Educação se adapta e enxerga novos cenários pós-pandemia
No dia último 11, a USP confirmou o primeiro caso de Covid-19 em um de seus alunos. O diagnóstico acendeu o alerta também nas demais escolas e faculdades, sobretudo particulares, que resolveram, com o passar dos dias, encerrar as aulas presenciais e montar verdadeiras operações de guerra para mitigar a expansão do vírus e preservar seus calendários letivos. A saída foi implementar uma solução digital.
ESPM, FAAP, Estácio, Cruzeiro do Sul e todas as faculdades da Kroton disponibilizaram aos alunos e professores a possibilidade de aulas ao vivo pela internet. A utilização de programas como Zoom, Canvas, Microsoft Teams, softwares próprios e até mesmo e-mails marketing e SMS deram lugar às salas de aula presenciais.
O impacto estrutural da mudança no formato das aulas e essa adaptação reverberaram não só na estratégia de comunicação das instituições, mas também em seus modelos de negócio, que, apesar de já contarem com o ensino à distância (EAD), passaram a ver o nicho de aulas remotas ao vivo como uma nova possibilidade no mix de produtos.
Comunicação
Tradicionalmente, o calendário de mídia do setor de educação se divide em dois grandes ciclos: o mais forte, de outubro a março; e o segundo, nos meses subsequentes. A estratégia de comunicação das instituições sentiu, em parte, o baque com o novo coronavírus. Isso porque a maioria das campanhas que já estava em curso cumpriu seu ciclo. Algumas delas, porém, tiveram alteração no conteúdo.
Mensagens institucionais previstas para mídias digitais deram lugar às medidas que os grupos vêm tomando diante do isolamento social. A comunicação foca agora em avisos de cursos gratuitos online e alertas de prevenção à Covid-19.
A Anhanguera, do grupo Kroton, que investiu em ações de mídia e patrocínio do BBB20, teve de adaptar a mensagem. “Falávamos sobre mensalidades a partir de tanto e o que a gente fez foi mudar a locução e as vinhetas para Estude sem sair de casa. Fizemos adaptação de material de trademarketing também”, aponta Allan Macintyre, diretor de comunicação e marca da Kroton.
Já as que chamam para os vestibulares de junho, com previsão de ir às ruas entre abril e maio, estão sendo reavaliadas semanalmente, segundo os representantes de todas as faculdades.
“Não adianta inundar mídia social com esse assunto se o aluno está com a visão desviada para outro rumo”, pondera Rogério Massaro Suriani, assessor acadêmico da FAAP.
Outra mudança foi na forma de conversar com alunos e professores. A própria FAAP retomou a comunicação via e-mail institucional e pela plataforma Canvas. Na ESPM a estratégia é parecida. “Temos várias fontes de comunicação como a intranet, além de e-mail para toda a comunidade e os softwares”, aponta Dalton Pastore, presidente da Escola.
Em todas as faculdades da Kroton, as orientações têm sido feitas por SMS, e-mail e, também, pelos sites das instituições do grupo. A Cruzeiro do Sul dispõe de duas plataformas próprias: a Collaborate e o Ava.
Já na Estácio foi criado um hotsite com atualização diária. Intitulado de Plantão Coronavírus, o espaço leva comunicados oficiais e notícias de interesse ao público acadêmico.
“Desde o momento que entendemos que era algo que afetaria nossas vidas tivemos a iniciativa de buscar comunicação clara e ágil para que todas as partes tivessem segurança. Além do hotsite, trabalhamos com dois boletins diários. Estamos fazendo uso de diversas frentes e o carro-chefe é a nossa plataforma virtual, a Sava, além de e-mail, hotsite, ferramentas como WhatsApp e SMS”, aponta Renan Brandão, reitor e diretor-geral da Estácio São Paulo.
As ações são fruto da união dos times de comunicação de cada instituição, amparadas por suas agências de publicidade, agências digitais e de relações públicas. Até o momento, todas as faculdades mantiveram as datas dos vestibulares, mas não descartaram adaptações no calendário e nas formas de aplicação de prova, que podem dar lugar às avaliações online e entrevistas virtuais.
Novos negócios
Ainda timidamente, apesar de todas as incertezas trazidas pela pandemia, o setor educacional vê surgir um novo modelo de negócio, que passa não só pelo digital, mas por novas – e importantes – parcerias.
A Estácio, por exemplo, firmou acordo com a Vivo e outra operadora, ainda em sigilo, para que seus alunos tenham vantagens exclusivas em planos de internet. O objetivo é democratizar a conexão das aulas online. Também se uniram ao Magalu, para que estes estudantes tenham acesso facilitado a equipamentos tecnológicos.
“Neste momento procuramos priorizar essas parcerias justamente para facilitar o acesso dos alunos a este novo modelo, que é tão inovador, disruptivo e bem aceito, mas que demanda estrutura”, diz Brandão. Cerca de 80% dos alunos declarou em pesquisa interna que este modelo atende as suas expectativas.
Já a ESPM disponibilizou notebooks para alunos bolsistas, além dos pacotes Adobe e Microsoft para todo o corpo acadêmico, mediante parceria firmada entre as empresas e a faculdade. Kroton e FAAP também seguem por caminhos similares. Enquanto a Cruzeiro, lançou mão de sua já estabelecida estrutura EAD.
Este cenário, indicam os executivos, é caminho sem volta. A digitalização é fundamental para o setor. Ao que tudo indica, alegam, surge uma maneira diferente de se pensar os modelos de aulas e de negócios a partir desta experiência da quarentena. O próprio Ministério da Educação planeja para este ano a implantação do Enem digital.
“Neste momento de novidade em que as empresas de modo geral estão precisando se reinventar, me parece natural que a educação também seja impactada. No mínimo uma reflexão sobre tudo o que está acontecendo vai ser provocada por este movimento”, aponta Brandão, da Estácio.
A chegada do 5G ao Brasil pode vir a dar suporte à implementação de novas tecnologias que permitam ao setor estar cada vez mais digitalizado. A ideia, entretanto, não é findar as aulas presenciais, mas dar mais uma alternativa aos estudantes, que já contam com opções presenciais e o EAD.
Na ESPM, em apenas um dia, foram ministradas 545 aulas ao vivo e online, sendo 18 delas simultâneas. Na Estácio, ao longo de uma semana, foram 15 mil. Já nas faculdades da Kroton, em 10 dias, foram mais de 74 mil horas de aulas remotas.
Há pouco mais de dois anos, o grupo investe em um processo de digitalização por conta dos cursos à distância, mas entendeu o momento como uma oportunidade de acelerar ainda mais essa dinâmica. Em 10 dias estreitaram as relações com a parceira Microsoft e vislumbram outras possibilidades passada a fase crítica do novo coronavírus.
“O DNA da empresa é de bastante inovação e essa transformação digital que estamos sofrendo nos últimos 24 a 36 meses fez a gente entender que isso ajuda muito nas decisões e na rapidez das tomadas de decisão”, diz Macintyre.
Para Renato Padovese, diretor acadêmico da Cruzeiro do Sul, o futuro reserva também bons olhares para os cursos EAD. “As novas práticas implementadas serão aprimoradas e a rejeição e eventual preconceito aos cursos à distância tendem a diminuir muito após a pandemia”, conclui.