Dentre todas as tristezas que o país tem nos proporcionado, além da pandemia da Covid-19, que não é culpa do Brasil, a não ser pela politicalha que tomou conta da solução do problema, travando uma batalha (dentre outras) para a Anvisa liberar a vacina do Butantan, temos assistido às muitas consequências econômicas dessa guerra quase infantil de o maior atrapalhar o menor, pouco importando quem está na dianteira. Essas incertezas, esse jeito de ser que estávamos abandonando e a Covid-19 parece ter trazido de volta, começa a desmontar o país na sua parte econômica, o que torna ainda mais triste as consequências da pandemia.

Neste caso, referimo-nos à decisão da Ford de deixar o país, provocando, entre outros prejuízos, o desemprego dos responsáveis por cinco mil famílias. Este editor, ainda muito jovem, foi auxiliar de mídia na J.Walter Thompson, que atendia integralmente a conta da Ford, guardando até hoje na memória a seriedade com que a companhia cuidava da sua programação publicitária, muito forte em verba naquela época.

Essa fé da empresa em acreditar na propaganda a tornou colossal em nosso país, mesmo com a vinda de outras concorrentes, através da abertura desse mercado pelo então presidente Juscelino Kubitschek. Aqui entra a figura lendária de Mauro Salles, e quem pode contar melhor essa história a partir daí é o publicitário e parceiro de longa data do PROPMARK, Emmanuel Publio Dias. Vamos à sua narrativa, que este editorial endossa integralmente:

“O Brasil perdeu a montadora Ford e o mercado perdeu um anunciante histórico. Pode-se dizer que a Ford e outras montadoras americanas inauguraram a propaganda profissional no Brasil, na década de 20 do século passado. Com os carros, vieram as agências (A Eclética, a J.W. Thompson e a McCann). Um anúncio centenário da Ford (Um Bello Automóvel) já mostrava todos os conceitos de redação e direção de arte que seriam padrões pelas décadas seguintes.

Entre tantas histórias da Ford e a propaganda brasileira, surge um personagem: Mauro Salles, lendário publicitário que também foi um pioneiro do jornalismo especializado em automobilismo. Foi assim que se tornou conhecido e íntimo do setor automotivo, onde chegou a fundar e exercer a presidência da Confederação Brasileira de Automobilismo. Esse reconhecimento do setor aproximou-o de Max Pearce, o poderoso presidente da Willys-Overland do Brasil, uma das maiores e primeiras montadoras do país. Dessa amizade, surgiu o publicitário Mauro Salles, sua relação com a futura Ford-Willys e a própria Ford.

A Willys fabricava o modelo Aero Willys, um desastre estético, funcional e mercadológico. Max Pearce conduzia o projeto de um novo ‘Aero Willys de Luxo’. Perto do lançamento, o presidente da Willys convidou o então jornalista para um almoço onde lhe mostrou o protótipo e a campanha de lançamento. Pediu-lhe que comentasse. Mauro elogiou o carro e desancou a campanha, do nome aos anúncios. Antes que Max Pearce pudesse se recompor, propôs: ‘Quero uma semana para trazer outro projeto. Se for aprovado, farei o lançamento publicitário’.

Ou porque acreditasse que aquele jornalista sem agência não conseguiria, ou exatamente porque acreditasse que conseguiria, Max Pearce topou. Uma semana depois, o lançamento do Itamaraty (o novo nome sugerido) e toda a conta da Willys iria para a recém-fundada Mauro Salles Publicidade.

Em 1969, a Ford compra a Willys e mantém as contas publicitárias na Salles, inicialmente assinando Ford-Willys do Brasil e depois Ford Brasil. Começaria então uma relação definitiva entre a Ford, Mauro Salles e sua agência que, como ele gostava de dizer, ‘também sabia fazer anúncios’. Isso porque não se limitava a criar e veicular. Mauro trouxe para o Brasil iniciativas vitoriosas nos mercados americanos e europeu, como promover (e anunciar) o primeiro recall automotivo do Brasil (para o modelo Corcel).
A Ford herdou da Willys o projeto M, um sedan que estava sendo desenvolvido em parceria com a Renault. A agência sugeriu o nome Ford Corcel, que foi visto com reservas pela Ford local, temerosa em associar o nome da corporação mundial a um projeto franco-brasileiro. Mauro argumentou, insistiu e, para tentar dissuadi-lo, a diretoria da Ford Brasil exigiu que o nome fosse aprovado pelos headquarters da empresa, em Detroit. Prato feito para quem adora esse tipo de desafio: em poucos dias estava na frente do poderoso Lee Yacocca e mais: Henry Ford II. Aprovou o nome, a campanha e ainda saiu de braços com o herdeiro da Ford, para espanto dos executivos brasileiros e americanos. (cf. Jornal Valor, 13/1).

Esse tipo de ousadia não foi a única. Storrelli Jr. conta que, nos anos 1970, Salles e JWT foram avisados da vinda de um alto dirigente da Ford para conhecer seus trabalhos. Dias de ansiedade, agravados pelo fato de que o tal executivo não dava notícias de quando viria. De repente, o Mauro desaparece, para voltar, dias depois, no mesmo voo que o dirigente.

Somado ao estilo inigualável de relacionamento com os clientes, Mauro surpreendia-os (e a todo o mercado). Na época do Brasil Grande, a agência colocou para rodar nas precárias rodovias brasileiras um Corcel, uma Belina e um Maverick: o Rally Ford da Integração Nacional. Os carros passariam por todos os estados brasileiros, entregando, em nome dos Correios (também cliente da agência), uma carta do presidente da Ford para cada um dos governadores, recolhendo destes outra carta, que seria entregue ao presidente da República em Brasília.

Trouxe dos Estados Unidos a ideia de um Tournament of Thrills, em que pilotos especializados faziam espetáculos de exibição, dirigindo carros da Ford; promoveu também a vinda de dois ‘Dragsters’, Ford Mavericks equipados com motores superpotentes que correm em linha reta. Aos poucos, a Salles foi mordendo a conta dos automóveis, que estava oficialmente na Thompson.

O golpe final foi o Festival Maverick em 1975: um verdadeiro calendário de eventos, entertainment e live marketing, quando ninguém no mercado pronunciava essas palavras. Além dos eventos automobilísticos já patrocinados pela Ford, Mauro Salles criou, devidamente chancelados pela CBA e pela FIA, o I Torneio Brasileiro de Campeões e o I Torneio Sul-americano de Automóveis de Turismo: uma série de corridas nos autódromos de Interlagos, Brasília e Buenos Aires, precedidas pelos Maverick Dragsters e os malabaristas do Tournament of Thrills, desfiles de modas e esquadrilha da fumaça.

Os pilotos eram os melhores do Brasil, além de corredores de Fórmula 1: os nossos Moco (José Carlos Pace) e Alex Dias Ribeiro e o italiano Vittorio Brambilla. Ao todo, 35 dos melhores da época iriam disputar um torneio pilotando… os pesados Mavericks equipados com câmbio de 3 marchas na direção e o recém-lançado motor de 4 cilindros e 2.300 cc.

O resultado foi um evento como o Mauro gostava: um clipping gigantesco e poderoso, que ele adorava imprimir e levar às reuniões, sem deixar de avisar: essa é uma agência que também sabe fazer anúncios. A história de Mauro Salles e a Ford continuaria, mesmo quando a montadora americana e a Volkswagen alemã se uniram na Autolatina e a Salles manteve a conta institucional da nova empresa, até sua dissolução, em 1996”. A comunicação da marca Ford é atendida atualmente pela GTB e EnergyBBDO.


A organização do Cannes Lions confirma a realização do evento este ano, em formato presencial, na terceira semana de junho, confiando na disponibilização de múltiplas vacinas. Philip Thomas, chairman do festival, afirma que a versão 2021 deve limitar o número de delegados, em nome da garantia da segurança de todos.