Em qualrentena você está?
Em tempos de quarentena, há quem se emocione ao ouvir seu próprio nome sendo dito pelo entregador do iFood no interfone, fora a vontade de abraçá-lo ao receber o jantar. Sim, ficar em casa por mais de 40 dias sem contato físico com outras pessoas pode nos levar a um estado intenso de ansiedade, tristeza, desespero e até medo. Aliás, a convivência em grupos foi o que possibilitou ao ser humano conseguir sobreviver durante eras. Individualmente, morríamos de frio, inanição, depressão e falta de afeto. Em conjunto, foi possível dividir tarefas, ter apoio, ensinar, aprender e desenvolver sentimentos mais profundos.
Portanto, quando pensamos em distanciamento social, eufemismo do momento para isolamento domiciliar, é inevitável não pensar que demos vários passos para trás. Mas não é bem assim. O coronavírus é esperto, pois ele não enfraquece seu hospedeiro a ponto de incapacitá-lo e se espalha facilmente pelo ar. Especialistas já alertaram que nenhuma guerra poderia acabar com toda a humanidade, mas um agente patológico faria isso facilmente. Sendo assim, enquanto não há como se imunizar, voltar ao tempo das cavernas é a melhor solução, por hora.
E ficar em casa pode parecer fácil, mas não é. Ignorar milhares de anos de evolução baseados em colaboração, convívio, interação e muitos desafetos – os quais também são fruto de alguma interação, embora malsucedida – não é algo que acontece de segunda para terça. O primeiro abalo é mental. Para os que podem desfrutar do privilégio do home office, a cobrança pessoal aumenta automaticamente, pois o fato de não estar sendo visto trabalhando não deixa ninguém despressurizado, pelo contrário, faz com que se queira trabalhar ainda mais para que não haja suspeitas de incapacidade ou incompetência para a tarefa proposta. Estamos sempre ansiosos pela próxima call, saímos exaustos de reuniões não presenciais, ignoramos horários de descanso, esquecemos que há finais de semana e até confundimos deadlines, pois o calendário do Outlook nunca fora tão dinâmico. Além disso, não há mais distinções entre escritório e casa, cozinha e copa, sala de TV e sala de reunião. Você nunca retorna pra casa, porque nunca saiu dela para chegar ao trabalho.
O segundo abalo é físico. O corpo humano precisa de certa carga diária de exercícios, não só para eliminar os carboidratos em excesso que nutrem as células com energia, mas também para se manter em atividade. Como disse Isaac Newton, em sua primeira lei, sobre a Inércia, “um corpo em repouso tende a permanecer em repouso e um corpo em movimento, tende a permanecer em movimento”. Dessa maneira, quanto menos nos movimentamos, mais indispostos ficamos para realizar tanto atividades físicas quanto cognitivas. Talvez o sedentarismo nunca tenha sido tão praticado, embora diversas opções de atividades físicas indoor estejam disponíveis nas redes sociais. O fato é que o ser humano se sente pouco motivado a praticar exercícios físicos fora de um contexto coletivo ou competitivo. Historicamente, a comparação de aptidões físicas ou simplesmente do estado físico em si, sempre agiu como estopim para algo maior chamado superação. Mesmo em práticas mais individuais, existe a ideia de superar-se a si mesmo.
E por falar em individualismo, deve-se ficar claro que solidão é diferente de isolamento. Há quem viva muito bem em sua própria companhia, mas isso não quer dizer que gostem de se privar de contato social. Muito pelo contrário. Pessoas solitárias se conhecem bem o suficiente para saber como conviver da melhor maneira com as demais. Portanto, esse é o momento de aprender a ficar bem consigo mesmo, de se autoconhecer, de saber o quanto você pode aprender, olhando para dentro, para poder ensinar a quem está olhando de fora. Ficar isolado não significa estar sozinho. Se nossos antepassados conseguiram sobreviver sem o smartphone, eu diria que o jogo está no modo easy para nós, ou que estamos mais próximos do fim, pois como diria um querido diretor que tive, apontando para o celular sobre a mesa de reunião: “isso aqui vai ser o fim da humanidade”. Oremos.
Luiz Castilho é planejamento da Talent Marcel