É primavera

1. Em sua edição de 22/9, a Folha registra que “a publicidade gay no Brasil ainda não saiu do armário”, frase-título da matéria de Mariana Barbosa, que reflete com propriedade uma dificuldade da comunicação comercial envolvendo o tema.

A habilidosa repórter põe o dedo na ferida, deixando clara a dicotomia existente entre uma atividade profissional extremamente avançada e a liberação gay que cada vez mais se acentua nas sociedades organizadas.

A questão, porém, não é tão simples quanto possa parecer e a ausência de um maior número de campanhas e peças isoladas abordando a temática na propaganda brasileira não se deve à omissão dos publicitários.

Como a mídia, de há muito, não faz a menor restrição sobre o tema, sendo inclusive uma das suas fontes propulsoras ao incluir nas suas pautas o mundo gay e seus personagens, equiparando-os hoje a cidadãos comuns que têm o inequívoco direito de exercer a sua opção sexual, resta-nos olhar para a outra perna desse tripé agências-meios-anunciantes, e é aqui neste último que reside o foco maior de resistência ao tema.

Por certo não há de ser por preconceito, mas a nosso ver pela insegurança em relação aos resultados desse tipo de avanço na comunicação, pois se de um lado a parcela gay da sociedade cada vez mais conquista o seu espaço e pode assim viver em sintonia com o mundo, por outro lado, a intolerância ainda permanece em boa parte das pessoas, transformando o assunto em tabu.

Há de se esperar que o avanço dos costumes derrube em definitivo esse paredão, mas enquanto ele resistir prosseguirá sendo uma barreira aos anunciantes, com destaque para os que ocupam o topo de cada segmento do mercado, abandonarem o temor de também nesse quesito se colocarem à frente do seu tempo.

2. Merece aplausos o manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias, publicado como matéria paga nos jornais, mas que na verdade constitui-se em um tema que de uns tempos a esta parte, após algumas decisões controversas da Justiça brasileira, vem sendo abordado com frequência pela mídia.

Trata-se de outra questão delicada, mas deve-se ter sempre em conta que uma das maiores conquistas da democracia reside na liberdade de expressão, exatamente o oposto do que ocorre nas ditaduras, quando a mais importante das ferramentas dos seus executores é a censura.

E o conceito da liberdade da expressão tem forçosamente que ser absoluto, embora sujeitos seus excessos pecaminosos ao rigor da lei, no que esta fronteira tem de mais importante: o direito de alguém termina quando começa o de outrem.

São situações, porém, específicas, que não podem contaminar o todo. Em outras palavras, a liberdade de expressão deve ser a regra geral. Os eventuais impedimentos, as exceções.

Por isso, merece todo apoio o manifesto publicado em meia página nos jornais impressos, com um começo de texto exemplar: “Desde o século XIX, a Biografia teve papel importante na construção da nossa ideia de Nação, imortalizando personagens e ajudando a consolidar um patrimônio de símbolos e tradições nacionais. Mais recentemente, na segunda metade do século XX, a Biografia ganhou outra dimensão: além de relatar os feitos dos grandes nomes, transformou o personagem em testemunha de sua época. A Biografia moderna não é só a história de uma pessoa, mas também de uma época, vista através da vida daquela pessoa.

No Brasil, tal forma de manifestação encontra-se em risco, em virtude da proliferação da censura privada, que é a proibição das biografias não autorizadas. A ninguém é dado impedir a livre expressão intelectual ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição democrática de 1988, que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso, não faz sentido exigir-se o consentimento prévio da personalidade pública, cuja trajetória um autor ou historiador pretende relatar (e, menos ainda, exigir-se a autorização de seus familiares, quando já falecido o biografado), como condição para a publicação de Biografias”.

Se alguém ainda tiver dúvida sobre o certo e o errado dessa questão, basta imaginar como seria a História – toda a História – sob a égide, desde os primórdios da Humanidade, da censura prévia.

3. Estamos devendo neste espaço algumas palavras sobre o importante livro de um dos mais amados profissionais da propaganda brasileira, que outro não é senão o colossal Altino João de Barros.

Sua obra “A mídia no Brasil do reclame à era digital”, recém-lançada na sede da WMcCann em São Paulo, o que já tornou o momento diferente, é uma espécie de “Meu Diário” do qual foram destacados os trechos mais importantes da vida profissional do “senhor mídia” (que, sem exagero, pode ser “senhor história da propaganda brasileira”).

O autor desse livro não só assistiu como participou ativamente das grandes transformações da atividade em nosso país (que seguiram ao seu tempo as grandes transformações nela ocorridas nos países mais desenvolvidos).

Quando a obra é boa e importante do ponto de vista histórico, merece todos os aplausos. Quando, porém, é de autoria de um profissional exemplar, com uma longa vida de amor à carreira que abraçou muito jovem ainda, mantendo-se fiel por condição de caráter à mesma, o valor da obra assume outra dimensão, enquadrando o autor na magna categoria dos imprescindíveis, na qual Altino de Barros de há muito habita.

Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2468 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 30 de setembro de 2013