos pacientes, por exemplo. Sua mãe, Maria de Fátima Furtado, também indiciada pelo mesmo motivo, perdeu há quatro o seu registro profissional por ferir os códigos de propaganda estipulados pela área.
De maneira geral, a falta de profissionalismo na comunicação pode gerar problemas para os dois lados do “balcão” médico: o profissional que viola regras básicas de publicidade corre o risco de perder seu direito de atuar, já os pacientes que muitas vezes buscam de maneira equivocada informações sem um diagnóstico apurado podem tomar decisões erradas sobre a própria saúde.
Oportunidade e oportunismo
Na visão de Luiz Fujita, diretor de redação da Uzumaki Comunicação e editor do portal Drauzio Varella, qualquer pessoa que fale sobre saúde precisa ser honesto em relação ao que tem ou não autoridade para falar e jamais ultrapassar esse limite. “A população brasileira é muito carente de informação nessa área, e muitas vezes considera que basta ser médico para poder falar sobre qualquer assunto em saúde. A ânsia por ser influenciador pode fazer aflorar um desejo de aproveitar qualquer brecha como uma janela de oportunidade para emitir uma opinião. Mas quem é ou deseja ser um influenciador precisa ser honesto quanto aos terrenos em que ele pode circular”, acredita.
Sobre médicos “inluencers”
Para o jornalista Wagner Belmonte, professor da Fapcom e diretor da Choice, empresa que gerencia a imagem da Clínica Assis e do médico psiquiatra Leonardo Maranhão, a comunicação para a área de medicina não pode, em hipótese alguma, ter um tom promocional. “A celebrização da atividade médica deixa diversas dúvidas no ar. Acho legal o médico ter canal no Youtube, mas ele precisa dar visibilidade à discussão de patologias e não para suas habilidades. Temos um exemplo que é genial em tudo que ele faz, que é o Dráuzio Varella, uma fonte permanente de informação. É uma figura de muita projeção, mas que em nenhum momento traz uma visão promocional sobre ele. Acho que o médico que trouxer informação e serviço vai sempre agradar muito mais”, afirma.
Estimulo da mídia
A tal “celebrização” parece ser mais comum no meio estético. A própria mídia parece estimular esse cenário com certa frequência, incluindo casos como o icônico brasileiro Robert Rey, mais conhecido como Dr.Rey, personagem frequente em programas de televisão transmitidos no Brasil e nos Estados Unidos. O problema maior, na visão de Fujita, é que na ânsia de se tornar popular e vender sua imagem, muita gente despreparada sai postando qualquer tipo de conteúdo, sem muito critério e, o que é pior, sem contratar ou consultar um profissional de comunicação. “O erro mais básico é que a maioria dos médicos não fazem a diferenciação entre a sua persona digital e a sua pessoa física. Em um post ele publica uma arte gráfica com uma recomendação médica. Minutos depois tem uma foto dele na piscina do hotel em que ele se hospedou para participar de um congresso. É um erro muito comum. É preciso ter uma página realmente profissional”, explica.
Evitar riscos
Trabalhar com a temática médica é sempre um terreno arenoso. Não à toa, Belmonte conta que sua equipe adota uma certa ortodoxia para não cometer erros que possam impactar de maneira grave a reputação de seus clientes ou mesmo render algum tipo de punição ou processo. “Não produzimos nada que esteja fora dos protocolos das associações especializadas, do Cremesp, da Avisa, entre outras. E nossa equipe monitora isso o tempo todo, de maneira intensa. Se em áreas mais convencionais da medicina você têm riscos, na área psiquiátrica ele pode ser elevado ao quadrado. Principalmente porque você está lidando com alguém que enfrenta uma doença e na maioria das vezes também um julgamento social. As pessoas fazem check in em clínicas estéticas, mas dificilmente o farão no psiquiatra”, diz.
Luiz Fujita concorda que o cuidado precisa ser sempre redobrado, e conclui que na área de medicina é muito fácil perder credibilidade. “Para qualquer movimento perigoso que aconteça é preciso que você saiba lidar com a informação que transita no meio digital. Porque você vai se posicionar e mesmo assim os haters irão até a página. Há um enorme risco de perder a credibilidade pela simples incapacidade de gerenciar suas plataformas e não saber responder o público”, finaliza.