Eliane Dias fala sobre gestão da Boogie Naipe e do Racionais
Em 2009 o Mano Brown, líder do Racionais Mc´s, decidiu criar uma empresa para cuidar de sua carreira solo. Foram oito longos meses até a escolha de um nome que fosse interessante.
“Ele escreveu em um papel ‘Boogie Naipe’ e soou bem para mim porque era um lance que funcionava no Brasil e fora, era fácil de falar, fluído e eu concordei”, afirma Eliane Dias, advogada, empresária do artista e, também esposa do astro do rap nacional.
No fim de 2012, chegou o convite para que Eliane assumisse a frente dos negócios da banda. “Eu já tinha desejado cuidar do Racionais em 2004 e fiquei num conflito por causa da minha carreira. Seis meses depois eu aceitei. Sou técnica, estou preparada e pelo menos a parte jurídica vai ficar legal”, ponderou à época.
Em outubro, ao iniciar os trabalhos ao lado da – até então única funcionária – Ana Paula Alcântara, percebeu que o volume de trabalho era muito maior do que o esperado. “Tínhamos uma conversa, a princípio, de uma parceria de três anos, mas eu ainda não terminei o que me propus a fazer”, conta.
De lá para cá, Eliane organizou a casa na unha. Estruturou a sede da editora Boogie Naipe, firmou parcerias com marcas, agenciou artistas, produziu turnês, unificou as redes sociais do grupo, lançou livro, prepara um documentário e ainda encontra tempo de questionar a publicidade e a posição das marcas com relação às minorias.
Nesta edição do #papoPROPMARK, Eliane Dias fala sobre essa trajetória e o que observa do mercado. Acompanhe:
Você está à frente da Boogie Naipe desde 2013. Como surgiu a ideia da produtora?
A proposta era ser um escritório pequeno que cuidasse exclusivamente da marca Mano Brown. Mas acabou que ele queria criar uma nova frente.
Fomos tocando nossa vida e no fim de 2012 chegou a proposta de eu cuidar do Racionais. Quando comecei a cuidar da banda vi que uma salinha não ia caber. Foi demonstrando ser algo muito grande. Só de redes sociais existiam dois mil perfis falsos no Facebook.
E hoje quais são as frentes de negócio da Boogie Naipe?
Hoje a Boogie Naipe tem um mix de produtos. Não apenas agenciamos carreiras, temos o e-commerce, que atende em três línguas e tende a expandir.
A editora Cosa Nostra, que é a editora Racionais. O disco Boogie Naipe (trabalho solo do Mano Brown) foi lançado pela editora. Por ela também fazemos vídeos, filmes e estamos agora com um documentário.
A Boogie Naipe é ainda uma distribuidora de produtos e serviços, ou seja, eu faço shows e eventos, alugo espaço e contrato pessoas. As turnês de 2014 e a de 25 anos do Racionais foram feitas pela minha equipe. Alugamos a casa sem nada, no zero e até o bar a gente fazia.
Temos um programa de rádio chamado Boogie in Braza, que vai ao ar toda quinta-feira das 20h às 22h na 98,9 FM, com apresentação do Filiph Neo. Lançamos o livro “Sobrevivendo no Inferno” e temos outro para lançar em breve.
Essa turnê de 30 anos foi feita toda por vocês ou tiveram parceiros?
Essa de 30 anos já houve parceria com a T4F. Metade da responsabilidade era minha e a seleção das casas era deles, mas o restante a gente fazia.
Como vocês anunciam esses produtos e serviços? A marca Racionais é muito forte. Vocês têm alguma frente de marketing e exposição?
O marketing é feito nas nossas redes mesmo. Quando a gente quer fazemos um investimento maior. Apesar do Facebook ter mudado o algoritmo, a página do Racionais é muito pesada, tem sete milhões de pessoas e quando queremos atingir mais gente impulsionamos. Temos o canal do YouTube com mais de um milhão de inscritos também.
Os nossos próprios artistas usam a marca, o que dá visibilidade, todo mundo quer comprar aquilo que o artista está usando. Só o Mano Brown tem próximo de três milhões de seguidores.
Para além disso, a própria marca Boogie Naipe tem as suas redes sociais.
Nesse meio tempo vocês já fecharam parcerias com grandes marcas como RedBull e a Tidal, por exemplo, que disponibilizou playlists exclusivas curadas pelos integrantes do grupo para a turnê dos 30 anos. Quais são esses projetos e que oportunidades de parceria são promovidas por vocês?
Agora eu tenho um parceiro de roupas que é a Cavalera, que vai vender as camisetas Racionais. O propósito de ter camiseta e boné não é fazer algo que vá explodir, vender horrores e depois desaparecer, mas que seja constante.
Existem várias propostas, mas o Racionais limita muitas coisas, já recebi várias propostas que tive de dizer não posso. Um representante falou: vamos fazer uma parceria com a C&A, mas eles disseram: ah não, não quero colocar a marca Racionais na C&A porque vai ter um boom e depois? Essa não é a ideia da marca.
O Racionais sempre foi uma banda avessa ao mainstream, como você os convenceu de que essa aproximação com as marcas não descaracterizaria o trabalho deles? Quais são os critérios para essas parcerias?
Eles vão entendendo. Quer dizer, eu Eliane, entendo que o Racionais é do povo. A gente tem de dar ouvidos e compreender qual a necessidade deste público. Eles estão muito conectados com o povo e nunca se afastaram do público deles, estão sempre na rua com os seus.
Conforme a gente vai sentindo a necessidade e o desejo das pessoas, vamos atendendo. Até por conta disso é que cada um faz o que quer em sua carreira solo.
O Edi Rock está com a Rock e fazendo os discos e parcerias que ele quer fazer e que não cabem no Racionais, assim como o Brown está com a banda Boogie Naipe; o KL Jay tem seu projeto no Sintonia e o Blue está chegando com um disco novo em parceria com o Helião, do RZO.
Não dá para ficar impondo, empurrando goela abaixo das pessoas. É bem complexo. Dá dor de estômago decidir cada ação, cada situação. Mas no fim das contas, tudo flui e eu tenho esse tempo para fazer a leitura dos cinco elementos: os quatro Racionais e o público. Eu sou essa sexta pessoa que pode observar e depois a gente vai conversando.
A Folha publicou recentemente uma pesquisa que demonstra que as mulheres negras movimentam R$ 704 bi por ano, mas que ainda são escanteadas pela publicidade. Qual a sua percepção sobre o tema?
Eu acho bem estúpido do mercado não dar credibilidade para essas mulheres negras, que movimentam essa quantia. É estupidez do mercado. Qualquer empresário e equipe de marketing que vai no IBGE, vê que 54% da população é composta por negros. É maioria da população. E o que eu faço? Vou jogar esse dinheiro fora?
Desses 54% dos negros, temos lá uma grande maioria de mulheres. Vamos ver qual a idade delas? Para onde a gente vai direcionar essa marca aqui? Qualquer equipe de marketing inteligente vai prestar atenção nisso. Você vai discriminar dinheiro?
Qual dinheiro que você aceita? O ariano? O nipônico? Eu acho uma puta burrice. Quando eu penso em um show, eu quero todo mundo comigo.
As marcas estão tão atrasadas. Quantos por cento da população hoje tem mais de 60 anos? Quando pensam numa pessoa dessa idade só pensam no homecare, mas a gente está ai com o Pedro Bial com um filho que acabou de chegar, estamos com a Ana Maria Braga, com a Fernandona com 90 anos. O próprio Roberto Marinho criou a Rede Globo quando tinha 64 anos.
A periferia é extremamente criativa, consome um dinheiro filho da puta. Não é só o segmento negro. A pessoa que tem uma empresa é muito estúpida se quiser segmentar.
Eu, por exemplo, se entro em um espaço, seja ele qual for, e vejo que não tem pessoas como eu, que trabalham ou que ocupam aquele espaço, já me deixa desconfortável. Eu quero me ver!
A televisão está percebendo isso porque a internet deu visibilidade, trouxe a pauta, as pessoas perceberam que não estavam sendo representadas, que não tinham pessoas como elas e decidiram direcionar sua grana.
A Egnalda Côrtes (empresária de influenciadores negros) faz um trabalho interessante nesse sentido, né?
Sim, claro. A gente que é empreendedor precisa estar antenado e saber o que o público quer. Por que a Rede Globo consegue colocar todo mundo às 21h30 na frente da televisão e chegar ao pico máximo de audiência? Porque ela dá o que a pessoa quer, na hora que a pessoa quer e do jeito que ela precisa.
Eu fui para o SXSW este ano para ver o que tinha de novidade e a menina dos olhos eram os podcasts, até pensei em entrar nessa, mas não tive braço para isso com a minha equipe.
O que a televisão fez? Meteu podcast em tudo que é lugar. Se as marcas não se adequam, não vão junto, não percebem, não estão no meio do povo, na feira, na comunidade, no posto de saúde, no cemitério, na festa, vão oferecer o que?