Encantamento é fator essencial

 

Em 2012, o Brasil liderou com folga a área de Outdoor do Cannes Lions. Foram 16 Leões, sendo quatro de ouro, cinco de prata e sete de bronze. Representante do Brasil no júri da área, Marcio Ribas, diretor de criação da Neogama/BBH, espera contribuir para que o país mantenha o excelente desempenho do ano passado. Para o executivo, uma peça vencedora é aquela que encanta, emociona e diverte o público. “O caminho fácil e seguro dificilmente leva a um resultado memorável”, diz.

Memórias
“Duas lembranças me vêm à mente quando penso em Cannes. Uma delas tem a ver com o primeiro ano em que fui para o festival, como Young Creative, em 1999. Nesse mesmo ano tinha criado, em parceria com o meu dupla na época, o Drausio Gragnani, um pôster para o Projeto Young Creative, que foi shortlist no festival e que é usado como logo do projeto até hoje. A outra lembrança são os dois Leões de ouro, um em Press e outro em Outdoor, conquistados para a campanha de Adesf, ‘Seu corpo é sua casa. Não fume’, em 2007. A campanha usou imagens fortes do fotógrafo canadense Robert Polidori, que registrou o interior das casas totalmente destruídas em Nova Orleans após a passagem do furacão Katrina, estabelecendo uma metáfora sobre os males que o tabagismo causa ao organismo. Esse trabalho estava bem cotado na época para Grand Prix, mas, por ser de responsabilidade social, não podia concorrer.”

Diferencial
“O que mais diferencia Cannes dos outros festivais é a pluralidade. É, sem dúvida, o mais internacional e também o mais importante festival de criatividade do mundo. São mais de 35 mil inscrições de todos os cantos do planeta – só na categoria Outdoor são 17 nacionalidades diferentes julgando. O resultado não poderia ser outro: um olhar global sobre a criatividade atual.”

A conquista de um Leão
“Ser reconhecido em Cannes é ser reconhecido pelas mentes mais criativas do planeta. Às vezes, para explicar a algum amigo fora do meio o que significa ganhar um Leão, digo que é como ganhar um Oscar, só que da criatividade. É indiscutível que a visibilidade de um Leão é muito grande, mas, por outro lado, não é a única maneira de medir o talento e a criatividade de alguém. Cito como exemplo disso um dos maiores diretores de arte e diretores de criação que o Brasil já teve, Tomás Lorente (falecido em 2009). Ele pode não ter sido um recordista de Leões, mas era um recordista de campanhas incríveis.”

Mudanças
“Nos últimos anos, o festival cresceu muito. Ao mesmo tempo que isso é bom, pois novos segmentos são contemplados e ganham reconhecimento, por outro lado é ruim, já que o excesso de prêmios que são distribuídos acaba desvalorizando o significado de ganhar um Leão. Entendo a necessidade comercial do festival, afinal, é um negócio e tem que dar lucro. Mas tantas categorias acabam gerando confusão. Este ano, por exemplo, pelo excesso de inscrições nas 16 áreas, o festival antecipou o julgamento de pelo menos cinco delas e teve ainda que convocar novos jurados.”

Brasil
“O país tem uma tradição muito forte em Outdoor e, por isso, é muito visado. Já ouvi histórias de jurados de outros países que querem ‘destruir’ o Brasil a qualquer preço, não importando se a peça é boa ou não. Só para ter uma ideia, no ano passado o Brasil foi pela terceira vez o país mais premiado, com 16 Leões, sendo quatro de ouro. Em 2011, foram 17 Leões e, em 2010, 21 Leões, um ano excepcional. Espero, sinceramente, poder contribuir para manter essa tradição. Com a simultaneidade com a Copa das Confederações, é bom saber que pelo menos no campo da criatividade a nossa seleção deve ‘bater um bolão’.”

Outdoor
“Como disse Tony Granger, presidente do júri da área neste ano, o outdoor vem passando por um renascimento nos últimos anos. É uma disciplina que vai continuar nos surpreendendo com peças gráficas lindas e com cada vez mais tecnologia, abraçando grande ideias.”

Ser jurado
“Como é minha primeira vez como jurado, tenho conversado com vários profissionais que participaram em anos anteriores para me preparar. Fora isso, tenho recebido muito material das agências brasileiras e, para minha surpresa, também de agências de fora do país. Quando tenho alguma dúvida ou quero saber um pouco mais sobre determinado trabalho, ligo diretamente para os profissionais responsáveis. Também já troquei mensagens com o Granger e com alguns jurados da categoria.”

Critérios
“Quando uma ideia toca as pessoas, a vontade de compartilhá-la com o mundo é natural e instantânea. Por isso, gosto de fazer um teste simples e me perguntar: ‘Eu compartilharia esse filme no Facebook? Fotografaria esse pôster e colocaria no Instagram? Twittaria essa ação?’. A propaganda também é conteúdo e entretenimento, tem que dar o recado, mas encantando, emocionando, divertindo – seja por meio de um pôster incrivelmente lindo e bem executado que você não consegue tirar os olhos, como são os anúncios de Havaianas; seja por uma tecnologia totalmente nova, como foi o caso da pulseira Nike, uma das ideias mais inovadoras dos últimos anos; ou seja, por uma tecnologia nem não tão nova assim, mas que foi aplicada de uma maneira nunca vista antes, como foi o caso do carro invisível da Mercedes-Benz, GP do ano passado. O caminho fácil e seguro dificilmente leva a um resultado memorável. Toda ideia realmente nova tem risco e essas ideias têm espaço em Cannes.”

Cases memoráveis
“Para mim, um case que já é memorável, mesmo sendo novo, e que já chega vencedor em Cannes, é ‘O meu sangue é rubro-negro’ (da Leo Burnett Tailor Made para o Hemoba). É uma ideia emocionante, empolgante e que ainda traz benefícios para a sociedade. Uma campanha que dá orgulho e mostra a dimensão do nosso trabalho. Essa ideia gerou 46% de crescimento no estoque de sangue e engajou os torcedores de um time – no caso o Vitória, da Bahia – de uma maneira única e inesquecível. Até torcedores do time rival estavam doando sangue. Também gosto muito do GP de Outdoor de alguns anos atrás, dado para a campanha da Diesel, ‘Be stupid’ (criada pela Anomaly de Nova York e premiada em 2010), com títulos ousados e ótimas fotos.”

Lazer
“Quando estou em Cannes tento aproveitar ao máximo o festival, olhando tudo que está em exposição e marcando presença nas palestras mais relevantes, no shortlist dos filmes e no New Directors Showcase, apresentado pela Saatchi & Saatchi, que é sempre muito interessante. Este ano, como serei jurado, não devo ter muito tempo livre. Pelo que tenho conversado com quem já foi do júri, ficarei quase uma semana em uma sala fechada, julgando. Será cansativo, mas muito prazeroso. Logo depois de Cannes, devo ir à Bienal de Veneza, um verdadeiro parque de diversões para adultos. É uma dica imperdível para quem conseguir dar um esticada depois do festival. Acho saudável respirar outros ares. Depois, irei a Treviso visitar a Fabrica, centro de pesquisa de comunicação da Benetton, a convite do departamento de design, para falar sobre uma possível parceria com a minha loja, a Choix. É um sonho se realizando, pois sempre quis conhecê-lo, mas, com o excesso de trabalho, nunca consegui.”

Choix
“Decidi abrir a Choix (pronuncia-se ‘Chôá’ – ‘escolha’, em francês), pois, como consumidor, sentia falta de um espaço que realmente oferecesse produtos de desejo de consumo e uma experiência diferente para as pessoas, unindo moda, design, comportamento, música, fotografia e arte. O ponto de partida do projeto foi o lugar onde a loja iria ser instalada, o edifício Acal, de arquitetura brutalista da década de 70, que tem em sua fachada enormes ‘X’ de concreto e que lembram um jogo da velha gigante. Essa estrutura acabou inspirando todo o conceito da loja, desde o nome até as embalagens. Na Choix, exercito o meu olhar de criador e de curador, que acaba sendo muito parecido com o trabalho que exerço no meu dia a dia na Neogama/BBH, de separar o joio do trigo – ou seja, o bom do ótimo.”